...Quanto mais ouço a gente que apregoa pelas ruas, mais saudades tenho dos pregões de outros tempos...
A bem da Nação, que era frase de outros tempos, parece estar cada vez mais em voga nos dias que correm, mais ou menos revestida de outras roupagens, para não dar a ideia de que se trata de coisa do tempo da outra senhora, não é que se saiba lá muito bem qual é esta, nunca ouvi dizer por aí olhem bem, a senhora agora é esta, vejam com atenção, a outra era a outra, nada de confusões, não queremos passar por reaccionários, se bem que uma reacçãozita de vez em quando até que é saudável, caso contrário vamos todos no rame-rame sem fazer ondas, mas isto digo eu, que não me importo de passar por tudo e mais alguma coisa, tenho as costas largas, como se costuma dizer, se bem que nunca as medi e me pus a compará-las, não é lá muito prático uma pessoa pôr-se a observar as suas próprias costas, ainda se dá um jeito ao pescoço e depois é que são elas, fica-se de cabeça à banda, ou como alternativa enfiam-nos um daqueles suportes para o pescoço que uma pessoa nem consegue virar a cabeça, olha que bonito, e sobretudo que prático, depois como é que se aperta os atacadores, é coisa que não convém mesmo nada, se calhar no tempo da tal outra senhora já estavam mais habituados a tais tratos de polé, pelo menos é o que se ouve, que metade do país era especialista em dar tratos de polé à outra metade, eu nunca vi os tais tratos nem a tal de polé, mas uma vez uns desses especialistas foram buscar-me a casa para se abarbatarem com livros e discos e cartazes e folhetos proibidos, era o que eles diziam, se calhar era desculpa para me fazerem uma visita, hoje em dia os que fazem visitas são das Finanças, faça o favor de abrir a porta para verificarmos se não tem para aí sinais de riqueza não declarada, olhem-me só que descaramento, uma pessoa pelos vistos tem que continuar a viver pobrezinha e contente, ora francamente, onde é que já se viu isto?
Tudo pela Nação, nada contra a Nação, apregoava-se nesses tempos vetustos, por alturas dos tais igrejos avós, a mim é que nunca me levaram à Vitória, que era uma miúda bem jeitosa que vivia no outro bairro vizinho ao meu, eram só promessas atrás de promessas, estou para ver se a Vitória ainda aceita visitas, isso já não sei, que acabei por a perder de vista depois de tanta conversa fiada. E dá para ficar com algumas dúvidas de que Nação se tratava então e a que Nação se referem agora, se calhar é o tal de Porto, que ao que sei tem embaixadas por toda a parte e acaba por ficar sempre na mó de cima por mais confusões que lhe arranjem.
Quanto mais ouço a gente que apregoa pelas ruas, mais saudades tenho dos pregões de outros tempos, agora já só vendem economia, mais emprego, mas não sei onde ficam as lojas que se dispõem a vender tais produtos, já procurei, até realizei uma pesquisa nas páginas amarelas e tudo, eles também não dizem, deve ser segredo, de estado ou de estratégia, que acerca disto também não estou esclarecido, devem andar a escusar-se à obrigação legal de fazer saldos, ou já venderam tudo e estão à espera que a fábrica lhes envie nova remessa, em último caso entraram em falência, agora se foi fraudulenta ou não isso é coisa que ignoro.