O Paulo morreu aqui há dias. Era pouco mais novo do que eu, estava a passear no jardim de casa, sentou-se num banco e ali ficou. Não sabia de nada e não fui ao funeral. Mas também se soubesse não ia, que pela nossa amizade já passou mais do dobro dos anos que ela tinha durado, e as amizades, quando não as alimentamos de tempos a tempos, acabam por esvair-se a pouco e pouco juntamente com a areia da ampulheta que o tempo sobre elas vai forçando. Mas chegou-me a notícia, e a ela se juntou a memória das histórias que vivemos juntos, naquela enorme quinta em que encenávamos gloriosas batalhas entre índios e caubóis, ou em que as tropas aliadas levavam sempre a melhor sobre os alemães nazis, derrotados até à extinção total, ou pelo menos até à hora do lanche.
Mais tarde vieram as tardes da batota, e quando entrámos na dos namoros acabámos por afastar-nos, já não lhe conheci mulher, filhos, nem sequer sei se os teve. Custa-me um bocado que uma vida assim se desvaneça, mas gostava de morrer assim, sentado num banco de jardim, com o cheiro das camélias e das tílias ali por perto, sem uma palavra sequer a mais do que aquelas que vou ainda deixando por aqui e por ali.