...não havia outro remédio senão ir para eleições, coisa que muitos reclamavam há algum tempo...
Na Sociedade Filantrópica Abelardo Onofre rebentou a bomba. O presidente bateu com a porta e agora não havia outro remédio senão ir para eleições, coisa que muitos reclamavam há algum tempo com a palavra de ordem eleições já, eleições já, com o presidente de candeias às avessas com o doutor Carraça, um veterinário de profissão recém-convertido às contabilidades e tesoureiro da instituição, que, nas palavras do líder, andava de conluio com o senhor Rogério, o secretário, afirmando igualmente que aquilo não era a da Joana, que ainda não tinham chegado à Madeira, e outras preciosidades do mesmo calibre, e os pobres vogais de Herodes para Pilatos entre um e os outros dois, a tentarem deitar água na fervura mas qual quê, o caldo há muito que andava entornado e já não havia remédio que valesse a tais disenterias.
Os sócios reclamavam, andavam a pagar quotas desde que a fundação do mesmo nome passara a sociedade devido à ausência de fundos por má administração dos investimentos e respectivos dividendos e, para continuar a exercer as suas beneméritas actividades sociais, não tinha havido outro remédio, com a contribuição de todos o barco lá se foi aguentando à tona, umas vezes guinando mais para bombordo outras para estibordo mas mantendo sempre a proa apontada ao alvo, que eram cerca de três centenas de famílias necessitadas a quem prestavam auxílio a diversos níveis, se bem que entre os beneficiários também se podia contar com a dona Rosinha, a funcionária da tesouraria, a menina Ausenda e a menina Lurdes, prestadoras de serviços de secretariado, e o senhor Fragoso, uma espécie de vai-a-todas lá no sítio, desde os cuidados de electricista à jardinagem e à portaria, para já não falar da dona Neves do bar e da dona Celeste da limpeza, sem esquecer o senhor Celestino, o motorista - e mecânico - dos dois únicos veículos da instituição, a saber, o Audi do presidente e a carrinha Ford Transit do transporte dos apoios familiares, que iam desde algumas refeições até livros escolares e recolha e distribuição das crianças pelas escolas que frequentavam e respectiva devolução ao fim do dia, o que, diga-se de passagem, era foco de frequentes reclamações por parte do senhor presidente devido ao ocasional impedimento do motorista, ocupado nas tarefas filantrópicas da instituição e não na condução da sua augusta figura.
Aparentemente havia ali acusações de desvio de fundos, de apropriação indevida de verbas não declaradas, e histórias de «off-shores», o que devia ser a razão de o presidente se referir ao facto de ainda não terem chegado à Madeira, se calhar o que tinha em mente era ir lá espreitar se havia dinheiros da instituição por lá espalhados nas tais «off-shores», quem sabe, certo, certo, é que já lá tinha ido em serviço aí umas quatro ou cinco vezes, com tudo pago, obviamente, e na companhia da menina Ausenda, de quem se dizia ser fresca que nem uma alface, devia ser pelas suas origens lisboetas, isso da alface, que é o que se diz das gentes oriundas da capital, embora não fosse lá grande apreciadora de saladas.
- Isto não pode continuar assim, neste regabofe sem eira nem beira -, afirmava o doutor Sequeira, um dos vogais da direcção.
- Tem toda a razão, isto já passa das medidas – concordava o senhor Pereira, colega das mesmas andanças.
- A gente já não sabe a quantas anda. Um dia é contas dos restaurantes mais caros da cidade, no outro são bilhetes na ópera, assinaturas inteiras de temporada – comprovava, solícito, o senhor Romeu, construtor civil de profissão, conquanto se ignorasse se alguma vez tinha construído fosse o que fosse a não ser uma carreira na instituição que vinha dos tempos em que era aprendiz de carpinteiro e andara a montar os estores que agora já caíam de podres. – Isto para já nem falar nos alugueres de vivendas no Algarve para a família inteira. Deviam era ter vergonha na cara – rematou.
É preciso que se diga que havia ali invejas, umas mais às claras outras nem por isso, e eram de longa data as óbvias intenções do senhor Romeu em subir ao lugar mais alto da hierarquia da instituição, uma espécie de bofetada de luva branca no doutor Carraça, que isto de bofetadas devem ser sempre dadas com luva branca e nunca com luva preta, é o que mandam as regras, andavam de candeias às avessas desde que o dito veterinário dera um xarope ao caniche da mulher que o mandara desta para a melhor, não sem que primeiro desatasse a empestar a casa inteira de porcaria até se desfazer na dita, provocando um tal desgosto que ainda hoje a mulher mencionava dia sim, dia sim, e que nunca fora capaz de perdoar-lhe.
- Eleições, já -, reclamavam os sócios pagantes reunidos em Assembleia Geral, sob a batuta do doutor Rodrigues, advogado das causas justas que se vira metido numa camisa de sete varas sem ser capaz de dar com os respectivos botões, com quem aliás falava amiúde única e exclusivamente para se arrepender da hora em que aceitara tal incumbência.
- Cambada de ingratos e de aldrabões. No que eu me fui meter... Tudo p’rá rua, e já! – Barafustava o causídico em família a todas as refeições, ao ponto de mulher e filhos já conhecerem a cantilena de cor e salteado e se porem logo a recitá-la no momento em que se sentavam à mesa, para desgosto do marido e pai, que assim se via desapossado dos seus direitos de autor e do prazer que lhe dava pronunciar tais sentenças, já que nas outras estava sempre sujeito ao arbítrio dos juízes que lhe calhavam em sorte.
Não havia outro remédio. Tinham que ir para eleições. Quando se constituíram listas, surgiram logo três: uma encabeçada pelo inevitável senhor Romeu, outra pelo doutor Carraça, e uma terceira, inusitada, chefiada por um tal Aparício, que toda a gente conhecia por estar constantemente a dizer mal de tudo e de todos, o que dava a ideia que a campanha ia ser renhida, recheada de insultos e incidentes, de alusões nem sempre bem intencionadas, para resumir, uma nojeira. Tomaram-se partidos, houve algumas cabeças perdidas e outras partidas, a menina Ausenda foi apanhada a desoras na secretaria com o senhor Celestino, facto que durante dois ou três dias abafou por completo os habituais toma-lá-dá-cá entre os concorrentes, às tantas descobriu-se que havia um gasto excessivo de produtos de limpeza e a investigação acusou a dona Celeste, que disse que não senhor, que não sabia de nada, que as compras dos produtos era o senhor Rogério quem as fazia, o que levou a aprofundar o inquérito e o fio da meada acabou por conduzir a uma rede de supermercados de bairro com os tais produtos à venda ainda com o carimbo da sociedade, os quais estavam no nome do genro do secretário, foi um escândalo dos grandes, caiu o Carmo e a Trindade, meteu ameaças de judiciária e tudo, e só não foi para a frente a denúncia por causa dos jornais, do bom nome da sociedade que ia por água abaixo se uma coisa daquelas caísse no domínio público.
Uma rádio local resolveu convidar todos os cabeças de lista para um programa e foi um vê-se-te-avias para reunir documentos, as equipas das listas trabalharam até de madrugada, ninguém queria passar por ignorante e todos pretendiam descobrir os podres dos adversários, de maneira que à hora aprazada não havia sócio que não estivesse de ouvido colado à telefonia. Qual não foi o espanto quando se aperceberam de que o tal programa era sobre religião, de uma tal Igreja da Contravenção, houve um dito sacerdote que se pôs para lá a fazer publicidade a dízimos e a benefícios espirituais, lá ao fundo só se ouvia resmungar os candidatos, especialmente o Aparício, que era contra as igrejas todas, contra os dízimos e os benefícios espirituais, contra as rádios e contra os outros concorrentes, só se salvava a dona Rosinha, porque sabia tirar cafés, e pouco mais, se bem que não deixou de ser perceptível uma breve piscar de olho sob a forma de subreptício elogio à menina Ausenda. Foi uma decepção a toda a linha. No entanto, no dia seguinte a conversa entre os sócios incidia exclusivamente em quem tinha ganho o debate.
- Mas qual debate, aquilo foi alguma vez um debate? – Questionava a dona Conceição da papelaria a quatro ou cinco clientes que por acaso também eram sócios como ela. – Ninguém ali discutiu ideias, ninguém apresentou propostas, só falaram de religião e de tricas e acabaram a dizer mal um dos outros.
- Aquele Aparício é um ordinário. – Sentenciava a dona Maria José, abespinhada por ter dado pelas alusões à menina Ausenda. – O que ele quer sei eu! A armar-se em descarado com aquela flausina sem vergonha...
- Não concordo mesmo nada. – Contestou a senhora dona Luísa, comadre do senhor Romeu. – Eu acho que o senhor Romeu esteve até muito bem.
- É, nós sabemos onde é que queres chegar. – Retorquiu-lhe meio de lado a dona Conceição. – Mas daqui não levas nada. – Continuou num aparte.
Conversas do mesmo teor iam enriquecendo o quotidiano dos mais de mil e trezentos sócios da confraria, pondo de parte todas as costumeiras quadrilhices com que ia preenchendo as respectivas vidas sociais.
No dia de eleições então foi a confusão total. Não havia mesas de voto constituídas, o senhor Rodrigues, a quem cabia formar a comissão eleitoral, fora de férias para o Brasil e ainda não regressara, a menina Lurdes não sabia das listas de sócios nem quem tinha as quotas em dia, estando por isso habilitado a votar, os sócios amontoavam-se pelas salas, pelo pátio de entrada e pelos passeios à volta, houve reboliço total, pancadaria da antiga, chamou-se a polícia e acabou tudo nos calabouços. A Judiciária e o Ministério Público tomaram o assunto em mãos, escarafuncharam daqui e dali, foram feitas buscas domiciliárias a casa dos elementos da ex-direcção, em casa dos empregados, a menina Lurdes tomou-se de amores pelo agente Pragal, a fase de inquérito demorou ano e meio, as famílias beneficiárias tornaram-se ex-beneficiárias e viraram-se para a Igreja da Contravenção, recebem dos dízimos dos crentes e pagam daí os respectivos dez por cento, pespegaram com a vida do ex-presidente nos jornais, as viagens à Madeira, as férias no Algarve e nas Caraíbas, as idas ao casino no Audi da sociedade, ficou a saber-se que a clínica veterinária do doutor Carraça afinal só servia para praticar a eutanásia em cães e outra bicharada, de que até a câmara municipal era cliente para os animais abandonados, a construtora do senhor Romeu não passava de uma frente para uma organização de contrabando de trabalhadores estrangeiros, a dona Celeste afinal chamava-se Liuba e era moldava e não tinha papéis de permanência no país, a dona Rosinha roubava o café do bar e vendia-o a um quiosque que era de uma cunhada, a menina Ausenda era um travesti, o senhor Celestino andava fugido da cadeia há uma data de anos, o Aparício era de origem paquistanesa e andava metido numa célula adormecida de um grupo terrorista, a dona Neves era uma agente infiltrada do SIS, e o senhor Fragoso tinha desaparecido da circulação, bem como dois milhões de euros de uma conta na Caixa. Mas a menina Lurdes é que acabou mesmo por casar com o agente Pragal.
domingo, fevereiro 06, 2005
Conversa de maricas
Um ex-colega meu tem uma obsessão com os maricas, nem se lhe pode falar nisso que fica logo possesso, começa a bufar por todos os lados, francamente também é exagero, não sei o que lhe terá acontecido na vida para se pôr naquele estado, dá-lhe assim de repente, uma pessoa faz a mínima alusão a homossexuais e pimba, começa ali logo a diatribe, esses gajos isto e aquilo, dá-lhe que dá-lhe, vêm umas atrás das outras, desata a ferver e não é em lume branco, é mesmo a deitar por fora, acho que não é caso para isso mas o que é que se há-de fazer, ele é assim mesmo.
Às vezes uma pessoa puxa-lhe pela língua de propósito, a ver o que acontece, como se não se soubesse já, viste aquele programa de televisão isto e aquilo, com aqueles tipos assim e assado, zás, é automático, parece que lhe carregaram num botão de efeito imediato, surgem de imediato os nomes mais vernáculos do vocabulário, daqueles a que já na Idade Média as crónicas faziam eco, pelo menos o Mattoso meteu-as nas Narrativas dos Livros de Linhagens, e acho que não as inventou de propósito para isso, já lá estavam, pode fazer-se a colação com os originais, já me dei a esse trabalho nem sei bem para quê, é o bichinho curioso que tenho a dar voltas aqui dentro e que uma vez por outra me dá mais do que fazer do que aquilo que já tenho, é o que faz ter para aqui uma livralhada pegada que já não tenho onde a meter, que quando cá vêm a casa fazer obras dizem logo, eh, tantos livros, mas o senhor quer estes livros todos para quê, como se não fossem para ler, os livros, mas para fazer figura nas estantes da sala, eu que na sala até nem tenho livros, só os jornais, as revistas, os cêdês, os vídeos e os dêvêdês espalhados por tudo quanto é sítio e já chega, mas na verdade já me começa a faltar mesmo o espaço, qualquer dia faço como o outro, limpeza geral, vai tudo porta fora, torno-me minimalista, isto é da boca para fora que não tenho coragem para tanto.
Mas o meu ex-colega reformou-se, foi viver para os algarves, os tais do reino de Portugal e dali também, como se intitulavam os nossos antigos monarcas, e vai daí viu-se com um casal de vizinhos homossexuais que passam a vida a pedir-lhe coisas emprestadas, ele é a máquina de cortar relva, ele é a tesoura de podar, a mangueira para regar não sei o quê, anda doido, coitado, no outro dia bateram-lhe à porta às tantas da noite para lhe pedir açúcar emprestado, depois não se calavam e não havia maneira de lhe desampararem a porta, ele corado até à raiz dos cabelos, que fica assim para o avermelhado quando lhe dão acessos de qualquer coisa, isto apesar da pele queimada, nota-se à légua, só os vizinhos é que não dão por nada, zumba, zumba, e mais isto e mais aquilo, acabou por saltar-lhe mesmo a tampa, meteu-os no olho da rua, que é como quem diz, que eu cá nunca vi esse olho nem mais gordo nem mais magro, nem está cientificamente comprovado que as ruas tenham olhos, nem sequer um para amostra, quero desde já que fique claro que não pertenço a nenhuma associação de cépticos, nem de ateístas, nem agremiação de espécie alguma, portanto façam o favor de não estabelecerem ligações desse género nem de tirar quaisquer ilações destas afirmações, desde já ficam aqui os meus agradecimentos, obrigado, e também não sou como o São Tomé, que tenho que ver para crer, mas lá que os cientistas ainda não se pronunciaram a propósito desse tal olho, isso não, mas posso estar distraído, verdade seja dita que não compro lá muitas revistas científicas, mas se tal coisa tivesse sido descoberta certamente que haveria ecos na imprensa, e eu ainda não li nenhuma notícia que diga cientistas do sítio tal descobriram o olho da rua, não li, tenho a certeza, pode ter-me escapado, é verdade, que às vezes só leio as gordas já que o tempo não me chega para ler tudo, ainda tenho que escrever coisas destas, ir às compras, trabalhar, dar uma mãozinha na cozinha, muito embora não seja muito bem vindo por aquelas bandas, já uma vez falei sobre isto.
Os vizinhos ficaram abespinhados, nunca mais lhe devolveram as ferramentas, metem música a altos berros até às tantas, ele que gosta de se deitar cedo e levantar ainda mais cedo, é dos madrugadores, ao contrário da minha pessoa, fazem-lhe a vida negra, apesar de ele ser branquinho, mas moreno, e ainda anda mais furioso, basta uma pequena, muito leve, alusão a homo, e deita chispas por todos os lados, uma vez por outra metemo-nos com ele por causa do detergente para ver o que acontece, nem vos digo nem vos conto, acho que se houvesse células terroristas que precisassem de uma bomba ele seria um sério candidato, que a explosão é pior do que eu sei lá o quê, se houvesse necessidade de outro big-bang era só pô-lo lá no sítio que ele encarregava-se do resto.
Observação psicológica em tom carnavalesco
Fica aqui uma avertência para as pessoas sensíveis.
o
No Carnaval, ninguém leva a mal, reza a frase popular, enfim, com todas as cautelas, dedicámos este breve esforço criativo à fase carnavalesca em que nos encontramos, embora deixemos aqui desde já o aviso para todas as pessoas sensíveis, que deverão evitar ler este post e, se o fizerem, não façam desde logo juízos de valor acerca do seu autor, que neste blogue tem o seu nome exposto, sim, Rezendes é mesmo apelido, não é invenção nenhuma, nem nome suposto, nem heterónimo, nem coisa no género, fica desde já esclarecido, se continuar a ler, é por sua conta e risco, está feita a advertência.
O homem distraído – O que se peida à esquerda e vai para a direita.
O homem narcisista – O que adora o cheiro dos seus próprios peidos.
O homem tímido – O que, tendo um peido para dar, o retrai.
O homem cuidadoso – O que tosse ruidosamente para abafar o som dos seus próprios peidos.
O homem prevenido – O que veste fraldas logo pela manhã, não vá o diabo tecê-las por altura do peido.
O homem pontual – O que se peida unicamente às sete da manhã, às quatro da tarde e às dez da noite.
O homem generoso – O que não regateia os seus peidos.
O homem despachado – O que dá os peidos todos logo pela manhã.
O homem excêntrico – O que, ao peidar-se, dança, dá saltos e canta.
O homem solidário – O que se peida quando ouve alguém peidar-se.
O homem reaccionário – O que é contra todos os tipos de peidos.
O homem comunista – O que só se peida em comunidade.
O homem bufo – O que se peida para denunciar o parceiro do lado.
O homem espião – O que se peida apenas em segredo.
O homem científico – O que se peida para observar a reacção alheia.
O homem optimista – O que acha que o próximo peido não vai cheirar absolutamente nada.
O homem pessimista – O que acha que o próximo vai ser o peido mestre.
O homem gago – O que se peida intermitentemente.
O homem exigente – O que só se peida perante uma grande audiência.
O homem avarento – O que não se peida nem que lhe paguem.
O homem negociante – O que exige que lhe paguem para peidar-se.
O homem contabilista – O que anota cuidadosamente todos os seus peitos.
O homem galanteador – O que assume como seus os peidos femininos.
O homem músico – O que se peida em todos os tons.
sexta-feira, fevereiro 04, 2005
O Brado das Pitas
O Brado das Pitas é mecânico e aos fins de semana lá vai para as discotecas armado em cavalo de corrida com uns carros que leva emprestados da garagem, mete conversa com as gajas e vai-não-vai até consegue levar uma na conversa, olha ali um dos meus carritos, elas a abrir a boca de espanto, então tem mais?, olá se tenho, eu é que não sou de contar histórias, replica, dando-se ares de modéstia, uma pessoa também não deve exagerar para não passar por novo-rico, pato bravo ou seja lá o que for, que nunca vi patos bravos de automóvel, não querem lá ver, que raio de coisa, como é que chegavam aos pedais, se calhar de buzina nem precisavam, punham-se logo a grasnar para a mulher que vai à frente e que não há maneira de avançar no sinal, sempre escusavam de gastar a bateria, mas agora aos pedais é que não sei como é que chegavam.
O Brado das Pitas aos fins de semana lá dá um arranjo ao cabelo, frequenta ali a cabeleireira da Dona Joana, bem, cabeleireira unisexo, que ele é muito macho e não quer que o julguem por maricas, faz umas horas no solário de vez em quando para estar sempre morenito, ouvi dizer até que faz depilação, bom, os pêlos lá têm os seus inconvenientes, é verdade, quando uma pessoa tropeça neles até se engasga e vê as estrelas, é que há pêlos e pêlos, não há maneira de nos vermos livres deles, que treta esta coisa da evolução, se realmente houvesse evolução já não precisávamos deles para nada, que nem aquecem nem arrefecem, só estão lá para estorvar, como os da barba que um homem tem que rapar todos os dias, se bem que há quem os deixe crescer, eu cá é que não quero andar para aí com cara de escova de sapatos, por isso todos os dias uma pessoa lá tem que se pôr a raspar a cara até ficar com ela a arder, além do mais as lâminas estão pela hora da morte, estão, pois, não há orçamento que aguente tanto raspanço, todos os dias raspa de um lado e raspa do outro, na tropa até se punham com um papel para ver se arranhava e se arranhasse nem se ia de fim de semana a casa, tudo por causa dos pêlos, olhem que descaramento, então um homem não é para ter pêlos, se não fosse não era homem era uma bola de bilhar.
Pois aos fins de semana lá vai o Brado das Pitas à discoteca, corre bares aqui e acolá, a ver se alguma morde, que elas mordem, ai não que não mordem, há quem fique com as marcas como recordação, até há quem as coleccione e depois vai para os telejornais e outros programas televisionados mostrar como é que são as tais marcas, lembro-me de um do Algarve que ia, era por causa das estrangeiras, que pelos vistos não se dava lá muito bem com as portuguesas, as marcas das estrangeiras são mais apetecíveis, Versace, Armani, Fusco, Missoni, Anna Molinari, e mais uns quantos e quantas, vá-se lá saber porquê, se calhar são manias, e manias não se discutem, embora se tratem, há uns senhores que fazem vida disso, e ainda escrevem nos jornais e também aparecem na televisão, eis outra mania, a da televisão, ia eu dizendo que o Brado das Pitas queria era ser actor, só que era feio como uma bota da tropa, também não sei porque é que as botas da tropa hão-de ser feias e as outras todas, por exclusão de partes, bonitas, eu que as usei, que as tive que usar, que me mandavam e o pessoal que mandava não era para brincadeiras, está-se mesmo a ver uma pessoa chegar lá e dizer, não gosto dessas botas, são muito feias, o que eu gostava era de usar umas botinhas à maneira, se calhar mais levezinhas e confortáveis, se uma pessoa se saísse com uma destas levava era com as botas na cara, ai não que não levava, e ainda era pouco, o Brado das Pitas era feio, portanto, por isso não era nada provável que fosse aparecer na televisão, lá está a têvê outra vez, é mania mesmo, o que é que se há-de fazer, pois não recebe cartas de fãs entusiasmadas com a carinha que Deus lhe deu, e se recebesse era um sarilho porque não é lá muito dado a estas coisas da conversa por escrito, é mais trinta e um de boca, elas a convidarem-no para sair, para um copo, para a discoteca, e ele diz que só pelo telemóvel, por carta não, que se pode comprometer por escrito, é a desculpa dele, não é a minha, que eu cá é que não falo por ele, não falo por ninguém a não ser por mim e chega.
quinta-feira, fevereiro 03, 2005
Os arquivos dos blogues
...para ler patacoadas das políticas já me basta o que vai por aí no dia a dia...
O que é que uma pessoa faz com os arquivos dos blogues? Deixa-os ficar para ali naquelas pastinhas a envelhecer durante meses e anos como uma garrafa de bom vinho, do Porto ou de outro qualquer que mereça ser guardado, pastas em que ninguém irá vasculhar e textos que ninguém vai ler, só se fosse masoquista, eu hei-de um dia falar sobre isto de masoquistas, ai não que não hei-de, que dá pano para mangas, para o resto é que já não sei se o pano chega, mas as costureiras hão-de saber, que elas é que percebem do assunto e não eu, pobre utilizador das ditas, ou então recolhe-os em fichas de 15 por 10 e meio, centímetros, claro, ainda não chegámos às polegadas, isso são lá inglesices com que a gente não se entende, eis mais um tema para escrever, as chinesices dos ingleses, fica registado, adiante, mete-se tudo em fichas e depois em caixas de sapatos ou enfia-se-lhe a CDU das bibliotecas e arquivos nacionais, era bom que me explicassem, que com isto de escrever, embora não ande cá há tanto tempo como isso, qualquer dia já perdi o fio à meada e nem sei a quantas ando, acho que estamos em Fevereiro já, o dia da semana é que é mais complicado que fiquei atarantado só de pensar nos textos que devem andar para aí arquivados, para já não falar de fotografias, imagens, etecétera, etecétara, ouvi dizer que a biblioteca nacional anda a fazer «backups» de páginas da Internet, bom proveito lhes faça, mas acho que para já é só de jornais e instituições, cá para mim devem andar com uma dor de cabeça sem saber bem o que hão-de fazer àquilo tudo, olha se se puserem a gravar tudo o que é blogue e página da Internet, só se fossem maluquinhos de todo, provavelmente até são e não será novidade nenhuma, são apenas alguns a juntar a muitos mais.
Eu sei que há quem meta aquilo tudo em livro, já vi para aí um ou dois, há um senhor das esquerdas, ou dos blocos, que eu blocos conheço os de cimento, os de escrever e pouco mais, portanto devem ser desses, de cimento ou de escrever, acho que se são do bloco deviam eram pegar nele e construir casas, com os de escrever não dá tanto jeito, que vem uma chuvada e leva aquilo tudo, embora nos dias que correm não se veja nem sombra de chuvada, anda para aí meio mundo e queixar-se e outro meio mundo de papo para o ar nas esplanadas a apanhar sol, daí se vê que o sol quando brilha não é para todos, pelo menos há metade que se queixa, os das esplanadas é que não devem reclamar, não me parece, que a clientela é mais do que o habitual nestes invernos, esses tais senhores lançaram então um livro, eu cá é que não o compro, para ler patacoadas das políticas já me basta o que vai por aí no dia a dia, agora que a coisa até parece que tem audiência pois dá-me ideia que sim, senão não faziam um livro, esse é que cá em casa não entra que já me falta espaço para a livralhada que para aí anda, até pelo chão, já tropeço neles, nos livros, não é nos tais senhores, que esses nem os queria cá, já chega o que uma pessoa tem que gramar com eles nas televisões e nos jornais, que eu desses blogues nem vou lá espreitar, falta-me a pachorra, deviam era ir à tal biblioteca nacional e entregar tudo, está aqui o blogue tal e tal, faxavor de o arquivar, mas para que é que queremos isso, perguntariam logo os de lá, já cá temos muitos, mais um menos um não fará tanta falta como isso, olha que desconsideração, diriam os tais senhores, uma pessoa vem cá na melhor da sua boa vontade para vos deixar os nossos textos geniais e não os querem, francamente, então vamos ali metê-los em livro e depois já não dizem que não, em livro é outra conversa, será a resposta, os livros temos que os ter todos, não têm não senhor, digo eu, que se quiser faço um livro, não o ponho à venda e não o dou a ninguém a não ser a uma pessoa especial, já fiz isso uma vez, ia agora dá-lo aqui ao armazém para o enfiarem para aí como se fosse um saco de batatas, nem pensar.
quarta-feira, fevereiro 02, 2005
Um paço em Padrón
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Da estrada, pouco se vê: um muro alto
e escuro e uma passagem
onde antes estaria um portão,
de madeira escura decerto,
antigamente não se faziam de outra maneira,
de que só ficaram os ossos das dobradiças
chumbados na pedra. No silêncio
do jardim por detrás do granito, a sombra
das árvores abrigou nomes antigos
que hoje não sabemos quem são.
A casa é alta, duas fileiras de janelas
e um brasão de bispo no topo,
uma dignidade agora ali escusada,
desprezada certamente.
A porta está fechada, as janelas com tábuas
pregadas do lado de dentro, adivinha-se
os quartos vazios, séculos
de ladrões terão levado dali tudo
para depois venderem a gente de poucos
/ escrúpulos.
A casa está ali mas está morta,
ressequida, os restos do corpo
de um dignitário egípcio. |
A pedido de muitos gatos, solteiros, casados ou assim-assim
P ediram-me os gatos que deambulam por este blogue, está-se mesmo a ver que não têm nada que fazer na vida, devem viver dos rendimentos, dos quais desconheço por completo a proveniência, provavelmente deverão ser investimentos na bolsa, sei lá, porque para ser sincero não me parece que andam por aí a dar à pata em algum tipo de trabalho que não envolva muitas horas de sono, pediram-me então que escrevesse qualquer coisa a eles dedicada, o que, depois de muitas voltas à cabeça, começo aqui a escrever, resolvendo então dedicar este texto às gatas, estava-se mesmo a ver, não era?, ora se era.
O problema que se me colocou foi que gatas?, afinal os bichos por vezes têm gostos um tanto ou quanto estranhos, não é fácil agradar-lhes, mesmo nada fácil, uma pessoa pensa que é só dar-lhes peixe às refeições, uma cama fofa, uma casa de banho com limpeza diária, banho que é como quem diz, que eles não vão lá para o tomar, está visto que não, uns sofás a jeito para arranharem e mais nada, mas isso não lhes chega, aquilo fia mais fino, ora se fia, um bicho que use bigodes mete respeito, ai não que não mete, olha de cima para a gente, como quem diz vê lá o que é que estás a fazer, não me metas em sarilhos, que eu cá não tenho paciência para te aparar os golpes, e respeitinho, que o respeitinho é muito bonito, estes bigodes que aqui vês são para te manter à distância, e nada de confianças excessivas que nunca fui bicho para dar confiança fosse a quem fosse.
Pois. E agora, José?, como dizia o outro, o tal de Cardoso, como é que me vou sair desta? Muito bem, meti mãos à obra e lembrei-me de duas gatinhas, muito jeitosinhas, que por acaso vi numas fitas daquelas americanas com muita pancada, muitos fatos de cabedal preto, pirotecnia de alto gabarito, não desfazendo aquela que se vai praticando por essas terras de Portugal fora, só que estas de vez em quando, pum, vão todas pelo ar, deve ser das novas tecnologias, que os portugueses ainda não se adaptaram lá muito bem a essa coisas das tecnologias, se calhar estas também não ligam lá muito bem com foguetes, ou então ligam e eu é que não sei, também não se pode saber tudo, as tais gatas eram uma tal de Michelle e uma tal de Hale, esta última uma cerejinha muito apetitosa, não desfazendo a outra, que, além de loira, e de um nome assanhado, tem assim uns modos de olhar para a gente que nos deixa pregados ao chão, ou à cadeira, ou ao sofá, seja lá ao que for, que eu não vou pôr em causa o lugar onde as pessoas se sentam, cada um e cada uma é dono ou dona do respectivo traseiro e onde o coloca não é nada comigo, já me chega ter de olhar pelo meu, quanto mais pelo dos outros, pois essas tais gatinhas são daquelas de encher o olho a qualquer gato que se preze, isto pensei eu, vai daí fui em frente, pespego-lhes aqui com as gatas e agora que se queixem.
terça-feira, fevereiro 01, 2005
Os extraterrestres e as mulheres
...olha, querida, vou para o trabalho ah, vais outra vez meter-te com as fêmeas terrestres...
E u cá, se fosse mulher, andava sempre com medo dos extraterrestres. É que eles, pelos vistos, têm por hábito raptar mulheres às dezenas, para já não dizer centenas, milhares, milhões, sabe-se lá onde é que não vai parar a sua contabilidade, se calhar têm falta de fêmeas, lá na terra deles, e toca de ir às Sabinas, que isto de fertilidades pelos vistos anda bem por baixo, qualquer dia já nem há ninguém para descontar para a segurança social, anda tudo aos subsídios, tudo aos papéis, como se diz por aí, papéis que neste caso são notas de banco, ora essa, que outra coisa não haveria de ser?
E os extraterrestres pelos vistos até são esquisitos, atiram-se sobretudo às loiras, não sei porquê, deve ser alguma tara lá do sítio deles, se calhar lá para aqueles lados não há loiras, embora também de vez em quando marche uma morena, deve ser para desenjoar, além dos filhos ainda lhes fazem judiarias, olá, aqui estou a ser mauzinho, ainda me vão acusar por aí de andar a dizer mal destes ou daqueles por motivos religiosos, não tarda devo ir parar a alguma lista negra, se bem que não sei porque é que listas dessas hão-de ser negras, deve ser algum tipo de racismo, que nunca ouvi falar de listas brancas, enfim, pelos vistos não sou só eu, já me sinto mais acompanhado, ou então são listas feitas às escuras, não sei se por falta de luz, se bem que fazer uma lista às escuras não deve ser nada fácil, vai uma pessoa e escreve, e escreve o quê, será que escreveu mesmo, se a caneta falha como é que se sabe se lá ficou alguma coisa, além de fazedores de listas também devem ser adivinhos, ai devem, devem, leva-se a lista e não está lá nada escrito, mas que raio de caneta é que usaste, eu, não sei, era uma que me ofereceram ali no talho, deve ser para escrever nos bifes porque no papel não é de certeza, e nisto lá se volta outra vez para as escuras, mas agora para escrever a lápis, se houver erros ao menos apaga-se e não fica tudo borrado.
Ainda tenho algumas dúvidas acerca do motivo que leva os extraterrestres a raptar as mulheres. Será que para aquela banda só há machos, será que são todos homossexuais, se há fêmeas será que acham piada àquilo tudo, olha, querida, vou para o trabalho, ah, vais outra vez meter-te com as fêmeas terrestres, vê lá no que é que te metes e não tragas chatices para casa que depois eu é que as aturo, e não quero cá crianças meio isto meio aquilo, já não há pachorra para tanta criação, sobretudo se forem malcriadas como as que já tens cá em casa. Deve ser realmente um qualquer tique gay, esse dos extraterrestres, isto sem desprimor para os gays, ou então é um tique heterossexual, e que agora me perdoem os heterossexuais, francamente aguardo ainda uma explicação, uma pessoa fica para aqui cheia de dúvidas, então faz-se uma coisa destas sem dizer água vai, água vem, devia era haver legislação para a gente que faz filmes com cenas destas, que deixam uma pessoa cheia de ideias estranhas a perambular-lhe pela inteligência, termo estranho, este, perambular, terá origem latina mas sabe a outra coisa qualquer, se calhar sou eu que já estou com apetite, provavelmente é isso, o almoço não foi assim tão substancial, bem, mas calculo que essa gente deve ter qualquer coisa estranha a correr-lhes as entranhas, se calhar é um extraterrestre, mas continuo sem saber se é ou não é.
Mas ainda há extraterrestres que não são assim tão esquisitos, ou então são mais esquisitos ainda, como é que uma criatura destas se lembra de sair do John Hurt, que, da última vez que vi, ainda era homem, pode ser loiro, ou quanto muito aloirado, mas é homem, acho que é, de repente aquela coisa dos transexuais veio-me à cabeça, mas foi impressão que veio e já se foi, ou não, raios e coriscos, trovões e tubarões, feitiço de Cleópatra, que era uma frase que de repente me apeteceu escrever, coisas de outros tempos, já me perdi completamente outra vez, nem sei o que tem a Cleópatra a ver com transexuais, se calhar nada ou se calhar tudo, também já cá não está para me contar, e se estivesse era caso para admirar, atrás dela ainda vinham os outros todos, os tais de Ptolomeus, o Marco, o César, Deus me livre de aturar essa gente toda, que eu não gosto lá muito de visitas indesejadas, tenho a impressão de que estes «posts» andam cada vez mais estranhos, devem ser os tais de extraterrestres que já chegaram e eu não dei por nada.