Muitas vezes ficamos a gostar de alguém por causa do cheiro que apresenta, que não é coisa de subestimar, porque o olfacto das pessoas, muito embora não tão apurado como noutras instâncias da vida animal, também não é coisa de somenos, que isso dos cheiros pode conduzir ao paladar, e quando tudo o que mete boca é de facto inegavelmente relevante na vida das pessoas, que quando são pequeninas começam por chupar no dedo, o que poderá ser uma qualquer forma de narcisismo - ou de terapêutica de substituição -, mais tarde passam a chupar só onde de facto pretendem investir algum afecto, isto sem qualquer menosprezo para com profissionais do chupanço, que não deve de maneira alguma ser confundido com chupismo, já que se trata de uma actividade completamente diversa daquela e com outro tipo de implicações sociais e relacionais, mas que essa coisa dos cheiros é importante lá isso é, senão não existiria toda uma indústria dedicada aos aspectos olfactivos, e se calhar dizer uma indústria é pecar por escassez quantitativa, que certamente se procurarmos bem muitas mais há por aí igualmente envolvidas nos aspectos nasais de actividade humana.
Vem isto a propósito de ainda no outro dia me terem dito que cheirava a praia, isto em pleno pico do inverno, eu que da praia já nem lhe conheço o cheiro desde Agosto ou Setembro, para grande pena minha, diga-se de passagem, que como ilhéu bem que gostava de ter mais oportunidades de me passear por essas bandas, e se calhar será por esse mesmo facto, por ser ilhéu, dizia às tantas um comentador humorístico profissional das observações alheias, sempre atento aos dizeres soltos, deve ter sido isso, ficou o odor embebido na minha pele, depois de tantos anos passados mais ou menos à beira-mar, digo mais ou menos, porque também não vivia propriamente em cima da água nem passava a vida a estender-me na areia ao mínimo raio de sol, ou então, mais provável, é que o perfume que habitualmente uso deixar essa impressão odorífera em quem circula por perto da minha pessoa, e ainda em última instância o facto de ser do signo astrológico dos peixes poderá ter alguma coisa que ver com isso, se bem que talvez até nem seja isso, que posso cheirar a praia, segundo me disseram, mas não tresando a pexum, pelo menos acho que não, poderei estar redondamente equivocado mas não me parece que seja o caso.
Os cheiros são algo de curioso, que há classificações de cheiros, para além de cheiros maus e cheiros bons, conheço ainda o vinho de cheiro, a expressão levar um cheirinho, meter um cheirinho (no café), mas sobretudo recordo a expressão cheirar a raposinhos, cheirar p’ra burro, cheirar a cão, cheirar a papel rasgado (esta pertence ao anedotário das peças de teatro), para já não falar de cheiros mais intensos ou mais ou menos íntimos, que não me está mesmo nada a apetecer ir por aí, cala-te boca, e a propósito de boca há ainda a questão do hálito, que há quem não fume e reprove mesmo a abominação de tal acto e cheire mal da boca a léguas, problemas de estômago, diz-se, pelos vistos o cheiro também está relacionado com o estômago, para já não falar de outras partes do corpo, hum, está mas é caladinho, por aí não, ai, ai, coisas destas podem ter cheiro mas não se fala delas, é falta de tacto e de delicadeza, para além de ser ordinário, e cheiros ordinários é que não, nada disso, o melhor é mesmo limitar-me aos perfumes, ao cheiro a praia, desde que não seja daquelas que ficam mesmo ao pé dos esgotos. Ah, não querem lá ver que estavam a dizer que eu cheirava a esgoto? Fico já por aqui e vou mas é tirar isto a limpo...