Eles são Susana e Mário, formação universitária, profissões diversificadas, ela trabalhadora independente, ele no ensino, mas também músico, com filhos de anteriores uniões, nenhum do mútuo arranjo em que actualmente se encontram envolvidos, partilham, além de casa, comida e cama, um interesse na área das percepções extra-sensoriais, para além de um fascínio pelas civilizações extraterrestres que piamente acreditam existirem.
Acima, os factos. Seguidamente, a história.
Há quem creia, com uma convicção muito forte e arreigada em não sei bem o quê, que há vida para além da Terra e que essa vida se passeia de quando em vez por este nosso planeta, a fazer o quê não sei, provavelmente como observadores de momentos eleitorais como aquele que presentemente vivemos, mas o certo é que acreditam e que se dispõem a passar algum tempo a ver se dão de caras com alguém proveniente do espaço sideral, também ignoro com que finalidade, provavelmente para saber dos hábitos gastronómicos e musicais de tais gentes, se de gentes na verdade se trata, que poderão ser outra coisa qualquer, sei lá, tubérculos inteligentes, por exemplo.
Na passagem de século que ainda recentemente vivemos, já lá vão uns cinco anitos e pouco, eu sei, mas nessa passagem de ano, em vez de se enfiarem num daqueles hotéis que comemoram a data com jantares e ceias e vestidos de noite e fatos e gravatas e garrafas de espumante e lagostas suadas e acompanhamentos musicais para abanar o rabo e bebedeiras de caixão à cova e respectivos acessórios, meteram pés a caminho e foram esperar a chegada dos tais extraterrestres num descampado junto a um dos muitos bairros periféricos de Lisboa, na perfeita convicção que daquela é que era, iam lá agora esses longínquos vizinhos perder a oportunidade de comemorarem uma efemérides destas, levaram cobertores, um termos com chá quente, sandes de galinha, de presunto, de queijo e de atum, batatas fritas de pacote, outro termos com café, máquina fotográfica e de filmar, gravador áudio, pilhas sobressalentes para o que desse e viesse, dois colchões de campismo, um par de lanternas eléctricas e um petromax, não fosse dar-se o caso de se avariarem os apetrechos eléctricos, que é o que costuma acontecer nos filmes, saíram de casa por volta das dez e pouco e lá montaram a espera.
Claro que, no dia seguinte, a polícia, na ronda nocturna que faz de manhã que é para ter tempo de descansar o bastante antes de se meter à rua, deu com o casal a dormir debaixo dos cobertores já meio cobertos de geada, acordou-os e perguntou-lhes o que estavam ali a fazer, e eles, ainda meio estremunhados de sono, pensaram que aquele é que era o tal contacto, o encontro imediato do grau não sei quantos com uniformes azuis e bonés com emblemas, afinal não eram, ficaram com um melão daqueles, decepção tamanha é que não esperavam, recolheram a tralha sem grandes explicações e regressaram ao lar familiar com uma história para contar aos amigos, de onde se infere que nem sempre aqueles que esperamos aparecem na hora certa, e daí nunca se sabe, acho que estão com disposição de lá voltar mais umas vezes, quem espera sempre alcança, lá dizem por aí, ou diziam, que isto do adagiário popular umas vezes resulta, outras assim-assim, mas a maior parte das vezes tenho cá para mim que o que quiseram foi enfiar-nos um barrete. Desde que não seja da polícia...