Um ex-colega meu tem uma obsessão com os maricas, nem se lhe pode falar nisso que fica logo possesso, começa a bufar por todos os lados, francamente também é exagero, não sei o que lhe terá acontecido na vida para se pôr naquele estado, dá-lhe assim de repente, uma pessoa faz a mínima alusão a homossexuais e pimba, começa ali logo a diatribe, esses gajos isto e aquilo, dá-lhe que dá-lhe, vêm umas atrás das outras, desata a ferver e não é em lume branco, é mesmo a deitar por fora, acho que não é caso para isso mas o que é que se há-de fazer, ele é assim mesmo.
Às vezes uma pessoa puxa-lhe pela língua de propósito, a ver o que acontece, como se não se soubesse já, viste aquele programa de televisão isto e aquilo, com aqueles tipos assim e assado, zás, é automático, parece que lhe carregaram num botão de efeito imediato, surgem de imediato os nomes mais vernáculos do vocabulário, daqueles a que já na Idade Média as crónicas faziam eco, pelo menos o Mattoso meteu-as nas Narrativas dos Livros de Linhagens, e acho que não as inventou de propósito para isso, já lá estavam, pode fazer-se a colação com os originais, já me dei a esse trabalho nem sei bem para quê, é o bichinho curioso que tenho a dar voltas aqui dentro e que uma vez por outra me dá mais do que fazer do que aquilo que já tenho, é o que faz ter para aqui uma livralhada pegada que já não tenho onde a meter, que quando cá vêm a casa fazer obras dizem logo, eh, tantos livros, mas o senhor quer estes livros todos para quê, como se não fossem para ler, os livros, mas para fazer figura nas estantes da sala, eu que na sala até nem tenho livros, só os jornais, as revistas, os cêdês, os vídeos e os dêvêdês espalhados por tudo quanto é sítio e já chega, mas na verdade já me começa a faltar mesmo o espaço, qualquer dia faço como o outro, limpeza geral, vai tudo porta fora, torno-me minimalista, isto é da boca para fora que não tenho coragem para tanto.
Mas o meu ex-colega reformou-se, foi viver para os algarves, os tais do reino de Portugal e dali também, como se intitulavam os nossos antigos monarcas, e vai daí viu-se com um casal de vizinhos homossexuais que passam a vida a pedir-lhe coisas emprestadas, ele é a máquina de cortar relva, ele é a tesoura de podar, a mangueira para regar não sei o quê, anda doido, coitado, no outro dia bateram-lhe à porta às tantas da noite para lhe pedir açúcar emprestado, depois não se calavam e não havia maneira de lhe desampararem a porta, ele corado até à raiz dos cabelos, que fica assim para o avermelhado quando lhe dão acessos de qualquer coisa, isto apesar da pele queimada, nota-se à légua, só os vizinhos é que não dão por nada, zumba, zumba, e mais isto e mais aquilo, acabou por saltar-lhe mesmo a tampa, meteu-os no olho da rua, que é como quem diz, que eu cá nunca vi esse olho nem mais gordo nem mais magro, nem está cientificamente comprovado que as ruas tenham olhos, nem sequer um para amostra, quero desde já que fique claro que não pertenço a nenhuma associação de cépticos, nem de ateístas, nem agremiação de espécie alguma, portanto façam o favor de não estabelecerem ligações desse género nem de tirar quaisquer ilações destas afirmações, desde já ficam aqui os meus agradecimentos, obrigado, e também não sou como o São Tomé, que tenho que ver para crer, mas lá que os cientistas ainda não se pronunciaram a propósito desse tal olho, isso não, mas posso estar distraído, verdade seja dita que não compro lá muitas revistas científicas, mas se tal coisa tivesse sido descoberta certamente que haveria ecos na imprensa, e eu ainda não li nenhuma notícia que diga cientistas do sítio tal descobriram o olho da rua, não li, tenho a certeza, pode ter-me escapado, é verdade, que às vezes só leio as gordas já que o tempo não me chega para ler tudo, ainda tenho que escrever coisas destas, ir às compras, trabalhar, dar uma mãozinha na cozinha, muito embora não seja muito bem vindo por aquelas bandas, já uma vez falei sobre isto.
Os vizinhos ficaram abespinhados, nunca mais lhe devolveram as ferramentas, metem música a altos berros até às tantas, ele que gosta de se deitar cedo e levantar ainda mais cedo, é dos madrugadores, ao contrário da minha pessoa, fazem-lhe a vida negra, apesar de ele ser branquinho, mas moreno, e ainda anda mais furioso, basta uma pequena, muito leve, alusão a homo, e deita chispas por todos os lados, uma vez por outra metemo-nos com ele por causa do detergente para ver o que acontece, nem vos digo nem vos conto, acho que se houvesse células terroristas que precisassem de uma bomba ele seria um sério candidato, que a explosão é pior do que eu sei lá o quê, se houvesse necessidade de outro big-bang era só pô-lo lá no sítio que ele encarregava-se do resto.