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  • segunda-feira, fevereiro 28, 2005

    Ideias luminosas


    O

    Fragoso criou uma seita, e por que razão não havia de a ter criado, perguntar-se-á com alguma legitimidade, num país livre e democrático toda a gente tem a legitimidade de criar o que bem entender, a isso se chama liberdade criadora, há quem pinte quadros, quem faça versos, quem vá por aí de máquina fotográfica em punho a tentar captar num instante o que leva mais do que esse momento, há quem dê marteladas em pedra, quem recorte chapas de ferro, quem as solde, quem as funda, quem faça moldes e depois deite lá para dentro metal derretido, quem desenhe bonecos, quem escreva prosas, quem faça de conta que não é a pessoa que realmente é, quem disserte sobre isto e aquilo, e há quem crie seitas, com menor ou maior sucesso, e obtendo uma significativa ou ínfima adesão por parte dos outros, que é o que também acontece aos objectos artísticos, sejam eles feitos de que matéria forem, haja ou não críticos nos jornais, nas revistas, que vivem a falar daquilo que não é seu, que nunca foi, nem será.

    Mas o Fragoso era tipo de olhão, aquilo podia transformar-se numa mina, que ressentimentos é o que mais se vê por aí, e já agora podia utilizá-los em seu proveito, tostão daqui, tostão dali, bem, agora eram cêntimos, mas ia dar ao mesmo, tanto fazia, a conta bancária já estava aberta, só faltava mesmo era o recheio, e logo se via onde é que aquilo podia ir parar, quem sabe se não era a um off-shore, de preferência no estrangeiro, que na Madeira era perto demais e podia dar para o torto, qualquer dia acabavam com a mama e lá teria que declarar tudo às Finanças, não, isso não, sabe-se lá o que é que o novo governo ia fazer, e se o homem lá do sítio morre vai-se tudo quanto Marta fiou, e se a Marta anda a fiar não é para depois ir dar de comer a gulosos, não senhor, que estes bancos não são de confiança, um dia está lá o dinheirinho no seu sossego e no outro já está nos jornais, o melhor era jogar mesmo pelo seguro, se bem que para já, para já, ainda não valia a pena estar com tais apoquentamentos, tinha era que publicitar a coisa, angariar potenciais descontentes, fazer uma pesquisa de mercado para ver por onde é que podia agarrá-los, se não fosse por uma coisa seria por outra, se há mil e uma maneiras de cozinhar bacalhau também as há para convencer as pessoas, basta uma palavrinha bem metida num determinado sítio, outra disfarçadamente a escorregar de ouvido em ouvido e estava o caminho aberto, tinha era que saber onde fazer passar a mensagem, o melhor seria a Internet, o que é preciso é saber aproveitar estas novas tecnologias, iria começar com uma página e um blogue e depois logo se veria, se fosse preciso mandava fazer uma camisolas, umas tee-shirts, uns bonés, e mais tarde se veria se era ou não preciso desenvolver este tipo de merchandising, o que tinha mesmo que inventar era uma boa meia dúzia de frases, de slogans, como se costuma dizer, daqueles bem sonantes, melhores do que os dos políticos, que não têm imaginação nenhuma para essas coisas, encomendam de fora, do Brasil, daqui e dali, e na maior parte das vezes sem resultados que se vejam, mas num país como este há que ir na onda da credulidade das gentes, e com esta coisa das proibições de tabaco nos restaurantes, nas cervejarias, nos locais de trabalho, nas discotecas, se calhar até era bem visto se se metesse a angariar clientela insatisfeita com estas manias do proibido fumar por todo o lado, porventura seria capaz de arranjar aí uma legião de fumadores enraivecidos, ou então virava-se para a moda de bater na igreja e nos padres e nos bispos e no papa e na religião toda, mas já tinha ouvido falar em associações de ateus, por isso o melhor era deixar essa de parte, o que não faltam por aí são espertalhões cheios de ideias.

    E então decidiu-se, ia fundar uma seita para mulheres, para todas, sem excepção, uma espécie de coisa privada, sem homens, a não ser que houvesse pedidos específicos de homens para ocasiões especiais, despedidas de solteiras, ou coisa no género, que é um mercado interessante nos dias que correm, o pior é ele ser homem, mas isso não era coisa que não se ultrapassasse, criava uma identidade falsa, assumia um nome feminino, não dava a cara, ficava completamente na sombra, e assim escusava de correr riscos, com um apartado nos correios e um nome fingido na Internet aquilo ia resultar, tinha a certeza, até era bem melhor que não se soubesse quem ele era, e se a coisa não pegasse pronto, escusava de estar metido ao barulho, hoje em dia as mulheres estavam cheias de dinheiro, mais do que nunca, bastava vê-las aos magotes nas lojas, nos bancos, nas escolas, nas secretarias, em todo o lado, até na tropa, no parlamento, nas câmaras, no governo, faltava-lhes a igreja, mas a coisa devia estar por pouco, mais tarde ou mais cedo lá haviam de chegar.

    Ao fim de um ano aquilo funcionava já em pleno, tinha para cima de seis mil aderentes, organizava encontros, conferências, seminários, jantares, convívios de todos os géneros, editava uma revista por assinatura, a página na Internet ia sobre rodas, a venda de camisolas e tee-shirts também, tinha até introduzido uma linha de malas e outra de chapéus de chuva, se bem que esta estava limitada à estação invernosa, o blogue ia igualmente de vento em popa, tinha contratado mais duas pessoas para escrever textos, tudo através da Internet, sem contactos pessoais, criara um estilo para os seus que era bastante engenhoso, não era difícil escrever para mulheres como se fosse uma mulher, tinha talento, esse talento específico para se colocar no lugar delas e imaginar os seus problemas, o que elas gostariam de ler, uma escrita feminina, no fundo, sem grandes artifícios, indo directamente ao assunto, sem nunca esquecer o lado sentimental, e nem muito menos o aspecto sexual, a conta bancária engordava a olhos vistos, choviam contribuições de todo o lado e a toda a hora, tudo em dinheiro vivo, nada de cheques nem cartões nem vales, nada disso, conseguira uns contactos no estrangeiro e era para lá que encaminhava a maior parte das verbas, investira em bolsa e tivera a sorte de aumentar ainda mais o pecúlio, e chegava a especular com algum risco no estrangeiro.

    O negócio dava, e de que maneira. Um dia teve o azar de se apaixonar por uma leitora e associada, que lhe escrevia umas coisas sensaboronas mas que o deixaram completamente abananado, deu por si a fazer a asneira de lhe endereçar alguns textos que escrevia de propósito para ela, mais tarde marcou-lhe um encontro, jantaram, ele engraçou com ela, frequentaram bares, discotecas, sem desenvolvimentos posteriores mais a sério, umas duas semanas mais tarde deu por si a contar-lhe tintim-por-tintim a negociata toda, caiu que nem um patinho, tanta esperteza para nada, quando chegaram a vias de facto descobriu que a leitora era um leitor, pô-lo fora da cama, do quarto, da casa, o leitor fez um berreiro que meteu vizinhança e ia metendo polícia, ameaçou que contava tudo, teve que pagar para o manter calado e não foi pouco, que semana sim, semana sim chovia mais uma chantagenzita e lá pingavam mais uns milhares, ao fim de dois meses já ia em milhões, o Fragoso já não sabia para onde virar-se, fugiu para o Brasil, e as últimas que soube dele eram que estava metido numa banca de jogo do bicho. O homem não aprendia mesmo.

    Posted by: Rezendes / segunda-feira, fevereiro 28, 2005
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    sexta-feira, fevereiro 25, 2005

    Cheiros

    M

    uitas vezes ficamos a gostar de alguém por causa do cheiro que apresenta, que não é coisa de subestimar, porque o olfacto das pessoas, muito embora não tão apurado como noutras instâncias da vida animal, também não é coisa de somenos, que isso dos cheiros pode conduzir ao paladar, e quando tudo o que mete boca é de facto inegavelmente relevante na vida das pessoas, que quando são pequeninas começam por chupar no dedo, o que poderá ser uma qualquer forma de narcisismo - ou de terapêutica de substituição -, mais tarde passam a chupar só onde de facto pretendem investir algum afecto, isto sem qualquer menosprezo para com profissionais do chupanço, que não deve de maneira alguma ser confundido com chupismo, já que se trata de uma actividade completamente diversa daquela e com outro tipo de implicações sociais e relacionais, mas que essa coisa dos cheiros é importante lá isso é, senão não existiria toda uma indústria dedicada aos aspectos olfactivos, e se calhar dizer uma indústria é pecar por escassez quantitativa, que certamente se procurarmos bem muitas mais há por aí igualmente envolvidas nos aspectos nasais de actividade humana.

    Vem isto a propósito de ainda no outro dia me terem dito que cheirava a praia, isto em pleno pico do inverno, eu que da praia já nem lhe conheço o cheiro desde Agosto ou Setembro, para grande pena minha, diga-se de passagem, que como ilhéu bem que gostava de ter mais oportunidades de me passear por essas bandas, e se calhar será por esse mesmo facto, por ser ilhéu, dizia às tantas um comentador humorístico profissional das observações alheias, sempre atento aos dizeres soltos, deve ter sido isso, ficou o odor embebido na minha pele, depois de tantos anos passados mais ou menos à beira-mar, digo mais ou menos, porque também não vivia propriamente em cima da água nem passava a vida a estender-me na areia ao mínimo raio de sol, ou então, mais provável, é que o perfume que habitualmente uso deixar essa impressão odorífera em quem circula por perto da minha pessoa, e ainda em última instância o facto de ser do signo astrológico dos peixes poderá ter alguma coisa que ver com isso, se bem que talvez até nem seja isso, que posso cheirar a praia, segundo me disseram, mas não tresando a pexum, pelo menos acho que não, poderei estar redondamente equivocado mas não me parece que seja o caso.

    Os cheiros são algo de curioso, que há classificações de cheiros, para além de cheiros maus e cheiros bons, conheço ainda o vinho de cheiro, a expressão levar um cheirinho, meter um cheirinho (no café), mas sobretudo recordo a expressão cheirar a raposinhos, cheirar p’ra burro, cheirar a cão, cheirar a papel rasgado (esta pertence ao anedotário das peças de teatro), para já não falar de cheiros mais intensos ou mais ou menos íntimos, que não me está mesmo nada a apetecer ir por aí, cala-te boca, e a propósito de boca há ainda a questão do hálito, que há quem não fume e reprove mesmo a abominação de tal acto e cheire mal da boca a léguas, problemas de estômago, diz-se, pelos vistos o cheiro também está relacionado com o estômago, para já não falar de outras partes do corpo, hum, está mas é caladinho, por aí não, ai, ai, coisas destas podem ter cheiro mas não se fala delas, é falta de tacto e de delicadeza, para além de ser ordinário, e cheiros ordinários é que não, nada disso, o melhor é mesmo limitar-me aos perfumes, ao cheiro a praia, desde que não seja daquelas que ficam mesmo ao pé dos esgotos. Ah, não querem lá ver que estavam a dizer que eu cheirava a esgoto? Fico já por aqui e vou mas é tirar isto a limpo...

    Posted by: Rezendes / sexta-feira, fevereiro 25, 2005
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    quinta-feira, fevereiro 24, 2005

    O homem esdrúxulo

    O

    homem esdrúxulo é um indivíduo a quem, por uma razão ou por outra, deram este nome, se calhar à falta de melhor, e era tema de conversa de crianças quando uma pretendia meter algum medo às restantes, afirmando, então, vem aí o homem esdrúxulo, e ficava tudo a tremer de medo porque ninguém sabia quem era tal criatura, quais eram as suas intenções, nem com quem se parecia, mas não devia ser coisa boa para ter um nome daqueles, esdrúxulo era palavra que metia medo, a ignorância é a mãe de todos os medos, é o que se diz, a minha veia criadora não chega para tanta sabedoria, muito menos quando se trata da sabedoria das crianças, que pode ser tão efémera quanto a infância mas é certamente de respeito, a julgar na maneira como as outras reagem à sentença de quem afirma coisas destas, afinal não é todos os dias que uma pessoa conhece alguém que lida tu-cá-tu-lá com o homem esdrúxulo, para se ter confiança com uma individualidade assim designada é preciso muito calo e isso, quer queiramos, quer não, é digno de nota e confere um estatuto especial a quem se aventura a tais familiaridades.

    O homem esdrúxulo sabe-se então que é homem, de idade indefinida, nem alto nem baixo, esdrúxulo, portanto, e saber mais do que isto é já saber demais, há limites para a curiosidade, e quando esta é excessiva os limites são ainda mais curtos, que a bisbilhotice pode sair cara, no outro dia ali na papelaria do senhor Rodrigues quiseram levar-me cento e cinquenta euros por uma dose mínima de coscuvilhice, daquelas pequeninas mesmo, achei que era demais, está tudo doido, onde é que já se viu levarem couro e cabelo por uma coisa de nada, anda meio mundo a querer enriquecer rapidamente à custa da outra metade, mas isso é coisa que não aceito, recuso-me terminantemente a pactuar com tais exageros, caso contrário chama-se o homem esdrúxulo e fica o caso arrumado. Francamente...

    Posted by: Rezendes / quinta-feira, fevereiro 24, 2005
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    quarta-feira, fevereiro 23, 2005

    Superstições de A a C

    A

    lgumas (poucas) superstições retiradas da obra inestimável Dicionário de Superstições, de Hubert Laurioz, Edição Temas e Debates.

    ADVOGADO
    O ADVOGADO DO DIABO. Se passarmos perto de um tribunal e nos cruzarmos com um advogado, devemos ordenar-lhe que se descalce. Se recusar, estamos com toda a certeza em presença do Diabo em pessoa, que os pés fendidos não podem deixar de trair.

    AGULHA
    PROVOCAR A PARTIDA DE ALGUÉM. Certas donas de casa conhecem esta estranha e astuciosa superstição, que consiste em colocar uma agulha no assento da cadeira de uma visita importuna. Esta não se pica, pois a agulha está colocada horizontalmente; mas começa a sentir uma curiosa perturbação, que lhe inspira rapidamente a boa ideia de se despedir. Para provocar ainda com mais segurança a partida dos impertinentes.
    AGULHA QUE SERVIU PARA COSER UMA MORTALHA. Esta agulha será particularmente apreciada em sessões de magia, nas previsões do destino e nos rituais que utilizam figuras de cera ou de papelão. Colocar uma destas agulhas sob o prato de um conviva corta-lhe o apetite, podendo, em certas variantes mais radicais, atrair a tísica (tuberculose) sobre esta pessoa.
    UMA PALAVRA QUE NÃO DEVE SER PROFERIDA. Por fim, evitemos proferir a palavra «agulha» ao saltar da cama, pois dá azar... no caso de acordarmos algum dia com a estranha vontade de dizer tal palavra.

    ÁLCOOL
    OS ALCOÓLICOS SÃO INFLAMÁVEIS. Gaston Bachelard, em A Psicanálise do Fogo recorda a convicção substancialista que, como se acreditava no século XVIII, implicava o seguinte: quem ingere álcool pode arder como ele. Bachelard cita vários casos, entre os quais o seguinte:

    Lê-se nos actos de Copenhaga que, em 1692, um mulher do povo, cuja alimentação consistia quase exclusivamente no uso imoderado de bebidas espirituosas, foi encontrada, certa manhã, quase inteiramente consumida, com excepção apenas das últimas articulações dos dedos e do crânio...


    O próprio Émile Zola parece ter acreditado nesta crença de que um ébrio em estado terminal pode arder subitamente, provocando uma verdadeira deflagração.

    ATACADORES
    PRESSÁGIOS DIVERSOS. Não devemos espirrar enquanto apertamos os sapatos, pois dá azar. É de muito mau augúrio descobrir, logo pela manhã, que nos esquecemos de apertar os sapatos, ou, então, que partimos um dos atacadores. Se o atacador do lado esquerdo estiver desapertado, significa que alguém disse mal de nós; se for o do lado direito, talvez tenhamos sido elogiados(as).

    CACHIMBO
    PREVISÕES METEOROLÓGICAS POR MEIO DE UM CACHIMBO. Quando o tabaco atacado e aceso sai do cachimbo é sinal de que a chuva está próxima.

    CHÁ
    A INFUSÃO DOS SENTIMENTOS. Em Inglaterra, os homossexuais reconhecem-se facilmente por obedecerem ao pormenor de deitarem o açúcar na chávena antes do chá. Minhas senhoras, fiquem ainda a saber que um homem que vos sirva o chá também um dia vos fará um filho.
    A LEITURA DAS FOLHAS DO CHÁ. Nos países anglo-saxões, onde domina a tradição do chá, existe um método de adivinhação equivalente ao da leitura nas borras de café, cujas profecias se baseiam na observação de formas assumidas pelas folhas de chá no fundo da chávena, depois do consumo. Na introdução de L'Avenir dans les Feuilles de Thé, o autor deixa as portas abertas: «Se deixarem falar a imaginação, não se enganarão».

    CHALEIRA
    O APITO DA CHALEIRA. anuncia más notícias. Deve proceder-se de tal modo que o bico da chaleira se oriente para oeste.

    COITO

    Dizei-me, por favor, quem quereria entregar-se a uma coisa tão feia e tão suja como o coito?

    DU LAURENS, Oeuvres, 1621

    NÃO MUITAS VEZES. Ambroise Paré incita à moderação. Coitos muito frequentes tornam o sémen «débil e indigesto (sic) e adulterado» e produzem filhos lastimáveis. Por conseguinte, «não deve assediar-se a esposa muitas vezes, pois, deste modo, o sémen não tem tempo para ficar bem cozido e elaborado» (Oeuvres, 1585).
    E NA POSIÇÃO CORRECTA. O inefável doutor Venette, por diversas vezes citado, na sua Génération de L'Homme, de 1685, passa em revista quatro configurações essenciais:
    - O amor deitado: é a postura conveniente.
    - O amor sentado é desaconselhável, pela dupla razão de poder estar na origem de uma gestação defeituosa e por celebrar a vitória da mulher «possuída por uma paixão desregrada» pelo homem «que, segundo as regras da natureza, deve dominar a mulher, e que passa pelo senhor de todos os animais».
    - O amor por detrás: é muito contrariado que o bom doutor reconhece esta posição suspeita: «Incluiria aqui a postura de acariciar uma mulher por detrás entre as que são contra as leis da natureza, se um filósofo e dois médicos não me dissessem o contrário».
    - O amor de pé é condenado sem ambiguidade: «Esta postura altera a saúde, provoca tonturas, dores de cabeça, tremores nos joelhos. É uma fonte de reumatismo e de gota».

    Posted by: Rezendes / quarta-feira, fevereiro 23, 2005
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    terça-feira, fevereiro 22, 2005

    Auto-retrato ditado

    P

    ara começar, alguns traços psicológicos, realçando, em primeiro lugar, uma persistente teimosia e uma tendência para a antipatia que deixa um tanto ou quanto a desejar em situações formais ou mundanas, temperada com alguma timidez, anteriormente mais acentuada e que agora fugiu no sentido do descaramento não exibicionista, radical quanto baste, para juntar à tal casmurrice, fraqueza acentuada face a alguns vícios mais frequentes, de que se destaca o tabacal, alguma lerdice e muita distracção, dir-se-ia com mais acerto tendência para a abstracção, mas não faz mal, que isto de ser politicamente correcto nem sempre é virtude, e a propósito de virtudes algumas há que merecem destaque, nomeadamente a lealdade, embora polvilhada de alguma conveniência, um tanto ou quanto de sensatez, com laivos ocasionais de ira quando ferve em pouca água, o que acontece de quando em vez, embora de forma esporádica, algum sentido de humor, que francamente não se adapta a fedores de gatos, mas antes mais à aspereza da ironia, alguma sensibilidade maior para as palavras do que para as conversas, onde se verifica uma capacidade para desligar-se de vez em quando da corrente para poupar neurónios, reduzida persistência e perseverança, e muita, muita preguiça, fisicamente nem alto nem baixo, nem gordo nem magro, nem forte nem fraco, com a velhice a entrar pelos cabelos que usa ainda compridos de maneira a disfarçar, talvez, o que geralmente acontece aos homens quando o tempo de repente lhes ataca o alto da cabeça, péssima dentadura, coisa que podia – e devia – ter evitado em tempos que já lá vão, olhos escuritos, coisa natural em portugueses, tal como os cabelos, que já vão mais brancos do que pretos, mãos fortes mas com unhas levadas por outro vício, nada elegantes, as mãos e o vício, diga-se de passagem, fanático das calças de ganga da marca crónica do judeu americano que é famoso por esse mesmo motivo, e um tanto ou quanto esquecido, senão não ficava já por aqui.

    Posted by: Rezendes / terça-feira, fevereiro 22, 2005
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    segunda-feira, fevereiro 21, 2005

    Silêncios


    O Paulo morreu aqui há dias. Era pouco mais novo do que eu, estava a passear no jardim de casa, sentou-se num banco e ali ficou. Não sabia de nada e não fui ao funeral. Mas também se soubesse não ia, que pela nossa amizade já passou mais do dobro dos anos que ela tinha durado, e as amizades, quando não as alimentamos de tempos a tempos, acabam por esvair-se a pouco e pouco juntamente com a areia da ampulheta que o tempo sobre elas vai forçando. Mas chegou-me a notícia, e a ela se juntou a memória das histórias que vivemos juntos, naquela enorme quinta em que encenávamos gloriosas batalhas entre índios e caubóis, ou em que as tropas aliadas levavam sempre a melhor sobre os alemães nazis, derrotados até à extinção total, ou pelo menos até à hora do lanche.

    Mais tarde vieram as tardes da batota, e quando entrámos na dos namoros acabámos por afastar-nos, já não lhe conheci mulher, filhos, nem sequer sei se os teve. Custa-me um bocado que uma vida assim se desvaneça, mas gostava de morrer assim, sentado num banco de jardim, com o cheiro das camélias e das tílias ali por perto, sem uma palavra sequer a mais do que aquelas que vou ainda deixando por aqui e por ali.

    Posted by: Rezendes / segunda-feira, fevereiro 21, 2005
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    O novo mestre da orquestra

    ...agora ia tudo fiar mais fino, o novo homem do leme era rapaz de poucas brincadeiras, de não dar confiança a este ou àquele...

    N

    a Filarmónica Triunfo havia por fim nova presidência, que, apesar das vozes abespinhadas dos clarinetes, dos protestos do homem do bombo e do refilanço das caixas, os safofones lá tinham levado a deles avante, contraltos e tenores unidos numa só voz contra a batuta do maestro até então dirigente da banda, se bem que lá no fundo, lá bem no fundo, e a fazerem-se ouvir de maneira a não haver cá dúvidas, que a voz grossa acaba sempre por sobrepor-se, ou pelos menos é reconhecida pelas suas tentativas, as tubas reclamavam, desde sempre, maior protagonismo e uma clara tomada de posição na escolha das marchas, que, para elas, deviam ser as do John Philip Sousa, e não aquelas coisitas fúnebres sem graça nenhuma ou aqueles trinados de clarinetes e trompetes que mais pareciam barroquices de chacha, tanto mais que se avizinhavam as festas da paróquia, e havia que considerar a competição com as bandas das outras freguesias e, de entre elas, a Ordem e Progresso, sua velha rival de sempre, não fossem já antes conhecidas aquelas querelas por descambarem sempre em lutas campais, ao ponto de uma ser a banda dos gatos e a outra a banda dos cães.

    Ah, mas agora ia tudo fiar mais fino, o novo homem do leme era rapaz de poucas brincadeiras, de não dar confiança a este ou àquele por dá-cá-aquela-palha, era o que parecia, que uma pessoa não pode conhecer assim tão bem alguém ao ponto de pôr as mãos no fogo por outro, há quem diga que sim, mas à última hora nicles, batatinhas, dão às de vila-diogo, que têm a sopa ao lume, que se esqueceram de pagar a conta da luz, que a mulher estava à espera atrás da porta com o rolo da massa, que isto e aquilo, que tinham perdido as luvas de amianto, mais vale prevenir do que remediar, ao menos sempre sai mais barato, nestas coisas mais vale andar de pé atrás do que cair de costas sem se saber ao certo se o parceiro de trás está mesmo lá para aparar os golpes e suavizar a queda, no entanto o homem era sério, contavam-se grandes histórias acerca da sua seriedade, o pior eram os amigos, que nem sempre os amigos nos levam por bons caminhos, já lá vai o tempo da máxima sempre por bom caminho soma e segue, é que há desvios, entroncamentos, cruzamentos, becos mal assinalados, ladeiras um tanto ou quanto íngremes, calçadas em mau estado, escadinhas dos terramotos ou com mais ou menos degraus, ainda se ia mas era dar ao cunhal das bolas e depois não havia meio de voltar a dar com o caminho, sem um mapa em condições é que ninguém é capaz de se orientar, e também é preciso ter condições de confiar nos fazedores de mapas, sabe-se lá onde é que eles vão inventar aquelas escalas todas, as linhas de água, os marcos geodésicos, as azinhagas disto e daquilo, de repente uma pessoa dá por ela e já está mas é metida num bairro labiríntico até ao pescoço, salvo seja, que quando uma pessoa está metida num bairro é pescoço, cabeça, tronco e membros, tudo junto, mas o discurso de vitória soava a coisa de opereta barata, vou dar música ao povo, a música que ele sempre desejou, a todo o povo, até aos surdos, e o homem do bombo a pensar com os seus botões que os surdos a única coisa que sentiam era, quanto muito, as maçanetadas que ele enfiava na pele esticada do seu instrumento com toda a força que Deus lhe dera, e os dos clarinetes que só as suas notas é que chegavam ao céu e até faziam Nossa Senhora soltar as suas lágrimas, melhores e mais abundantes do que as que vertera pelo próprio filho, estava-se mesmo a ver que a harmonia não havia de durar muito, era só uma questão de esperar pelo próximo concerto e já se ia ver que a música ia sair desafinada, o povo todo à espera de uma orquestração à moda antiga e o que lhes ia sair na rifa era um desconchavo completo, que apesar da vigilância dos saxofones as trompetes já se tinham preparado para roubar a batuta ao mestre e raios os partissem se não a partissem aos bocadinhos antes que se ficasse a rir. Queriam música, ai iam tê-la, iam, iam. Iam, sim senhor.

    Posted by: Rezendes / segunda-feira, fevereiro 21, 2005
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    sexta-feira, fevereiro 18, 2005

    Reflexões

    VOU...? NÃO VOU...? VOTO...? MRPP...? PS...? PSD...? BE...? CDU...? PP...? PND...? POUS...? PDA...? QUEREM VER QUE ME ESQUECI DE ALGUM...? BRANCO...? NULO...?


    Posted by: Rezendes / sexta-feira, fevereiro 18, 2005
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    Mais coisas de extraterrestres

    E

    les são Susana e Mário, formação universitária, profissões diversificadas, ela trabalhadora independente, ele no ensino, mas também músico, com filhos de anteriores uniões, nenhum do mútuo arranjo em que actualmente se encontram envolvidos, partilham, além de casa, comida e cama, um interesse na área das percepções extra-sensoriais, para além de um fascínio pelas civilizações extraterrestres que piamente acreditam existirem.

    Acima, os factos. Seguidamente, a história.

    Há quem creia, com uma convicção muito forte e arreigada em não sei bem o quê, que há vida para além da Terra e que essa vida se passeia de quando em vez por este nosso planeta, a fazer o quê não sei, provavelmente como observadores de momentos eleitorais como aquele que presentemente vivemos, mas o certo é que acreditam e que se dispõem a passar algum tempo a ver se dão de caras com alguém proveniente do espaço sideral, também ignoro com que finalidade, provavelmente para saber dos hábitos gastronómicos e musicais de tais gentes, se de gentes na verdade se trata, que poderão ser outra coisa qualquer, sei lá, tubérculos inteligentes, por exemplo.

    Na passagem de século que ainda recentemente vivemos, já lá vão uns cinco anitos e pouco, eu sei, mas nessa passagem de ano, em vez de se enfiarem num daqueles hotéis que comemoram a data com jantares e ceias e vestidos de noite e fatos e gravatas e garrafas de espumante e lagostas suadas e acompanhamentos musicais para abanar o rabo e bebedeiras de caixão à cova e respectivos acessórios, meteram pés a caminho e foram esperar a chegada dos tais extraterrestres num descampado junto a um dos muitos bairros periféricos de Lisboa, na perfeita convicção que daquela é que era, iam lá agora esses longínquos vizinhos perder a oportunidade de comemorarem uma efemérides destas, levaram cobertores, um termos com chá quente, sandes de galinha, de presunto, de queijo e de atum, batatas fritas de pacote, outro termos com café, máquina fotográfica e de filmar, gravador áudio, pilhas sobressalentes para o que desse e viesse, dois colchões de campismo, um par de lanternas eléctricas e um petromax, não fosse dar-se o caso de se avariarem os apetrechos eléctricos, que é o que costuma acontecer nos filmes, saíram de casa por volta das dez e pouco e lá montaram a espera.

    Claro que, no dia seguinte, a polícia, na ronda nocturna que faz de manhã que é para ter tempo de descansar o bastante antes de se meter à rua, deu com o casal a dormir debaixo dos cobertores já meio cobertos de geada, acordou-os e perguntou-lhes o que estavam ali a fazer, e eles, ainda meio estremunhados de sono, pensaram que aquele é que era o tal contacto, o encontro imediato do grau não sei quantos com uniformes azuis e bonés com emblemas, afinal não eram, ficaram com um melão daqueles, decepção tamanha é que não esperavam, recolheram a tralha sem grandes explicações e regressaram ao lar familiar com uma história para contar aos amigos, de onde se infere que nem sempre aqueles que esperamos aparecem na hora certa, e daí nunca se sabe, acho que estão com disposição de lá voltar mais umas vezes, quem espera sempre alcança, lá dizem por aí, ou diziam, que isto do adagiário popular umas vezes resulta, outras assim-assim, mas a maior parte das vezes tenho cá para mim que o que quiseram foi enfiar-nos um barrete. Desde que não seja da polícia...

    Posted by: Rezendes / sexta-feira, fevereiro 18, 2005
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    quinta-feira, fevereiro 17, 2005

    Despachantes

    Q

    uando um documento vai a despacho quer isso dizer que é para ser despachado, no mesmo sentido em que uma pessoa diz para a outra já saio da casa de banho, estou quase despachado, ou terá implicações no género aquele ou aquela já o ou a despachei eu, ou ainda, vou despachar-te desta para a melhor, e se isso significa que quem recebeu o documento, quem o analisou, não tinha poderes para fazer nada, então não se percebe lá muito bem para que é que o documento foi lá ter e para que raio é que o analisaram, se foi só para dar umas voltinhas tinham dito logo à partida, olhe, o senhor antes de entregar esse documento leve-o a dar umas voltitas no automóvel, se tiver motorizada também serve, ou então meta-se num carrocel e agite-o aí durante umas boas duas horas, e depois então traga-o cá que nós tratamos do assunto imediatamente, mas franqueza desta não se encontra por aí de mão beijada, que, para dar ares de importância, qualquer departamento que se preze não leva menos de uns três mesitos a pôr as coisas a circular de um lado para o outro até chegar ao tal despacho, que pode ser um simples carimbo, uma ou duas assinaturas, menos do que isso é que não, que até fica mal, se forem mais ainda melhor, não vá faltar algum destes símbolos especiais ou o nome de fulano ou fulana de tal, sem isso é que nada feito.

    Há casos em que o despacho não é mesmo nada despachado, aliás ainda estou para conhecer um que realmente o seja, uma pessoa vai muito bem com o papelito na mão e entrega-o na secção xis, e primeiro que chegue à secção zê, que fica exactamente no mesmo edifício, só que uns andares mais acima ou mais abaixo, a coisa não vai lá sem pelo menos três ou quatro semanas de permeio, que isto de transportar documentos de um andar para o outro tem que se lhe diga, é preciso primeiro registá-los no tal andar xis, deu entrada a tantos do tal, pelas horas e minutos que aqui vão registados, e quem o recebeu foi o senhor ou a senhora isto e aquilo, para ir a despacho ao senhor doutor ou à senhora doutora á, bê ou cê, na repartição, secção, gabinete, departamento, dê, é ou éfe, pede deferimento o abaixo assinado sicrano, a quem foi comunicado um prazo estimado de tantos dias, estimado, que fique bem claro, que nisto de exactidões não damos garantias, há sempre imponderáveis, doenças repentinas, gravidezes de risco, reuniões imprevistas, transferências súbitas, baixas por fadiga mental, aposentações antecipadas, férias por gozar, elevadores avariados, escadas em perigo de derrocada, um sem-número de factores que podem influenciar que o despacho seja despachado, o que quer dizer que primeiro que o documento passe da pilha A, leia-se a aguardar despacho, para a pilha B, leia-se despachados, pode levar cerca de seis meses, mais coisa menos coisa, pelas razões supra mencionadas, ficando aqui o aviso, à cautela, para quem está à espera de alguém para almoçar ou jantar que, ao ouvir estou quase despachado ou despachada, isso pode levar uns meses, portanto o melhor será marcar mesa com alguma antecedência, não vá o diabo tecê-las, que ao que se diz tem uma grande jeiteira para tapetes de Arraiolos, dos padrões mais intrincados possível, e na melhor das hipóteses o negócio não fica por menos de uns dois ou três milhares, que o diabo é exigente com o seu trabalho e faz-se pagar bem, tem aliás uma equipa especializada vulgarmente conhecida como despachantes, que é gente que se dedica em especial a dar despacho de coisas que estão à espera de ser despachadas, o que quer que isso seja.

    Posted by: Rezendes / quinta-feira, fevereiro 17, 2005
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    quarta-feira, fevereiro 16, 2005

    Doenças da bola

    ...pior que uma bicha, costuma dizer-se, ou pelo menos costumava, que agora parece pecado...

    O

    Raimundo estava pior que estragado, pior que uma bicha, costuma dizer-se, ou pelo menos costumava, que agora parece pecado dizer coisas destas, o Benfica tinha perdido e de que maneira, sete a dois, tal e qual, preto no branco, não havia margem para dúvidas, dois miseráveis golos marcados e sete sofridos na sua própria baliza, desgraças destas nem a brincar gostava de aceitar, era difícil de engolir, nem a feijões uma derrota lhe sabia mais doce, o puto que jogava lá na frente tinha a mania de ser bom, dotado de rapidez e capacidade de finta, não lhe serviu de nada tanta fama para tão pouco proveito, afinal dois golitos marcados pode chegar, mas não quando se leva sete, sete, veja-se bem, uma mão cheia e ainda mais dois, estava mesmo num estado de espírito de completo desânimo, com uma tristeza profunda a corroer-lhe a alma, sabe-se bem que tristezas não pagam dívidas, mas isso não lhe chegava, o resto do dia estava estragado, se calhar a semana inteira, e agora já não havia maneira de voltar atrás no tempo, nem que fosse o super-homem.

    E o puto, o raio do miúdo que dava a ideia de ter ficado com artrite de um momento para o outro, mal se mexia, qual craque nem meio craque, jogadores daqueles nem dados, afinal era só garganta, mais nada, nem pela esquerda nem pela direita, muito menos pelo meio, não havia maneira de meter golo, os dois que tinham conseguido tinha sido um defesa a marcá-los, ora bolas, se um defesa tem que preocupar-se em meter golos como é que também se há-de pôr a defender, não é possível, é coisa comprovada que não se pode fazer tudo ao mesmo tempo senão sai tudo mal, e quando as coisas saem mal nunca mais há maneira de se endireitarem.

    Ele bem tentou, gritava e berrava que nem um doido, ao ponto de lhe ter ficado a doer a garganta, mas hoje em dia já ninguém ouvia ninguém, e no calor da refrega muito menos, é certo e sabido que a excitação tapa os ouvidos, é boa solução para quando se tem vizinhos barulhentos, uma pessoa excita-se e pronto, já não ouve nada, agora receitas para excitações é que não damos, qual quê, isto não é farmácia nem botica de espécie alguma, quem as quiser que as compre, ou que as invente, o que é preciso é dar asas ao espírito criativo, o pior é se com as asas ele se mete ao fresco e nunca mais lhe pomos a vista em cima, mas é um risco que se corre, uma vida não pode ir apenas ao sabor da corrente, sensaborona como a comida sem sal, o melhor é nem falar nisso, senão depois ainda vão para aí dizer que andamos aqui a contribuir para a hipertensão dos portugueses.

    O puto lá da frente, esse então nada, nem com estímulos, nem conselhos, nem com um insulto de quando em vez, mais valia substituí-lo, mas também ao que parece não havia ali quem se candidatasse ao lugar, cambada de azelhas, era o que era, e os golos iam entrando, um após outro, e o Raimundo cada vez mais doente, já estava possesso, punha-se aos saltos, enfiava um chorrilho de asneiras como quem encarreira avé-marias umas a seguir às outras, nunca mais chegava ao pai-nosso, que pelos vistos não estava nos céus nem ali na terra ao pé dele, e bem que dava jeito, que o que via era os adversários fintarem, encarreirarem a bola desde a defesa até ao ataque, o meio campo então estava irrequieto, só servia bolas ao ataque, que não se fazia rogado, e sem cerimónias o marcador ia-se dilatando cada vez mais.

    E então às tantas o Raimundo, furioso e quase apoplético, zurrou para o puto: tu nunca mais jogas comigo aos matraquilhos.

    Posted by: Rezendes / quarta-feira, fevereiro 16, 2005
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    terça-feira, fevereiro 15, 2005

    As postas


    ...Acho que até nem soa nada bem uma pessoa afirmar que acabou de colocar uma posta sobre determinado assunto...

    T

    endo lido de vez em quando a palavra postas referindo-se aos posts dos blogues, e para ser franco não vejo por que razão pespegaram com as postas na língua portuguesa com este sentido, que postas conheço as de bacalhau, de carne, de outros peixes para além do bacalhau, há até quem diga olha aquele está para ali a arrotar postas de pescada, querendo com isto dizer que está a falar de coisas de que na verdade não sabe, que quer passar por sabedor sem na verdade o ser, que se quer dar ares de importante, se bem que não está muito claro que alguém arrote postas de pescada para se armar aos cucos, que os desgraçados dos pássaros não têm nada que ver com isto, mas pescada, francamente, ainda se fosse um peixe de melhor qualidade, não é que esteja a pretender diminuir a importância da pescada na alimentação nacional, que até é um peixe bastante popular, aparece sob todas as formas nos supermercados, em lombinhos, em tiras, em quadradinhos, aos bocados maiores, inteiras, que é o que se dá aos gatos, mas arrotar postas de pescada não deverá ser algo assim tão importante, e se calhar é por isso mesmo que se mete o referido peixe na boca de quem está a querer por aquilo que não é.

    Acho que até nem soa nada bem uma pessoa afirmar que acabou de colocar uma posta sobre determinado assunto, porventura pode-se pensar na mala-posta, que era um teatro que ainda existe mas que onde tenho a impressão que já não se faz nada de jeito, por desentendimentos políticos ou coisa no género, ou então noutros tempos mais recuados, de onde veio o nome para o teatro, que estava ligado à circulação de correio por todo o país, e talvez venha daí a analogia, mas lá que soa mal, isso ninguém lhe tira, e uma pessoa referir-se à posta de hoje no blogue tal e tal parece que está é a falar de assuntos de peixaria, e eu cá acho que com as peixeiras é preciso ter alguma cautela, que uma vez por outra a conversa dá para o torto e ninguém as cala, abrem a boca e lá vai disto, e daquilo, e daqueloutro, com o português mais vernáculo à mistura, que é para não haver dúvidas de que se trata mesmo da nossa língua, sem tibiezas nem eufemismos, tudo claro como água, ou não fosse daí que vêm os peixes, os tais do sermão e os outros todos também, se bem que no dito sermão não ficaram a faltar muitos, tal era a abrangência, e também não ficaram a faltar nem os que mandam nem os que são mandados, se bem que para mandar alguém para algum lado nunca vi gente mais habilitada do que as referidas peixeiras.

    Posted by: Rezendes / terça-feira, fevereiro 15, 2005
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    segunda-feira, fevereiro 14, 2005

    Conversas (im)perfeitas


    - Diz. Diz lá.
    - Parvo!
    - Vá lá, eu quero que digas. Quero-te ouvir dizer.
    - Mas o que é que queres que eu te diga?
    - Tudo. Quero que me digas tudo.
    - Mas eu não tenho nada para te dizer...
    - Tens. Eu sei que tens. Tu é que não queres.
    - Já te disse...
    - Não. Não me disseste.
    - Mas o quê?
    - Aquilo que tu sabes que eu quero que tu digas.
    - O quê?!
    - Tu sabes.
    - Não, não sei.
    - Eu sei que tu sabes que eu sei.
    - Que eu sei o quê?
    - O que eu quero que tu me digas.
    - E isso é o quê?
    - Aquilo que não me queres dizer.
    - Parvo!
    ********************************
    - Vá. Fala comigo.
    - ...
    - Vá, diz-me.
    - ...
    - Eu sei que vais dizer, de qualquer maneira...
    - ...
    - Tenho a certeza absoluta.
    - ...
    - Nem que eu só saia daqui à meia-noite.
    - ...
    - Diz. Vá lá.
    - ...
    - Só uma vez. Uma só.
    - ...
    - Nem uma?
    - ...
    - Parvo!
    ********************************
    - O que é que disseste?
    - Quando?
    - Agora mesmo.
    - Agora?
    - Sim, agora mesmo. Repete lá.
    - Mas o quê?
    - Aquilo que acabaste de dizer.
    - Mas o que é que eu acabei de dizer?
    - Já não sabes?
    - ...
    - Ou já não queres dizer?
    - Mas o quê?
    - O que disseste mesmo agora.
    - Já não me lembro.
    - Ah, lembras-te, lembras-te. Não queres é dizer.
    - A sério! Já não me lembro.
    - Só sabes é dizer-me mentiras.
    - Eu?!
    - Sim.
    - Mas que mentira é que eu disse?
    - Sabes muito bem.
    - Mas se eu não disse nada...
    - Disseste, disseste. E agora dizes que já não te lembras.
    - Não me lembro. Verdade.
    - Parvo!

    Posted by: Rezendes / segunda-feira, fevereiro 14, 2005
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    domingo, fevereiro 13, 2005

    Ora bolas


    Ainda no outro dia empreguei esta interjeição num comentário qualquer, e só depois me pus a pensar nela, mas afinal o que é que aquilo queria dizer?, ora sabia eu bem que era agora, até aí tudo certo, mas em relação às bolas é que fiquei cheio de dúvidas a que é que se referia a palavra, será alguma alusão sexual, não, não deveria ser, porque havia pessoas do género feminino que a usavam, exactamente do mesmo modo que as do sexo masculino, e em contextos em tudo idênticos, por isso não era muito claro que se tratasse de quaisquer apêndices anatómicos, contudo não era igualmente claro que o termo andasse à volta das bolas de bilhar, ou de ténis de mesa, uma pessoa se está danada com alguma coisa não se vai pôr a pensar no bilhar ou no ténis de mesa, isso pareceu-me óbvio, se bem que o que é óbvio a certa altura pode não o ser daqui a bocado, as coisas são mesmo assim, olha, isso parece-me óbvio, e daqui a pouco, com a conversa mais adiantada, aditando mais uma meia dúzia de argumentos, a coisa muda de figura, não, olha que isso não me parece assim tão óbvio, pois é, o que é claro por vezes fica escuro e vice-versa, esta volatilidade opinativa acontece com alguma frequência, basta uma simples alteração de estado de espírito, aquilo a que os anglo-saxónicos, com aquela tendência para a sintetização que se lhes conhece, chamam «mood», termo interessante e musical que em português não tem nada que se lhe assemelhe.

    Aliás, o termo bolas não deixa de ter o seu interesse e de provocar alguma reflexão, antigamente era asneira, não é que agora tenha deixado de ser calão, mas tornou-se menos agressivo, o vernáculo vai-se alterando com o tempo, e também suavizando, o bestial dos anos sessenta agora já nem significa nada, o bué dos noventa já aparece nos dicionários, o que era giro tornou-se baril e agora nem sei o que é, fixe, tá-se, tudo em cima, e expressões quejandas são inegáveis contributos para uma cada vez maior redução do vocabulário, um dia destes damos por nós a falar por monossílabos, já nem deve faltar muito, eliminam-se as vogais como no árabe a estamos despachados, os ésse-éme-ésses e as salas de conversa da Internet vieram simplificar a comunicação, dizem alguns, cá para mim é conversa fiada, não passa disso, agora em relação às bolas é que francamente continuo com dúvidas. As interjeições «asneirosas» são já bastante vetustas, o que deve querer dizer alguma coisa, provavelmente que desde tempos remotos foram dos poucos aspectos em que a língua não evoluiu, se bem que a capacidade inventiva dos portugueses nesta área é surpreendente, existem livros a comprová-lo, até um estudo de uma universidade do norte, aberto a constantes contribuições externas, mas o ora bolas é coisa que já nem se ouve tanto como isso, deve ser para evitar tão antiquado termo que os locutores de futebol se referem ao esférico, à redondinha, naquela gíria que insistem em enriquecer a cada dia que passa. Para eles, o meu ora bolas.

    Posted by: Rezendes / domingo, fevereiro 13, 2005
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    sábado, fevereiro 12, 2005

    Gravidez por correspondência


    - O s’ doutô pedia-m’era ajudá a minha nora a tê um menine... – pedia a mulher ao médico.
    - Mas a senhora quer que a sua nora fique grávida? Nesse caso tem que a trazer aqui à consulta. - Respondeu o médico, solícito.
    - Sim, s’ doutô, ê vou marcá uma consulta pr’aiela na semana que vem.
    - Acho que é o melhor, dona Joaquina.

    Na semana seguinte, a dona Joaquina e a nora apresentam-se à consulta.

    - Então a senhora quer engravidar, não é?
    - É, sem, s’ doutô. Eu guestava munto de tê um menine. Mas se fô uma menina tambê nã ‘tá mal. É o que Nosse Senhô quisé -, retorquiu a nora.
    - Com certeza, eu vou observá-la, vou mandar fazer uma análises e depois volta cá quando elas estiverem prontas.

    Dali a uns oito dias lá voltaram as duas com os papéis das análises na mão. O médico abriu os envelopes, observou os resultados e aconselhou:

    - Muito bem. Os resultados estão normais, por isso agora vou receitar-lhe aqui uns medicamentos para ver se engravida daqui a algum tempo.
    - Sim, s’ doutô. E ê tenhe que tomá os remédies todes? – quis saber a rapariga.
    - Claro que sim, isto se quiser mesmo engravidar. E não se esqueça de que os deve tomar de acordo com o que eu aqui vou escrever. Está bem? – perguntou o médico a uma candidata a grávida já ansiosa. – E não percam o papel porque está aqui escrito quando é que deve tomar e a que horas – rematou o médico as indicações, para que aquilo não desse para o torto. - Ah, e tem que ir tentando regularmente ter relações, porque às vezes pode demorar uns tempos – concluiu.
    - Sim, senhô.

    E lá foram, nora e sogra, rua abaixo em direcção à farmácia, para aviarem a receita.
    Um mês depois deste diálogo lá apareceu a dona Joaquina em nova consulta, com um ar preocupado.

    - S’ doutô, aquela raparigue nã há manêra de tê um pechene – queixou-se a pobre mulher, que aparentemente desejava ser avó o mais depressa possível.
    - E então, diga-me lá, ela está bem de saúde?
    - De saúde? Eh, s’ doutô, ali nã há meléstia qu’entre. Ela é assem um bucade menente, mas é boa reperiga, chêa de saúde.
    - Ainda bem, ainda bem – relaxou o médico. – E ela tem tomado os remédios todos que eu receitei?
    - Os remédies? Ah, sim senhô. Tal e qual com’stava iscrite no papél. Nã faltou um únique dia.
    - E ela tem tentado?
    - Se tem tentade? Tem, sim senhô. Todes os dias. De manhã inté à noute.
    - Muito bem. E por enquanto, então, nada?
    - Nã senhô – confirmou a desconsolada mulher.
    - E as relações, têm corrido bem, se é que a senhora sabe? – perguntou o médico achando que ela sabia bem demais o que se passava lá em casa, com aquela cara que tinha de que não lhe escapava nada.
    - As relaçõs?
    - Sim, mulher, ela tem tido relações de forma continuada, regular? Tem tentado engravidar?
    - Ela tem tomáde os remédies todes, sim senhô.
    - Mas e relações? Ela tem tido regularmente relações com o seu filho?
    - O mê filhe? Eh, s’ doutô... Há um ane e meie que o mê filhe tá pás Bermúdas...
    - O quê?! O seu filho está emigrado nas Bermudas? Há um ano e meio?! Ó mulher, então como é que queria que ela ficasse grávida? – Perguntou o médico, incrédulo. – A senhora não sabe que é preciso um homem e uma mulher para fazerem um filho? Se calhar achava que podia ser por carta, não? Então a senhora não sabe disso?
    - Ah, s’ doutô, Ê já nã m’alembrava...

    Posted by: Rezendes / sábado, fevereiro 12, 2005
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    sexta-feira, fevereiro 11, 2005

    A bem da Nação


    ...Quanto mais ouço a gente que apregoa pelas ruas, mais saudades tenho dos pregões de outros tempos...

    A

    bem da Nação, que era frase de outros tempos, parece estar cada vez mais em voga nos dias que correm, mais ou menos revestida de outras roupagens, para não dar a ideia de que se trata de coisa do tempo da outra senhora, não é que se saiba lá muito bem qual é esta, nunca ouvi dizer por aí olhem bem, a senhora agora é esta, vejam com atenção, a outra era a outra, nada de confusões, não queremos passar por reaccionários, se bem que uma reacçãozita de vez em quando até que é saudável, caso contrário vamos todos no rame-rame sem fazer ondas, mas isto digo eu, que não me importo de passar por tudo e mais alguma coisa, tenho as costas largas, como se costuma dizer, se bem que nunca as medi e me pus a compará-las, não é lá muito prático uma pessoa pôr-se a observar as suas próprias costas, ainda se dá um jeito ao pescoço e depois é que são elas, fica-se de cabeça à banda, ou como alternativa enfiam-nos um daqueles suportes para o pescoço que uma pessoa nem consegue virar a cabeça, olha que bonito, e sobretudo que prático, depois como é que se aperta os atacadores, é coisa que não convém mesmo nada, se calhar no tempo da tal outra senhora já estavam mais habituados a tais tratos de polé, pelo menos é o que se ouve, que metade do país era especialista em dar tratos de polé à outra metade, eu nunca vi os tais tratos nem a tal de polé, mas uma vez uns desses especialistas foram buscar-me a casa para se abarbatarem com livros e discos e cartazes e folhetos proibidos, era o que eles diziam, se calhar era desculpa para me fazerem uma visita, hoje em dia os que fazem visitas são das Finanças, faça o favor de abrir a porta para verificarmos se não tem para aí sinais de riqueza não declarada, olhem-me só que descaramento, uma pessoa pelos vistos tem que continuar a viver pobrezinha e contente, ora francamente, onde é que já se viu isto?

    Tudo pela Nação, nada contra a Nação, apregoava-se nesses tempos vetustos, por alturas dos tais igrejos avós, a mim é que nunca me levaram à Vitória, que era uma miúda bem jeitosa que vivia no outro bairro vizinho ao meu, eram só promessas atrás de promessas, estou para ver se a Vitória ainda aceita visitas, isso já não sei, que acabei por a perder de vista depois de tanta conversa fiada. E dá para ficar com algumas dúvidas de que Nação se tratava então e a que Nação se referem agora, se calhar é o tal de Porto, que ao que sei tem embaixadas por toda a parte e acaba por ficar sempre na mó de cima por mais confusões que lhe arranjem.

    Quanto mais ouço a gente que apregoa pelas ruas, mais saudades tenho dos pregões de outros tempos, agora já só vendem economia, mais emprego, mas não sei onde ficam as lojas que se dispõem a vender tais produtos, já procurei, até realizei uma pesquisa nas páginas amarelas e tudo, eles também não dizem, deve ser segredo, de estado ou de estratégia, que acerca disto também não estou esclarecido, devem andar a escusar-se à obrigação legal de fazer saldos, ou já venderam tudo e estão à espera que a fábrica lhes envie nova remessa, em último caso entraram em falência, agora se foi fraudulenta ou não isso é coisa que ignoro.

    Posted by: Rezendes / sexta-feira, fevereiro 11, 2005
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    quinta-feira, fevereiro 10, 2005

    (Sem título)


    E

    le chorou. Ela chorava. Não se conheciam, nem sabiam das lágrimas de um e de outra, como se vivessem de costas voltadas, e afinal era o mundo que lhes voltava as costas a eles. Mário, chamemos-lhe assim, sabia que aquele trabalho lhe levava o fôlego segundo após segundo, numa ânsia que tudo engole sem sequer saborear, como um cão faminto a quem se oferece um bife do lombo, como a uma dor a quem deram um corpo para se distender. A ela, Sara, um nome judaico, de um sofrimento antigo, bíblico, que não conhecerá mais desgraças porque as já tem de sobra, os filhos que a chamam e a quem não tem vontade de acudir, um homem que nunca foi marido mas de quem foi amante até se esquecer de que para ela mais não era do que um estranho que lhe sabia ler o corpo mas não a alma. Nunca se encontraram, embora se tenham cruzado dia após dia no comboio que levava gente cheia de mais um dia de tristeza. Terão reparado um no outro, quem sabe, mas nunca se viram, sem saber sequer que teriam vivido um para o outro se uma vez, ao menos uma única vez, os olhos tivessem dito sou eu, és tu, somos nós que aqui estamos.

    Dizem que o destino tem destas coisas, que nos prega partidas como se vivesse num entrudo perpétuo, mas isso são histórias que se contam, para passar a pobreza das horas que deixamos por perdidas quando nunca afinal foram encontradas.

    Mário morreu há pouco tempo. Fartou-se. Do emprego, das contas por pagar, da pensão que o tribunal exigira para uma mulher a quem nunca se acostumara a amar, e que lhe telefonava todos os dias a queixar-se de que o novo marido lhe batia, que a filha já não ia à escola, que se drogava, que o dinheiro não chegava, que nunca o devia ter deixado. Mas era tarde, se calhar nunca chegara a ser cedo. No dia do funeral Sara chorou. Sem saber bem porquê, talvez pela sina do nome que levava consigo.

    Posted by: Rezendes / quinta-feira, fevereiro 10, 2005
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    quarta-feira, fevereiro 09, 2005

    Depois dos gatos e dos tipos vêm os estofos


    ...um machismo de vez em quando pode ser salutar, desde que tomado com moderação...

    J

    á aqui por diversas vezes escrevi sobre gatos, e gatas também, tento pelo menos evitar o sexismo, se bem que podem esperar sentados e sentadas se pretenderem ver-me aqui assumir posições feministas, isso é lá para elas, as fêmeas, claro, vamos ser claros sobre o assunto, pôr desde já os pontos nos is, eu bem sei que há quem não ponha pontos mas desenhe bolas, mas isso não é para agora, fica para outra ocasião, está prometido, pronto, já assumi o compromisso, posso continuar?, muito obrigado, pois estava eu aqui a escrever que feminismo é coisa que não vão encontrar aqui, talvez noutros blogues, estão à vontade para procurar, não sou eu quem vai impedir tais pesquisas, pois bem, um machismo de vez em quando pode ser salutar, desde que tomado com moderação, estas posologias não vêm na literatura, uma pessoa não abre uma página na Internet e dá logo com indicações e contra-indicações, efeitos secundários, pode ler isto de manhã e à noite, esta página está indicada para depois das refeições, nunca antes, muito menos em jejum então, pode causar náuseas, vómitos, diarreias, para mulheres em fase de aleitamento então nem pensar, era interessante que assim fosse, claro que era, ao menos uma pessoa sabia logo com o que poderia contar à partida, esta página foi-me recomendada pelo meu médico, pode fazer bem aos tiques nervosos, à hipertensão, mas pode ser perigosa em casos de doenças venéreas ou estados avançados de bexigas doidas.

    Sobre outros tipos também já me debrucei por diversas ocasiões, desde casos profissionais até situações de demência prolongada, passando por ilustrações diversas, casos de polícia e outros de política, são próximos, estes dois, diria até aparentados, a um falta uma letra e a outro trocar uma letrinha, uma apenas, até o acento agudo lá está, uma confusão que fosse e estava o caldo entornado, se calhar têm ambos em comum algo mais do que as letras, o facto de serem agudos os casos, quero dizer, os acentos, enfim, a tudo isto já me referi, menos aos estofos.

    Vou então falar de estofos, começando pelos das cadeiras e deixando para outra ocasião almofadas, maples, não há maneira de nos vermos livres deste estrangeirismo, maples, sofás, de dois, três lugares ou mais, ao menos o sofá vem do árabe, tal como o Algarve, e até o exportámos para Inglaterra, o sofá, não o Algarve, se bem que me parece que este último levou o mesmo caminho, que aquilo por lá é só bifes, e não são de vaca, não, pelo menos que eu tenha reparado, mas nunca se sabe, cadeiras será então, que fazem muita falta para uma pessoa se sentar, neste preciso momento estou a usar uma, podia ser um banco, um mocho, até, mas esses em geral são mais rijos e não têm costas e portanto uma pessoa pode cair deles abaixo se porventura lhe passar pela cabeça endireitar o corpo para trás, já me aconteceu uma vez e não teve graça nenhuma, dei um tombo que me ficou de emenda, o corpo todo dorido, só não parti a cabeça porque devo tê-la dura, mas também não é coisa que queira comprovar cientificamente, não me vou voluntariar para me baterem na cabeça até ver quando é que racha, era o que mais faltava, os cientistas que vão procurar cobaias para outra freguesia.

    As cadeiras têm em geral quatro pés, que nunca vi andar para lado nenhum e que não utilizam nem meias nem sapatos, muito menos botas, apesar de poder fazer frio e chover na rua, mas há com rodinhas, como esta onde me encontro, porém não têm motor nem alavanca de velocidades, se bem que também há motorizadas, felizmente ainda não necessitei de nenhuma desta espécie, mas não estou livre disso, ninguém está, bati na madeira para dar sorte e esconjurar o azar, é uma coisa que se costuma fazer, ou então tocar em qualquer coisa branca, encarnada e preta, por esta ordem, são superstições, como não passar por debaixo de escadas, não estar sentado a uma mesa com mais doze pessoas, num total de treze para quem não saiba fazer contas e, neste caso, se tal não puder ser evitado, nunca ser nem o mais novo nem o mais velho, o azar vira-se é para estes, é precisamente nestas alturas que aparece, costuma passar os olhos pela assistência e dizer, olha aquele é o mais novinho, olha aquela é a mais velha, um dos dois está tramado, quem lhes manda sentarem-se aqui e terem a idade que têm, mas sentado é que é o caso de que estava a falar, em cadeiras, uma pessoa não se senta à mesa em sofás ou maples, há quem faça, mas isso são costumes exóticos, e cá para mim pouco confortáveis, os romanos até levavam o conforto ao extremo e deitavam-se para comer, se fosse eu acho que ficava cheio de cãimbras e a comida havia de embrulhar-se-me toda no estômago, mas como não sou não tenho que me preocupar com isso.

    Ia nas cadeiras, pois claro, que além dos pés têm costas, para uma pessoa se encostar e não cair dali abaixo, são em geral amovíveis, o que quer dizer que se podem levar de um lado para o outro, não que andem sozinhas para um lado e para o outro, só nos faltava andarmos atrás das cadeiras, vem cá que me quero sentar, não vou que és muito pesado, e essa faculdade de poderem ser transportadas é, convenhamos, muito prática, devia ser um crânio quem inventou as cadeiras, os materiais de que são feitas são os mais diversos, mas o mais comum é a madeira, que as árvores quando nascem já estão fadadas, tu vais para mesa, tu vais para cómoda, tu vais para cadeira, coitadas, nascer com o destino traçado se calhar acontece a todos, mas ao menos a gente não sabe, pode desconfiar mas não tem a certeza, eu sei que há quem diga que sabe mas desconfio que isso é aldrabice para enganar os mais néscios, que é uma palavra engraçada, esta, néscio, quase tão estranha como bidé, eis outro tipo de assento, não tão estofado como as cadeiras mas que faz muita falta, embora agora seja proibido pela legislação internacional nos hotéis, o objecto, não a palavra, sempre podiam inventar legislação sobre coisas mais importantes, agora sobre bidés, que ainda por cima fazem falta, pelo menos a mim, dizem que é por causa da higiene, nesse caso deviam proibir as sanitas que ainda são menos higiénicas, mas o que seria uma casa de banho sem sanita?

    Já tergiversei mais uma vez, deixei as cadeiras para trás, que ia a dizer que podem ser estofadas ou não, é conforme, pode-se colocar-lhes almofadas em cima para amenizar as horas em que temos que estar poisados em cima delas, dessas no meu trabalho não há, que é tudo de suma-pau, deve ser para não criar maus vícios, mais vale criar calos no rabo do que estimular a preguiça, ah, é verdade, e há quem tenha o mau hábito de arrastar as cadeiras, não se sabe bem porquê, porque elas podem ser levantadas e colocadas noutro lugar quando é preciso, e também há a dança das cadeiras, mas isso é coisa das políticas e nisso não me meto, que este texto já vai longo demais.

    Posted by: Rezendes / quarta-feira, fevereiro 09, 2005
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    terça-feira, fevereiro 08, 2005

    Finisterra





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    O fim do mundo é aqui, ou pelo menos era
    em tempos que já lá vão, a terra que acaba
    num céu que aqui pintei do sangue dos que não sabem
    que a vida também lhes foge por entre palavras
    nunca ditas, nem o serão jamais,
    porque há silêncios mais tranquilos do que simples murmúrios.
    Aqui temiam os antigos que a terra não fosse
    mais do que um pouco das horas que conheciam
    e punham-se dali a olhar Deus, na esperança
    de que, vendo-os, lhes perdoasse.
    O fim do mundo é aqui, e afinal não era,
    mas quem sabe se na verdade os mundos que ficam para lá
    não são mais do que um sonho que vemos nos filmes
    e que nunca se repetem na vida?

    Posted by: Rezendes / terça-feira, fevereiro 08, 2005
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    segunda-feira, fevereiro 07, 2005

    Eleições, já!


    ...não havia outro remédio senão ir para eleições, coisa que muitos reclamavam há algum tempo...

    N

    a Sociedade Filantrópica Abelardo Onofre rebentou a bomba. O presidente bateu com a porta e agora não havia outro remédio senão ir para eleições, coisa que muitos reclamavam há algum tempo com a palavra de ordem eleições já, eleições já, com o presidente de candeias às avessas com o doutor Carraça, um veterinário de profissão recém-convertido às contabilidades e tesoureiro da instituição, que, nas palavras do líder, andava de conluio com o senhor Rogério, o secretário, afirmando igualmente que aquilo não era a da Joana, que ainda não tinham chegado à Madeira, e outras preciosidades do mesmo calibre, e os pobres vogais de Herodes para Pilatos entre um e os outros dois, a tentarem deitar água na fervura mas qual quê, o caldo há muito que andava entornado e já não havia remédio que valesse a tais disenterias.

    Os sócios reclamavam, andavam a pagar quotas desde que a fundação do mesmo nome passara a sociedade devido à ausência de fundos por má administração dos investimentos e respectivos dividendos e, para continuar a exercer as suas beneméritas actividades sociais, não tinha havido outro remédio, com a contribuição de todos o barco lá se foi aguentando à tona, umas vezes guinando mais para bombordo outras para estibordo mas mantendo sempre a proa apontada ao alvo, que eram cerca de três centenas de famílias necessitadas a quem prestavam auxílio a diversos níveis, se bem que entre os beneficiários também se podia contar com a dona Rosinha, a funcionária da tesouraria, a menina Ausenda e a menina Lurdes, prestadoras de serviços de secretariado, e o senhor Fragoso, uma espécie de vai-a-todas lá no sítio, desde os cuidados de electricista à jardinagem e à portaria, para já não falar da dona Neves do bar e da dona Celeste da limpeza, sem esquecer o senhor Celestino, o motorista - e mecânico - dos dois únicos veículos da instituição, a saber, o Audi do presidente e a carrinha Ford Transit do transporte dos apoios familiares, que iam desde algumas refeições até livros escolares e recolha e distribuição das crianças pelas escolas que frequentavam e respectiva devolução ao fim do dia, o que, diga-se de passagem, era foco de frequentes reclamações por parte do senhor presidente devido ao ocasional impedimento do motorista, ocupado nas tarefas filantrópicas da instituição e não na condução da sua augusta figura.

    Aparentemente havia ali acusações de desvio de fundos, de apropriação indevida de verbas não declaradas, e histórias de «off-shores», o que devia ser a razão de o presidente se referir ao facto de ainda não terem chegado à Madeira, se calhar o que tinha em mente era ir lá espreitar se havia dinheiros da instituição por lá espalhados nas tais «off-shores», quem sabe, certo, certo, é que já lá tinha ido em serviço aí umas quatro ou cinco vezes, com tudo pago, obviamente, e na companhia da menina Ausenda, de quem se dizia ser fresca que nem uma alface, devia ser pelas suas origens lisboetas, isso da alface, que é o que se diz das gentes oriundas da capital, embora não fosse lá grande apreciadora de saladas.

    - Isto não pode continuar assim, neste regabofe sem eira nem beira -, afirmava o doutor Sequeira, um dos vogais da direcção.

    - Tem toda a razão, isto já passa das medidas – concordava o senhor Pereira, colega das mesmas andanças.

    - A gente já não sabe a quantas anda. Um dia é contas dos restaurantes mais caros da cidade, no outro são bilhetes na ópera, assinaturas inteiras de temporada – comprovava, solícito, o senhor Romeu, construtor civil de profissão, conquanto se ignorasse se alguma vez tinha construído fosse o que fosse a não ser uma carreira na instituição que vinha dos tempos em que era aprendiz de carpinteiro e andara a montar os estores que agora já caíam de podres. – Isto para já nem falar nos alugueres de vivendas no Algarve para a família inteira. Deviam era ter vergonha na cara – rematou.

    É preciso que se diga que havia ali invejas, umas mais às claras outras nem por isso, e eram de longa data as óbvias intenções do senhor Romeu em subir ao lugar mais alto da hierarquia da instituição, uma espécie de bofetada de luva branca no doutor Carraça, que isto de bofetadas devem ser sempre dadas com luva branca e nunca com luva preta, é o que mandam as regras, andavam de candeias às avessas desde que o dito veterinário dera um xarope ao caniche da mulher que o mandara desta para a melhor, não sem que primeiro desatasse a empestar a casa inteira de porcaria até se desfazer na dita, provocando um tal desgosto que ainda hoje a mulher mencionava dia sim, dia sim, e que nunca fora capaz de perdoar-lhe.

    - Eleições, já -, reclamavam os sócios pagantes reunidos em Assembleia Geral, sob a batuta do doutor Rodrigues, advogado das causas justas que se vira metido numa camisa de sete varas sem ser capaz de dar com os respectivos botões, com quem aliás falava amiúde única e exclusivamente para se arrepender da hora em que aceitara tal incumbência.

    - Cambada de ingratos e de aldrabões. No que eu me fui meter... Tudo p’rá rua, e já! – Barafustava o causídico em família a todas as refeições, ao ponto de mulher e filhos já conhecerem a cantilena de cor e salteado e se porem logo a recitá-la no momento em que se sentavam à mesa, para desgosto do marido e pai, que assim se via desapossado dos seus direitos de autor e do prazer que lhe dava pronunciar tais sentenças, já que nas outras estava sempre sujeito ao arbítrio dos juízes que lhe calhavam em sorte.

    Não havia outro remédio. Tinham que ir para eleições. Quando se constituíram listas, surgiram logo três: uma encabeçada pelo inevitável senhor Romeu, outra pelo doutor Carraça, e uma terceira, inusitada, chefiada por um tal Aparício, que toda a gente conhecia por estar constantemente a dizer mal de tudo e de todos, o que dava a ideia que a campanha ia ser renhida, recheada de insultos e incidentes, de alusões nem sempre bem intencionadas, para resumir, uma nojeira. Tomaram-se partidos, houve algumas cabeças perdidas e outras partidas, a menina Ausenda foi apanhada a desoras na secretaria com o senhor Celestino, facto que durante dois ou três dias abafou por completo os habituais toma-lá-dá-cá entre os concorrentes, às tantas descobriu-se que havia um gasto excessivo de produtos de limpeza e a investigação acusou a dona Celeste, que disse que não senhor, que não sabia de nada, que as compras dos produtos era o senhor Rogério quem as fazia, o que levou a aprofundar o inquérito e o fio da meada acabou por conduzir a uma rede de supermercados de bairro com os tais produtos à venda ainda com o carimbo da sociedade, os quais estavam no nome do genro do secretário, foi um escândalo dos grandes, caiu o Carmo e a Trindade, meteu ameaças de judiciária e tudo, e só não foi para a frente a denúncia por causa dos jornais, do bom nome da sociedade que ia por água abaixo se uma coisa daquelas caísse no domínio público.

    Uma rádio local resolveu convidar todos os cabeças de lista para um programa e foi um vê-se-te-avias para reunir documentos, as equipas das listas trabalharam até de madrugada, ninguém queria passar por ignorante e todos pretendiam descobrir os podres dos adversários, de maneira que à hora aprazada não havia sócio que não estivesse de ouvido colado à telefonia. Qual não foi o espanto quando se aperceberam de que o tal programa era sobre religião, de uma tal Igreja da Contravenção, houve um dito sacerdote que se pôs para lá a fazer publicidade a dízimos e a benefícios espirituais, lá ao fundo só se ouvia resmungar os candidatos, especialmente o Aparício, que era contra as igrejas todas, contra os dízimos e os benefícios espirituais, contra as rádios e contra os outros concorrentes, só se salvava a dona Rosinha, porque sabia tirar cafés, e pouco mais, se bem que não deixou de ser perceptível uma breve piscar de olho sob a forma de subreptício elogio à menina Ausenda. Foi uma decepção a toda a linha. No entanto, no dia seguinte a conversa entre os sócios incidia exclusivamente em quem tinha ganho o debate.

    - Mas qual debate, aquilo foi alguma vez um debate? – Questionava a dona Conceição da papelaria a quatro ou cinco clientes que por acaso também eram sócios como ela. – Ninguém ali discutiu ideias, ninguém apresentou propostas, só falaram de religião e de tricas e acabaram a dizer mal um dos outros.

    - Aquele Aparício é um ordinário. – Sentenciava a dona Maria José, abespinhada por ter dado pelas alusões à menina Ausenda. – O que ele quer sei eu! A armar-se em descarado com aquela flausina sem vergonha...

    - Não concordo mesmo nada. – Contestou a senhora dona Luísa, comadre do senhor Romeu. – Eu acho que o senhor Romeu esteve até muito bem.

    - É, nós sabemos onde é que queres chegar. – Retorquiu-lhe meio de lado a dona Conceição. – Mas daqui não levas nada. – Continuou num aparte.

    Conversas do mesmo teor iam enriquecendo o quotidiano dos mais de mil e trezentos sócios da confraria, pondo de parte todas as costumeiras quadrilhices com que ia preenchendo as respectivas vidas sociais.

    No dia de eleições então foi a confusão total. Não havia mesas de voto constituídas, o senhor Rodrigues, a quem cabia formar a comissão eleitoral, fora de férias para o Brasil e ainda não regressara, a menina Lurdes não sabia das listas de sócios nem quem tinha as quotas em dia, estando por isso habilitado a votar, os sócios amontoavam-se pelas salas, pelo pátio de entrada e pelos passeios à volta, houve reboliço total, pancadaria da antiga, chamou-se a polícia e acabou tudo nos calabouços. A Judiciária e o Ministério Público tomaram o assunto em mãos, escarafuncharam daqui e dali, foram feitas buscas domiciliárias a casa dos elementos da ex-direcção, em casa dos empregados, a menina Lurdes tomou-se de amores pelo agente Pragal, a fase de inquérito demorou ano e meio, as famílias beneficiárias tornaram-se ex-beneficiárias e viraram-se para a Igreja da Contravenção, recebem dos dízimos dos crentes e pagam daí os respectivos dez por cento, pespegaram com a vida do ex-presidente nos jornais, as viagens à Madeira, as férias no Algarve e nas Caraíbas, as idas ao casino no Audi da sociedade, ficou a saber-se que a clínica veterinária do doutor Carraça afinal só servia para praticar a eutanásia em cães e outra bicharada, de que até a câmara municipal era cliente para os animais abandonados, a construtora do senhor Romeu não passava de uma frente para uma organização de contrabando de trabalhadores estrangeiros, a dona Celeste afinal chamava-se Liuba e era moldava e não tinha papéis de permanência no país, a dona Rosinha roubava o café do bar e vendia-o a um quiosque que era de uma cunhada, a menina Ausenda era um travesti, o senhor Celestino andava fugido da cadeia há uma data de anos, o Aparício era de origem paquistanesa e andava metido numa célula adormecida de um grupo terrorista, a dona Neves era uma agente infiltrada do SIS, e o senhor Fragoso tinha desaparecido da circulação, bem como dois milhões de euros de uma conta na Caixa. Mas a menina Lurdes é que acabou mesmo por casar com o agente Pragal.

    Posted by: Rezendes / segunda-feira, fevereiro 07, 2005
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    domingo, fevereiro 06, 2005

    Conversa de maricas


    U

    m ex-colega meu tem uma obsessão com os maricas, nem se lhe pode falar nisso que fica logo possesso, começa a bufar por todos os lados, francamente também é exagero, não sei o que lhe terá acontecido na vida para se pôr naquele estado, dá-lhe assim de repente, uma pessoa faz a mínima alusão a homossexuais e pimba, começa ali logo a diatribe, esses gajos isto e aquilo, dá-lhe que dá-lhe, vêm umas atrás das outras, desata a ferver e não é em lume branco, é mesmo a deitar por fora, acho que não é caso para isso mas o que é que se há-de fazer, ele é assim mesmo.

    Às vezes uma pessoa puxa-lhe pela língua de propósito, a ver o que acontece, como se não se soubesse já, viste aquele programa de televisão isto e aquilo, com aqueles tipos assim e assado, zás, é automático, parece que lhe carregaram num botão de efeito imediato, surgem de imediato os nomes mais vernáculos do vocabulário, daqueles a que já na Idade Média as crónicas faziam eco, pelo menos o Mattoso meteu-as nas Narrativas dos Livros de Linhagens, e acho que não as inventou de propósito para isso, já lá estavam, pode fazer-se a colação com os originais, já me dei a esse trabalho nem sei bem para quê, é o bichinho curioso que tenho a dar voltas aqui dentro e que uma vez por outra me dá mais do que fazer do que aquilo que já tenho, é o que faz ter para aqui uma livralhada pegada que já não tenho onde a meter, que quando cá vêm a casa fazer obras dizem logo, eh, tantos livros, mas o senhor quer estes livros todos para quê, como se não fossem para ler, os livros, mas para fazer figura nas estantes da sala, eu que na sala até nem tenho livros, só os jornais, as revistas, os cêdês, os vídeos e os dêvêdês espalhados por tudo quanto é sítio e já chega, mas na verdade já me começa a faltar mesmo o espaço, qualquer dia faço como o outro, limpeza geral, vai tudo porta fora, torno-me minimalista, isto é da boca para fora que não tenho coragem para tanto.

    Mas o meu ex-colega reformou-se, foi viver para os algarves, os tais do reino de Portugal e dali também, como se intitulavam os nossos antigos monarcas, e vai daí viu-se com um casal de vizinhos homossexuais que passam a vida a pedir-lhe coisas emprestadas, ele é a máquina de cortar relva, ele é a tesoura de podar, a mangueira para regar não sei o quê, anda doido, coitado, no outro dia bateram-lhe à porta às tantas da noite para lhe pedir açúcar emprestado, depois não se calavam e não havia maneira de lhe desampararem a porta, ele corado até à raiz dos cabelos, que fica assim para o avermelhado quando lhe dão acessos de qualquer coisa, isto apesar da pele queimada, nota-se à légua, só os vizinhos é que não dão por nada, zumba, zumba, e mais isto e mais aquilo, acabou por saltar-lhe mesmo a tampa, meteu-os no olho da rua, que é como quem diz, que eu cá nunca vi esse olho nem mais gordo nem mais magro, nem está cientificamente comprovado que as ruas tenham olhos, nem sequer um para amostra, quero desde já que fique claro que não pertenço a nenhuma associação de cépticos, nem de ateístas, nem agremiação de espécie alguma, portanto façam o favor de não estabelecerem ligações desse género nem de tirar quaisquer ilações destas afirmações, desde já ficam aqui os meus agradecimentos, obrigado, e também não sou como o São Tomé, que tenho que ver para crer, mas lá que os cientistas ainda não se pronunciaram a propósito desse tal olho, isso não, mas posso estar distraído, verdade seja dita que não compro lá muitas revistas científicas, mas se tal coisa tivesse sido descoberta certamente que haveria ecos na imprensa, e eu ainda não li nenhuma notícia que diga cientistas do sítio tal descobriram o olho da rua, não li, tenho a certeza, pode ter-me escapado, é verdade, que às vezes só leio as gordas já que o tempo não me chega para ler tudo, ainda tenho que escrever coisas destas, ir às compras, trabalhar, dar uma mãozinha na cozinha, muito embora não seja muito bem vindo por aquelas bandas, já uma vez falei sobre isto.

    Os vizinhos ficaram abespinhados, nunca mais lhe devolveram as ferramentas, metem música a altos berros até às tantas, ele que gosta de se deitar cedo e levantar ainda mais cedo, é dos madrugadores, ao contrário da minha pessoa, fazem-lhe a vida negra, apesar de ele ser branquinho, mas moreno, e ainda anda mais furioso, basta uma pequena, muito leve, alusão a homo, e deita chispas por todos os lados, uma vez por outra metemo-nos com ele por causa do detergente para ver o que acontece, nem vos digo nem vos conto, acho que se houvesse células terroristas que precisassem de uma bomba ele seria um sério candidato, que a explosão é pior do que eu sei lá o quê, se houvesse necessidade de outro big-bang era só pô-lo lá no sítio que ele encarregava-se do resto.

    Posted by: Rezendes / domingo, fevereiro 06, 2005
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    Observação psicológica em tom carnavalesco


    Fica aqui uma avertência para as pessoas sensíveis.

    o





    No Carnaval, ninguém leva a mal, reza a frase popular, enfim, com todas as cautelas, dedicámos este breve esforço criativo à fase carnavalesca em que nos encontramos, embora deixemos aqui desde já o aviso para todas as pessoas sensíveis, que deverão evitar ler este post e, se o fizerem, não façam desde logo juízos de valor acerca do seu autor, que neste blogue tem o seu nome exposto, sim, Rezendes é mesmo apelido, não é invenção nenhuma, nem nome suposto, nem heterónimo, nem coisa no género, fica desde já esclarecido, se continuar a ler, é por sua conta e risco, está feita a advertência.

    O homem distraído – O que se peida à esquerda e vai para a direita.
    O homem narcisista – O que adora o cheiro dos seus próprios peidos.
    O homem tímido – O que, tendo um peido para dar, o retrai.
    O homem cuidadoso – O que tosse ruidosamente para abafar o som dos seus próprios peidos.
    O homem prevenido – O que veste fraldas logo pela manhã, não vá o diabo tecê-las por altura do peido.
    O homem pontual – O que se peida unicamente às sete da manhã, às quatro da tarde e às dez da noite.
    O homem generoso – O que não regateia os seus peidos.
    O homem despachado – O que dá os peidos todos logo pela manhã.
    O homem excêntrico – O que, ao peidar-se, dança, dá saltos e canta.
    O homem solidário – O que se peida quando ouve alguém peidar-se.
    O homem reaccionário – O que é contra todos os tipos de peidos.
    O homem comunista – O que só se peida em comunidade.
    O homem bufo – O que se peida para denunciar o parceiro do lado.
    O homem espião – O que se peida apenas em segredo.
    O homem científico – O que se peida para observar a reacção alheia.
    O homem optimista – O que acha que o próximo peido não vai cheirar absolutamente nada.
    O homem pessimista – O que acha que o próximo vai ser o peido mestre.
    O homem gago – O que se peida intermitentemente.
    O homem exigente – O que só se peida perante uma grande audiência.
    O homem avarento – O que não se peida nem que lhe paguem.
    O homem negociante – O que exige que lhe paguem para peidar-se.
    O homem contabilista – O que anota cuidadosamente todos os seus peitos.
    O homem galanteador – O que assume como seus os peidos femininos.
    O homem músico – O que se peida em todos os tons.

    Posted by: Rezendes / domingo, fevereiro 06, 2005
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    sexta-feira, fevereiro 04, 2005

    O Brado das Pitas


    O

    Brado das Pitas é mecânico e aos fins de semana lá vai para as discotecas armado em cavalo de corrida com uns carros que leva emprestados da garagem, mete conversa com as gajas e vai-não-vai até consegue levar uma na conversa, olha ali um dos meus carritos, elas a abrir a boca de espanto, então tem mais?, olá se tenho, eu é que não sou de contar histórias, replica, dando-se ares de modéstia, uma pessoa também não deve exagerar para não passar por novo-rico, pato bravo ou seja lá o que for, que nunca vi patos bravos de automóvel, não querem lá ver, que raio de coisa, como é que chegavam aos pedais, se calhar de buzina nem precisavam, punham-se logo a grasnar para a mulher que vai à frente e que não há maneira de avançar no sinal, sempre escusavam de gastar a bateria, mas agora aos pedais é que não sei como é que chegavam.

    O Brado das Pitas aos fins de semana lá dá um arranjo ao cabelo, frequenta ali a cabeleireira da Dona Joana, bem, cabeleireira unisexo, que ele é muito macho e não quer que o julguem por maricas, faz umas horas no solário de vez em quando para estar sempre morenito, ouvi dizer até que faz depilação, bom, os pêlos lá têm os seus inconvenientes, é verdade, quando uma pessoa tropeça neles até se engasga e vê as estrelas, é que há pêlos e pêlos, não há maneira de nos vermos livres deles, que treta esta coisa da evolução, se realmente houvesse evolução já não precisávamos deles para nada, que nem aquecem nem arrefecem, só estão lá para estorvar, como os da barba que um homem tem que rapar todos os dias, se bem que há quem os deixe crescer, eu cá é que não quero andar para aí com cara de escova de sapatos, por isso todos os dias uma pessoa lá tem que se pôr a raspar a cara até ficar com ela a arder, além do mais as lâminas estão pela hora da morte, estão, pois, não há orçamento que aguente tanto raspanço, todos os dias raspa de um lado e raspa do outro, na tropa até se punham com um papel para ver se arranhava e se arranhasse nem se ia de fim de semana a casa, tudo por causa dos pêlos, olhem que descaramento, então um homem não é para ter pêlos, se não fosse não era homem era uma bola de bilhar.

    Pois aos fins de semana lá vai o Brado das Pitas à discoteca, corre bares aqui e acolá, a ver se alguma morde, que elas mordem, ai não que não mordem, há quem fique com as marcas como recordação, até há quem as coleccione e depois vai para os telejornais e outros programas televisionados mostrar como é que são as tais marcas, lembro-me de um do Algarve que ia, era por causa das estrangeiras, que pelos vistos não se dava lá muito bem com as portuguesas, as marcas das estrangeiras são mais apetecíveis, Versace, Armani, Fusco, Missoni, Anna Molinari, e mais uns quantos e quantas, vá-se lá saber porquê, se calhar são manias, e manias não se discutem, embora se tratem, há uns senhores que fazem vida disso, e ainda escrevem nos jornais e também aparecem na televisão, eis outra mania, a da televisão, ia eu dizendo que o Brado das Pitas queria era ser actor, só que era feio como uma bota da tropa, também não sei porque é que as botas da tropa hão-de ser feias e as outras todas, por exclusão de partes, bonitas, eu que as usei, que as tive que usar, que me mandavam e o pessoal que mandava não era para brincadeiras, está-se mesmo a ver uma pessoa chegar lá e dizer, não gosto dessas botas, são muito feias, o que eu gostava era de usar umas botinhas à maneira, se calhar mais levezinhas e confortáveis, se uma pessoa se saísse com uma destas levava era com as botas na cara, ai não que não levava, e ainda era pouco, o Brado das Pitas era feio, portanto, por isso não era nada provável que fosse aparecer na televisão, lá está a têvê outra vez, é mania mesmo, o que é que se há-de fazer, pois não recebe cartas de fãs entusiasmadas com a carinha que Deus lhe deu, e se recebesse era um sarilho porque não é lá muito dado a estas coisas da conversa por escrito, é mais trinta e um de boca, elas a convidarem-no para sair, para um copo, para a discoteca, e ele diz que só pelo telemóvel, por carta não, que se pode comprometer por escrito, é a desculpa dele, não é a minha, que eu cá é que não falo por ele, não falo por ninguém a não ser por mim e chega.

    Posted by: Rezendes / sexta-feira, fevereiro 04, 2005
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    quinta-feira, fevereiro 03, 2005

    Os arquivos dos blogues


    ...para ler patacoadas das políticas já me basta o que vai por aí no dia a dia...

    O

    que é que uma pessoa faz com os arquivos dos blogues? Deixa-os ficar para ali naquelas pastinhas a envelhecer durante meses e anos como uma garrafa de bom vinho, do Porto ou de outro qualquer que mereça ser guardado, pastas em que ninguém irá vasculhar e textos que ninguém vai ler, só se fosse masoquista, eu hei-de um dia falar sobre isto de masoquistas, ai não que não hei-de, que dá pano para mangas, para o resto é que já não sei se o pano chega, mas as costureiras hão-de saber, que elas é que percebem do assunto e não eu, pobre utilizador das ditas, ou então recolhe-os em fichas de 15 por 10 e meio, centímetros, claro, ainda não chegámos às polegadas, isso são lá inglesices com que a gente não se entende, eis mais um tema para escrever, as chinesices dos ingleses, fica registado, adiante, mete-se tudo em fichas e depois em caixas de sapatos ou enfia-se-lhe a CDU das bibliotecas e arquivos nacionais, era bom que me explicassem, que com isto de escrever, embora não ande cá há tanto tempo como isso, qualquer dia já perdi o fio à meada e nem sei a quantas ando, acho que estamos em Fevereiro já, o dia da semana é que é mais complicado que fiquei atarantado só de pensar nos textos que devem andar para aí arquivados, para já não falar de fotografias, imagens, etecétera, etecétara, ouvi dizer que a biblioteca nacional anda a fazer «backups» de páginas da Internet, bom proveito lhes faça, mas acho que para já é só de jornais e instituições, cá para mim devem andar com uma dor de cabeça sem saber bem o que hão-de fazer àquilo tudo, olha se se puserem a gravar tudo o que é blogue e página da Internet, só se fossem maluquinhos de todo, provavelmente até são e não será novidade nenhuma, são apenas alguns a juntar a muitos mais.

    Eu sei que há quem meta aquilo tudo em livro, já vi para aí um ou dois, há um senhor das esquerdas, ou dos blocos, que eu blocos conheço os de cimento, os de escrever e pouco mais, portanto devem ser desses, de cimento ou de escrever, acho que se são do bloco deviam eram pegar nele e construir casas, com os de escrever não dá tanto jeito, que vem uma chuvada e leva aquilo tudo, embora nos dias que correm não se veja nem sombra de chuvada, anda para aí meio mundo e queixar-se e outro meio mundo de papo para o ar nas esplanadas a apanhar sol, daí se vê que o sol quando brilha não é para todos, pelo menos há metade que se queixa, os das esplanadas é que não devem reclamar, não me parece, que a clientela é mais do que o habitual nestes invernos, esses tais senhores lançaram então um livro, eu cá é que não o compro, para ler patacoadas das políticas já me basta o que vai por aí no dia a dia, agora que a coisa até parece que tem audiência pois dá-me ideia que sim, senão não faziam um livro, esse é que cá em casa não entra que já me falta espaço para a livralhada que para aí anda, até pelo chão, já tropeço neles, nos livros, não é nos tais senhores, que esses nem os queria cá, já chega o que uma pessoa tem que gramar com eles nas televisões e nos jornais, que eu desses blogues nem vou lá espreitar, falta-me a pachorra, deviam era ir à tal biblioteca nacional e entregar tudo, está aqui o blogue tal e tal, faxavor de o arquivar, mas para que é que queremos isso, perguntariam logo os de lá, já cá temos muitos, mais um menos um não fará tanta falta como isso, olha que desconsideração, diriam os tais senhores, uma pessoa vem cá na melhor da sua boa vontade para vos deixar os nossos textos geniais e não os querem, francamente, então vamos ali metê-los em livro e depois já não dizem que não, em livro é outra conversa, será a resposta, os livros temos que os ter todos, não têm não senhor, digo eu, que se quiser faço um livro, não o ponho à venda e não o dou a ninguém a não ser a uma pessoa especial, já fiz isso uma vez, ia agora dá-lo aqui ao armazém para o enfiarem para aí como se fosse um saco de batatas, nem pensar.

    Posted by: Rezendes / quinta-feira, fevereiro 03, 2005
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    quarta-feira, fevereiro 02, 2005

    Um paço em Padrón








    Da estrada, pouco se vê: um muro alto
    e escuro e uma passagem
    onde antes estaria um portão,
    de madeira escura decerto,
    antigamente não se faziam de outra maneira,
    de que só ficaram os ossos das dobradiças
    chumbados na pedra. No silêncio
    do jardim por detrás do granito, a sombra
    das árvores abrigou nomes antigos
    que hoje não sabemos quem são.
    A casa é alta, duas fileiras de janelas
    e um brasão de bispo no topo,
    uma dignidade agora ali escusada,
    desprezada certamente.
    A porta está fechada, as janelas com tábuas
    pregadas do lado de dentro, adivinha-se
    os quartos vazios, séculos
    de ladrões terão levado dali tudo
    para depois venderem a gente de poucos
              / escrúpulos.
    A casa está ali mas está morta,
    ressequida, os restos do corpo
    de um dignitário egípcio.


    Posted by: Rezendes / quarta-feira, fevereiro 02, 2005
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    A pedido de muitos gatos, solteiros, casados ou assim-assim


    P

    ediram-me os gatos que deambulam por este blogue, está-se mesmo a ver que não têm nada que fazer na vida, devem viver dos rendimentos, dos quais desconheço por completo a proveniência, provavelmente deverão ser investimentos na bolsa, sei lá, porque para ser sincero não me parece que andam por aí a dar à pata em algum tipo de trabalho que não envolva muitas horas de sono, pediram-me então que escrevesse qualquer coisa a eles dedicada, o que, depois de muitas voltas à cabeça, começo aqui a escrever, resolvendo então dedicar este texto às gatas, estava-se mesmo a ver, não era?, ora se era.

    O problema que se me colocou foi que gatas?, afinal os bichos por vezes têm gostos um tanto ou quanto estranhos, não é fácil agradar-lhes, mesmo nada fácil, uma pessoa pensa que é só dar-lhes peixe às refeições, uma cama fofa, uma casa de banho com limpeza diária, banho que é como quem diz, que eles não vão lá para o tomar, está visto que não, uns sofás a jeito para arranharem e mais nada, mas isso não lhes chega, aquilo fia mais fino, ora se fia, um bicho que use bigodes mete respeito, ai não que não mete, olha de cima para a gente, como quem diz vê lá o que é que estás a fazer, não me metas em sarilhos, que eu cá não tenho paciência para te aparar os golpes, e respeitinho, que o respeitinho é muito bonito, estes bigodes que aqui vês são para te manter à distância, e nada de confianças excessivas que nunca fui bicho para dar confiança fosse a quem fosse.

    Pois. E agora, José?, como dizia o outro, o tal de Cardoso, como é que me vou sair desta? Muito bem, meti mãos à obra e lembrei-me de duas gatinhas, muito jeitosinhas, que por acaso vi numas fitas daquelas americanas com muita pancada, muitos fatos de cabedal preto, pirotecnia de alto gabarito, não desfazendo aquela que se vai praticando por essas terras de Portugal fora, só que estas de vez em quando, pum, vão todas pelo ar, deve ser das novas tecnologias, que os portugueses ainda não se adaptaram lá muito bem a essa coisas das tecnologias, se calhar estas também não ligam lá muito bem com foguetes, ou então ligam e eu é que não sei, também não se pode saber tudo, as tais gatas eram uma tal de Michelle e uma tal de Hale, esta última uma cerejinha muito apetitosa, não desfazendo a outra, que, além de loira, e de um nome assanhado, tem assim uns modos de olhar para a gente que nos deixa pregados ao chão, ou à cadeira, ou ao sofá, seja lá ao que for, que eu não vou pôr em causa o lugar onde as pessoas se sentam, cada um e cada uma é dono ou dona do respectivo traseiro e onde o coloca não é nada comigo, já me chega ter de olhar pelo meu, quanto mais pelo dos outros, pois essas tais gatinhas são daquelas de encher o olho a qualquer gato que se preze, isto pensei eu, vai daí fui em frente, pespego-lhes aqui com as gatas e agora que se queixem.

    Posted by: Rezendes / quarta-feira, fevereiro 02, 2005
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    terça-feira, fevereiro 01, 2005

    Os extraterrestres e as mulheres

    ...olha, querida, vou para o trabalho ah, vais outra vez meter-te com as fêmeas terrestres...

    E

    u cá, se fosse mulher, andava sempre com medo dos extraterrestres. É que eles, pelos vistos, têm por hábito raptar mulheres às dezenas, para já não dizer centenas, milhares, milhões, sabe-se lá onde é que não vai parar a sua contabilidade, se calhar têm falta de fêmeas, lá na terra deles, e toca de ir às Sabinas, que isto de fertilidades pelos vistos anda bem por baixo, qualquer dia já nem há ninguém para descontar para a segurança social, anda tudo aos subsídios, tudo aos papéis, como se diz por aí, papéis que neste caso são notas de banco, ora essa, que outra coisa não haveria de ser?

    E os extraterrestres pelos vistos até são esquisitos, atiram-se sobretudo às loiras, não sei porquê, deve ser alguma tara lá do sítio deles, se calhar lá para aqueles lados não há loiras, embora também de vez em quando marche uma morena, deve ser para desenjoar, além dos filhos ainda lhes fazem judiarias, olá, aqui estou a ser mauzinho, ainda me vão acusar por aí de andar a dizer mal destes ou daqueles por motivos religiosos, não tarda devo ir parar a alguma lista negra, se bem que não sei porque é que listas dessas hão-de ser negras, deve ser algum tipo de racismo, que nunca ouvi falar de listas brancas, enfim, pelos vistos não sou só eu, já me sinto mais acompanhado, ou então são listas feitas às escuras, não sei se por falta de luz, se bem que fazer uma lista às escuras não deve ser nada fácil, vai uma pessoa e escreve, e escreve o quê, será que escreveu mesmo, se a caneta falha como é que se sabe se lá ficou alguma coisa, além de fazedores de listas também devem ser adivinhos, ai devem, devem, leva-se a lista e não está lá nada escrito, mas que raio de caneta é que usaste, eu, não sei, era uma que me ofereceram ali no talho, deve ser para escrever nos bifes porque no papel não é de certeza, e nisto lá se volta outra vez para as escuras, mas agora para escrever a lápis, se houver erros ao menos apaga-se e não fica tudo borrado.

    Ainda tenho algumas dúvidas acerca do motivo que leva os extraterrestres a raptar as mulheres. Será que para aquela banda só há machos, será que são todos homossexuais, se há fêmeas será que acham piada àquilo tudo, olha, querida, vou para o trabalho, ah, vais outra vez meter-te com as fêmeas terrestres, vê lá no que é que te metes e não tragas chatices para casa que depois eu é que as aturo, e não quero cá crianças meio isto meio aquilo, já não há pachorra para tanta criação, sobretudo se forem malcriadas como as que já tens cá em casa. Deve ser realmente um qualquer tique gay, esse dos extraterrestres, isto sem desprimor para os gays, ou então é um tique heterossexual, e que agora me perdoem os heterossexuais, francamente aguardo ainda uma explicação, uma pessoa fica para aqui cheia de dúvidas, então faz-se uma coisa destas sem dizer água vai, água vem, devia era haver legislação para a gente que faz filmes com cenas destas, que deixam uma pessoa cheia de ideias estranhas a perambular-lhe pela inteligência, termo estranho, este, perambular, terá origem latina mas sabe a outra coisa qualquer, se calhar sou eu que já estou com apetite, provavelmente é isso, o almoço não foi assim tão substancial, bem, mas calculo que essa gente deve ter qualquer coisa estranha a correr-lhes as entranhas, se calhar é um extraterrestre, mas continuo sem saber se é ou não é.

    Mas ainda há extraterrestres que não são assim tão esquisitos, ou então são mais esquisitos ainda, como é que uma criatura destas se lembra de sair do John Hurt, que, da última vez que vi, ainda era homem, pode ser loiro, ou quanto muito aloirado, mas é homem, acho que é, de repente aquela coisa dos transexuais veio-me à cabeça, mas foi impressão que veio e já se foi, ou não, raios e coriscos, trovões e tubarões, feitiço de Cleópatra, que era uma frase que de repente me apeteceu escrever, coisas de outros tempos, já me perdi completamente outra vez, nem sei o que tem a Cleópatra a ver com transexuais, se calhar nada ou se calhar tudo, também já cá não está para me contar, e se estivesse era caso para admirar, atrás dela ainda vinham os outros todos, os tais de Ptolomeus, o Marco, o César, Deus me livre de aturar essa gente toda, que eu não gosto lá muito de visitas indesejadas, tenho a impressão de que estes «posts» andam cada vez mais estranhos, devem ser os tais de extraterrestres que já chegaram e eu não dei por nada.


    Posted by: Rezendes / terça-feira, fevereiro 01, 2005
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