«Para começar, da greve de hoje pouco sei, já que, como professor que sou, fui convocado para comparecer na escola onde lecciono meia hora antes do início dos exames, muito embora estes que hoje se realizavam fossem da mesma disciplina que lecciono e que, portanto, nunca poderia vigiar, já que iria contrariar o legalmente disposto. No entanto, não foi esse o entendimento dos responsáveis, que, pelos vistos começam a fazer questão de ignorar as leis.
Como é estranho e contraditório o discurso dos socialistas.
Em segundo lugar, não sei se os exames podem ser considerados ou não serviços mínimos; o que sei é que não conheço nenhuma instituição ou serviço onde tenha havido greves e tenham convocado TODOS os profissionais em serviço. Que eu saiba, serviços mínimos não significam a mesma coisa do que serviço normal (que aliás de normal não tem nada), já que as escolas não têm estruturas para garantir a todos os que nela trabalham um espaço onde o possam fazer quando não se encontram a leccionar, não havendo gabinetes, nem salas de trabalho ou sequer secretárias onde se possa trabalhar em condições, muito menos o ar condicionado que pulula por outros locais onde há gente sem nada fazer o dia inteiro a não ser navegar em blogues ou a jogar no computador. E assim poderemos falar acerca de horários de trabalho, de trabalho efectivo, e não de joguinhos nem de conversas para o lado, inter pares, ou seja lá com quem for. É que o horário de um professor não é para conversar, mas sim para dar atenção constante aos vinte e tal alunos que tem à sua frente, e que requerem constante atenção, muitas vezes sublimando o pouco carinho que obtêm em casa, o reduzido ou inexistente tempo que os pais lhes dispensam. Ou, noutros casos, para lhes dar continuamente noções de civismo, para atender aos seus problemas pessoais, característicos de uma fase de crescimento, para resolver disputas, invejas, confrontos, que os há, e muitos, e, até, para lhes fazer ver que tudo o que alguns pais lhes dão pode ser excessivo, que o mundo não é apenas consumo, o que, pasme-se, é frequente acontecer. A desigualdade começa tantas vezes aí.
Entremos agora pelas remunerações. O vencimento de um professor é baixo, se o compararmos com quaisquer outros licenciados e, se estabelecermos paralelos com outros países europeus, mesmo tendo em conta a diferença de nível de vida, continua a ser baixo. Um professor só atingirá o topo da carreira aos vinte e seis anos de serviço; a partir daí, mesmo que trabalhe outro tanto, a progressão parou. Onde estará então a progressão por mérito? Para chegar onde? Se de facto pensarmos que um professor é um trabalhador por conta de outrém, que o é, os seus impostos são-lhe directa e imediatamente descontados, mês a mês, pelos serviços administrativos. Não pode, como muitos advogados e outras profissões liberais fazem, receber dinheiro e nem chegar a passar recibos. Imagino que a honestidade desses profissionais os levará a declarar TUDO ao fisco, mesmo aquelas verbas que são recebidas sem que haja comprovativo do seu recebimento. E é prática corrente em certas destas profissões fazerem o que tantos fazem, ou seja, avisarem o cliente de que, se quiser recibo, terá que pagar mais não sei quanto. Que honestidade. Que exemplos de civismo. São, na verdade, admiráveis e dignos de imitação.
Falemos dos exames. Os exames do 12º ano competem às universidades, já que contituem única e exclusivamente uma forma de seriação dos alunos para o acesso ao ensino superior. Só que as universidades sempre se recusaram a fazê-los. Dão trabalho? Pois é... Se as escolas secundárias se têm substituído às universidades, então por que razão é que essas provas não passam a ser feitas por aqueles que obtêm nisso proventos, tendo a sua tarefa facilitada? Será por esse mesmo motivo que esses exames são pagos. E quanto a este assunto haveria muito que discutir. Se os enunciados são entregues nas escolas pela polícia, que depois as recolhe e leva para uma escola onde está centralizada a sua distribuição pelos professores correctores, que segurança é que tem um destes professores ao ter que ir posteriormente buscá-las e devolvê-las por sua conta e risco? Quem lhe garante a segurança desses documentos? Ninguém. Nem sequer existe seguro para tais situações.
Repito: como é estranho e contraditório o discurso dos socialistas.
Não sei em que se baseia a ideia de que os professores têm férias de três meses. Penso que deverá provavelmente basear-se nas férias judiciais que eram de dois, e digo eram, porque agora, pelos vistos, foram reduzidas para um. E devem ter ficado profundos ressentimentos. É frequente um professor passar muito mais tempo nas escolas depois de as aulas terem terminado do que antes. O trabalho de encerramento do ano lectivo e de preparação do próximo assim o exige. Porventura pensar-se-á que são os funcionários administrativos das escolas que fazem as matrículas, que constituem as turmas, que telefonam para casa a avisar os alunos de que terão que deslocar-se à escola para reverem o seu processo de matrícula, que ficou incompleto ou que contém incorrecções, ou que foi alterado porque a tutela não permite que a disciplina que o aluno escolheu possa funcionar com um número mais reduzido de alunos, quando uma boa parte das respostas que se obtêm desses telefonemas são de que estão de férias e que só em Setembro é que irão à escola regularizar a situação, impossibilitando ou dificultando a constituição das turmas, e a realização dos horários. Tal e qual. São uns funcionários administrativos chamados professores. Isto para além de também haver reuniões preparatórias, de avaliação dos projectos curriculares, da sua reformulação, dos inventários, dos relatórios finais, da apreciação de recursos, do levantamento de necessidades, da distribuição de serviço, da verificação dos documentos. Isto sem mencionar as vigilâncias a exames e a constituição de júris, a realização de exames internos de equivalência à frequência, para os alunos que pretendem melhorar classificações, bem como para os aplicados alunos que reprovam por execesso de faltas. Grande parte destas tarefas deviam ser efectuadas pelos serviços administrativos, que simplesmente não o fazem. Quem os substitui? Claro: os professores.
Falemos então das explicações, uma forma já antiga de economia subterrânea que ainda persiste, como outras mais de profissionais liberais, isto apesar de haver já instituições em funcionamento que trabalham neste domínio e que possuem contabilidade organizada. E quem delas usufruiu, por necessidade umas vezes, por incompetência de alguns professores, aceito perfeitamente, que há profissionais competentes e incompetentes em todas as profissões, mas outras vezes porque os alunos não prestam atenção nas aulas, quando lá vão, que o absentismo também é causa das dificuldades de aprendizagem, chamemos-lhes assim, que não se esforçam, porque o esforço custa, e o que é necessário é diversão a todo o momento, essas pessoas contribuem para que esse tipo de fuga aos impostos se perpetue. Não é fácil diversificar estratégias em turmas de vinte e tal alunos, prestar-lhes uma atenção personalizada e eficaz face à diferença de aprendizagens e de percursos de aprendizagem destes alunos, que muitas vezes possuem dificuldades em determinadas matérias porque o que aprenderam até então é muito pouco ou quase nada, e só naquele momento se dão conta disso, constituindo um grave problema de atenção de quem também os devia acompanhar nos seus percursos escolares, as famílias, os encarregados de educação, que em muitos casos nem se encarregam dos filhos, quanto mais da sua educação, gostando no entanto de ostentar o epíteto.
A formação contínua de professores possui na verdade graves deficiências no seu funcionamento e nos conteúdos de uma boa parte das acções. Mas é, apesar de tudo, uma prova de que a progressão na carreira não é automática, como se diz. Não compreendo que haja centros de formação que nos seus planos contenham autênticos disparates. Mas também é preciso que se diga que nem todos estes centros são dirigidos por professores. E constituem um organismo à parte das escolas, muitos nem a elas estando ligados. Do que conheço, posso falar; dos outros, obviamente que não estou para isso habilitado nem tenho conhecimento suficiente que me permita fazê-lo. Mas pelos vistos há quem tenha. Mesmo sem nunca lá ter posto os pés. E o que sei é que sempre foi preocupação desse centro que conheço ministrar acções sobre áreas científicas relacionadas com as disciplinas ou com o nível de ensino dos candidatos, sobre as novas tecnologias de informação, porque são hoje um factor inescapável para quem lecciona, ou sobre aspectos de pedagogia ou de organização dos estabelecimentos de ensino, desde a formação de um projecto educativo à avaliação das escolas.
Entremos agora na questão do mérito. De que mérito se trata? Do de leccionar em escolas inseridas em zonas de classe média ou média-alta, cujos alunos são o reflexo do ambiente familiar de quem ali vive, tendo por isso acesso a todos os meios e a informação acessível apenas a alguns? Ou do de leccionar em escolas de subúrbio de classe baixa ou média-baixa, frequentadas por alunos provenientes dos PALOP's ou de outros países, de entre os quais se destacam presentemente os da antiga Europa de Leste, cuja colocação num determinado nível de ensino a escola é obrigada a aceitar, não podendo sequer conceder a esse aluno um ano de preparação, de adaptação, e que em muitos casos nem falam português, que não têm livros em casa, que não têm computadores, que vivem sozinhos o dia inteiro, sem ninguém que fale com eles e os acompanhe? Como se pode sequer alegar tal disparate? Não é possível seriar as escolas apenas pelas classificações obtidas pelos seus alunos, já que as variáveis sociais criam enormes disparidades. Bem que foi tentado há dois anos na seriação dos resultados dos exames do 12º ano, que contudo colocam ao mesmo nível escolas secundárias de zonas como a Portela de Sacavém e o Catujal. Brilhante, sem dúvida. Só quem desconhece por completo a realidade desta sociedade que temos é que pode tecer semelhante raciocínio.
Concordo plenamente com a avaliação por mérito. Mas é necessário saber quem avalia esse mérito e de que mérito se trata. Porque se é mérito obter resultados de 15 ou 16 em escolas de zonas privilegiadas e não o é obter médias de 12 ou 13 em escolas em zonas consideradas complicadas, quem tal afirme sofrerá certamente de uma cegueira profunda acerca do que é o panorama da educação em Portugal.
E, se os professores são avaliados, são-no de facto todos os dias por aqueles que directamente consigo lidam e que até frequentemente o fazem com algum discernimento: os alunos. Muito embora estes prefiram um professor que dê umas baldas e passe os dias com conversas de chacha do que um professor mais rigoroso e exigente. Basta ouvi-los. Porque pelos vistos ser exigente é desagradável. Mas sem o ser é que não se conseguem resultados nenhuns. Conheço poucas classes profissionais que sejam avaliadas desta maneira. Ou que cheguem a sê-lo alguma vez nas suas carreiras profissionais para além dos exames finais de curso. Porque sabem enganar. Porque dominam uma linguagem a que poucos têm acesso, que se encerra a si mesma em normativos feitos por colegas de profissão apenas para serem acessíveis e interpretadas por outros colegas de profissão. Boa. Vê-se afinal para quem trabalha tal gente. Duvido muito é que se progrida com tais cabalísticas.
O que gostava de ver era as pessoas falarem acerca daquilo que realmente sabem. Isso é o que eu gostava. Porque um país de bitaites já somos há séculos. E sem mérito nenhum. E com tais bitaites continuamos a não sair da cepa torta. Que até podia dar bom vinho. Mas não me parece.»
A imbecilidade possui raízes fundas, tão fundas que, na maior parte dos casos, nem consegue mexer-se do sítio onde está instalada para se abrir ao mundo ou ao que quer que seja, que é o que se passa neste país onde toda a gente opina acerca de tudo e mais alguma coisa, mesmo que nada saiba acerca do assunto, ou até achando que sabe, que é a mais nociva e perigosa forma de ignorância, tal como a cegueira de quem vê mas não vê, apenas porque não quer, ou porque não lhe interessa, ou porque acha que tem uma opinião que é melhor do que as de outrém, porque está convencido de que quem sabe umas coisitas de qualquer coisa sabe umas coisitas acerca de tudo, que é tipo de gente simplesmente detestável, pelo menos para mim, que gostos há-os para tudo e mais alguma coisa, até para gostar de gente detestável, para ouvir o que dizem e ler o que escrevem, porque ainda por cima tais individualidades gostam de ouvir-se a si mesmas, há quem diga que até gravam as suas palavras para alimentarem o seu próprio narcisismo e ouvirem repetir o mesmo discurso vezes sem conta, como num ciclo infinito.
Há dias em que uma raiva nos consome, e este é um deles, um dia em que me pareceu voltar aos tempos do antigamente, em que alguém achava que queria, podia e mandava, apesar de tudo, das pessoas, dos seus direitos, das leis que nos regem, de tudo o que há trinta e um anos uns poucos lutaram e conseguiram para o bem de todos.
Pelos vistos ainda não acabaram os tempos das ditaduras...
quarta-feira, junho 15, 2005
Meias tintas
Ia no vai-que-não-vai, no pode-ser-que-sim-pode-ser-que-não, no tanto-se-me-dá-como-se-me-deu, chamavam-lhe por isso o Assim-Como-Assim, outras vezes o Tanto Faz, que era marca sua que deixava indelével em toda a gente com quem travava conhecimento, nos que, por motivos profissionais, se cruzavam com a sua vida, tinha fama de deixar a família ao-Deus-dará, cada qual se governando o melhor que pudesse e soubesse, a vida, segundo ele, não estava para mais, nas meias-tintas é que estava a solução, e dali não saía nem por nada, nem que lhe fizessem ver que uma pessoa às vezes tem mesmo que tomar uma decisão final e definitiva, que não senhor, que qual decisão, qual carapuça, no meio é que estava a virtude, era bem sabido e ideia generalizada e até bem do agrado da maioria, ficar de mal com uns para agradar a outros ou vice-versa era coisa que não lhe agradava, muito embora achasse, bem lá no fundo, que isso era uma espécie de contradição com a sua maneira de estar na vida, o que era ainda outra contradição, já que ter uma opinião formada nem por sombras lhe caía no goto, a maior parte das coisas nem lhe agradavam nem desagradavam, e assim é que devia ser, já n'Os Lusíadas a história começava a meio da viagem, o Camões é que era dos dele, zás, ia-se logo para o meio sem sequer contar como é que tudo começara, depois logo se via, tudo havia de arranjar-se, de encaixar nos lugares certos, e se não fosse desta maneira, pois paciência, ia dar ao mesmo, era mais-coisa-menos-coisa, aos direitos cívicos fazia orelhas moucas, porque uma pessoa teria que fazer opções, e isso não lhe cheirava lá muito bem, e então nunca votava, muito embora sentisse uma espécie de inclinação para os partidos do centro, nada de definitivo, está bem de ver, que era o que mais faltava ter que escolher fosse o que fosse, acto impensável para a sua personalidade, já que implicaria uma rejeição, e muito menos era dado a religiosidades, mas também não era ateu nem nada que se parecesse, ficava-se algures pelo meio, sem-rei-nem-roque, e quanto a chefias, fosse lá no trabalho ou no país, pois viesse quem viesse, que já se sabia que ia tudo ficar na mesma como a lesma, o que até nem lhe desagradava de todo, habituado que estava a que dessem uma no cravo e outro na ferradura, quem estivesse à espera de mudanças pois que fosse para o estrangeiro, já que, de tais medidas, as que, a muito custo, lá iam singrando, passavam-lhe de raspão, adaptava-as à sua maneira, que era achar que ia tudo dar ao mesmo, só que um dia decidiram atribuir-lhe responsabilidades no emprego, puseram-no à frente de um lugar importante, daqueles em que se torna de repente urgente e fundamental tomar decisões, para além de ter que lidar com um pelotão de subalternos, e aí entrou em depressão profunda, foi definhando a olhos vistos e um dia deixou mesmo de aparecer no trabalho, veio-se depois a saber que tinha aderido a um partido de extrema-direita, rapara o cabelo e andava metido em acções de terrorismo urbano, com assaltos a bancos e fabricação de bombas e tudo, tinha já a cabeça a prémio, quando finalmente o apanharam aos costumes disse nada e nunca mais pronunciou uma palavra que fosse que não descambasse logo para slogans decorados de livros e panfletos, numa toada monocórdica e em que não havia nem pitada de discurso pessoal, acabando por morrer na cadeia, esfaqueado por um outro presidiário por causa de coisa nenhuma.
terça-feira, junho 14, 2005
Como desenhar um gato

segunda-feira, junho 13, 2005
Fiscaliza tu, fiscalizai vós, pois claro !
O que mais admira neste país é uma tendência declarada para a roubalheira e para enganar o próximo e uma inaptidão para o negócio e a ineficácia de quem devia tomar conta das coisas, que para isso se candidatou, se ofereceu, se disponibilizou, seja lá o que for que essa gente faz, como o faz, e de que vive, mistério que sempre me assolou e para o qual até hoje não consegui encontrar solução, muito embora ainda não tenha desistido de encontrar para ele uma resposta lógica, coerente e globalmente satisfatória, mas essa falta de olho para o negócio, a não ser que tenha algo de ilegítimo, admira-me sobremaneira quando do que se fala é de uma economia competitiva e capaz de conferir alguma notoriedade aos poucos produtos que ainda vai produzindo, reflexão esta que vem a propósito de ter ido passar um diazito de descanso a um hotel da chamada Costa de Prata, em cujo bar se vendia mais bebidas estrangeiras do que portuguesas e onde nem figura um único vinho português, se descontarmos os inevitáveis vinho do Porto e Madeira, que bem podiam ter aqui uma óptima oportunidade para, constando na ementa, divulgar a produção portuguesa de qualidade nesta área, que a há, e boa, diga-se, ao mesmo tempo que dava uma maior visibilidade aos vinhos perante os turistas estrangeiros - e portugueses - que frequentam tal estabelecimento, contribuindo para a divulgação destes produtos em detrimento de beberragens importadas e com um muito maior teor de álcool, e mais nocivas para a saúde e para a balança de pagamentos, em que devíamos estar todos empenhados, o que pelos vistos não é bem assim, tal como não é o facto de servirem as bebidas e não trazerem de imediato um talão de caixa ou uma factura, acto assaz invulgar neste nosso país, ao contrário do que se vê lá pela estranja, não admirando mesmo nada que a fuga ao fisco se dê por tudo o que é fresta por onde a tal fuga se pode dar, pelos vistos há falta de fiscais para darem com a marosca que se pratica todos os dias e a todas as horas, ou então dos que para aí há grande parte está-se nas tintas ou andam a untar-lhes as mãos bem untadas, já que mexem em tantas coisas escorregadias, quando o que devia acontecer era exactamente o contrário, que não percebi até aos dias de hoje quem anda a fiscalizar o quê, a tendência que tenho notado é para andarem a chatear os pequenos e o peixe mais graúdo, já dizia o famoso padre do século dezassete, come os outros todos e ainda fica a rir-se a bandeiras despregadas, que é frase que nunca entendi bem o que quer dizer e de onde vem, será certamente mais um daqueles mistérios bem peculiares cá dos nossos para juntar a tantos mais, que falta deles é que não temos, até se podia exportar, e se calhar até dava para contribuir para o equilíbrio da tal balança, que anda cada vez mais avariada e com falta de fiscalização, pelo menos é o que eu acho.
domingo, junho 12, 2005
Teimosias de gato - capítulo IV

sábado, junho 11, 2005
Teimosias de gato - capítulo III

sexta-feira, junho 10, 2005
Teimosias de gato - capítulo II

quarta-feira, junho 08, 2005
Teimosias de gato - capítulo I

terça-feira, junho 07, 2005
Causas dos conflitos generacionais (e o cinema não ajuda mesmo nada)
Ao percorrer a blogosfera, dei de caras com um post delicioso que elucidava o quanto os conflitos entre gerações por vezes surgem por causas alheias e por mal-entendidos que poderiam ser perfeitamente evitáveis, facto que não me admirou mesmo nada, só de pensar nos gostos da minha geração face aos da dos meus progenitores, muito embora a coisa se tenha vindo a desvanecer bastante ao longo dos anos, com o claro óbice de que nunca consegui que os meus pais gostassem de ouvir Led Zeppelin, nem muito menos Velvet Underground ou Brian Eno, que o mais a que se atreviam era a balada do Scott Mckenzie San Francisco ou o Ob-la-di Ob-la-da dos Beatles, e mesmo assim com algumas reticências.
O tal post vai na língua original, a inglesa, porque é assim que o acho mais saboroso. E deixo aqui a referência ao blogue.
«Things My Students Said While Confused About Star Wars
So my kids are all about the new Star Wars movies. Edward did a drawing of "Dark Vader" and told me that he's really Anakin Skywalker. I was shocked. But when a co-worker brought in a vhs of the original (non-screwedup) Star Wars, I thought it'd be a good reward to show my little ones last Friday. But it ended up confusing them more than comparing fractions.
First off, the whole chronology threw them for a loop. They, understandably, couldn't figure out why movies that were made twenty years before they were born took place AFTER a movie that's out in the theater now. But that was just the beginning. (It didn't help that the poor kids have only seen episodes 1 and 2.)
Upon seeing Storm Troopers shoot people: "I thought those were good guys. Where's Yoda?"
Upon seeing Luke: "Who is that?" (repeatedly)
Upon hearing his last name: "Is that Anakin's brother or something?"
Upon seeing Obi-Wan: "Who is that?" Then, "Why is he so old?" Later still, "Darth Vader didn't kill Anakin! He IS Anakin!"
Poor bastards haven't even met Han Solo yet.»
Sem mais comentários...
segunda-feira, junho 06, 2005
Fingimentos
Por aqui não há vozes,
sorrisos, carícias.
Por aqui há apenas letras, palavras soltas,
nomes fingidos, e alguns sonhos.
Por aqui vive-se depressa,
uma vida a brincar,
escondida no meio dos outros.
Por aqui não se morre,
e quando se chora as lágrimas são letras,
pequeninas, perdidas no meio do mar.
Por aqui o sal não é sal,
um sorriso parece de papel,
porque nem fica escrito.
Por aqui pareço ser quem sou
e sou quem não pareço,
escondido,
a fazer caretas atrás de um vidro
que nem é transparente.
Por aqui vou deixando
pedaços de vida,
devagar, um após outro,
até deixar de pensar.
domingo, junho 05, 2005
O bife raspado
Uma das melhores memórias gastronómicas da minha infância, se não for a melhor de todas elas, data aí dos meus dois ou três anos de idade, quando, depois do banho e embrulhado numa toalha turca, a minha mãe me servia bife raspado, que me sabia melhor do que ginjas, que era coisa que eu desconhecia por completo nesses tempos, e se houvesse se calhar achava que o bife raspado era bem melhor do que as ditas ginjas, já que não me recordo de coisa que me agradasse mais do que isso, daqueles pequeninos pedacinhos de carne frita em molho de manteiga que eu me deliciava a mastigar e engolir, mais tarde substituídos por uma coisa sem graça nenhuma que se chama carne moída, ou hambúrgueres, em detrimento da raspada, hoje praticamente desconhecida e que dá algum trabalho a preparar, certamente mais do que moer carne, mas cujo sabor nem se compara, e da carne moída, que me lembre, faziam-se empadões, croquetes e pouco mais, depois de crescido vim a encontrar bife raspado num restaurante já desaparecido, bem simpático e fora de moda, o Monte Carlo, que ficava na Fontes Pereira de Melo, num dos lados do Monumental, onde actualmente há uma dessas lojas espanholas de roupa que se vêem por todo o lado e que nada trouxeram de bom àquela zona, onde também se servia um linguado delícia que era mesmo uma delícia, com um serviço daqueles à moda antiga, em que os empregados nos tiravam as espinhas enquanto serviam o peixe no prato, um serviço realmente de invejar, e pelo qual até nem se pagava nada demais, luxos que já não encontro em mais lado nenhum, por mais que se apregoem certos restaurantes e por mais escolas de hotelaria onde aprendam nem sei bem o quê, mas bife raspado já nem sei onde haja, as saudades que me deixaram, as da infância e as outras, já mais crescidinho, aprendi a armazená-las num recanto da alma onde se chora sem remédio algum, onde sei que encontro breves instantes de felicidade e de prazer que nunca mais se irão repetir e que de quando em vez me apetece deixar escritos por aqui e por ali, em lágrimas feitas palavras.
sexta-feira, junho 03, 2005
Contributo atrasado para o Dia da Criança
Tinha que acontecer. Mais dia menos dia. Era tiro e queda. Com tanta distracção, nem era para mais. A toupeira perdeu os óculos. O que, diga-se, era um grande problema. Cegueta como era, agora é que não via um metro à frente do nariz. Nada de nada. Se lhe passasse um elefante ao pé, ficava a pensar que diabo seria aquilo. Porventura um comboio ou um camião, quem sabe o que vai na imaginação das toupeiras, ainda por cima ceguetas. E para mais, depois de perder os óculos, uma toupeira fica com o juízo meio avariado, para já não dizer nada acerca do apetite, porque uma toupeira sem óculos é certo e sabido que fica com um apetite que nunca mais acaba, até é capaz de comer uma melancia inteira, duas dúzias de iogurtes, uma saladeira cheia de alface e tomate, uma terrina, das grandes, de sopa de cenoura, tudo bem acompanhado com sumo de laranja natural, que nisso as toupeiras são bastante exigentes. Ficam a ver mal mas o paladar torna-se muito apurado. Olá se não fica. De mais a mais, é sabido que a falta de vista leva a um paladar apuradíssimo.
O pior, o mais difícil nisto tudo, era dar com as coisas na cozinha. Sem óculos, como é que uma toupeira há-de dar com o frigorífico, para já não dizer nada acerca da loiça? O mais certo era confundir tudo e sair-se com uma salada de fruta em vez de salada de alface, com uma sopa de melancia e sumo de iogurte. É que as toupeiras são um tanto ou quanto orgulhosas. Demasiado orgulhosas para pedir ajuda seja a quem for. E teimosas. Aqui à parte, só para nós, que elas não nos ouvem, são também um bocado duras de ouvido. Quando aparecem no jardim e uma pessoa diz para elas se irem embora é o mesmo que nada. Das duas uma: ou não ouvem, ou fingem que não ouvem. Se calhar é até fingimento, que as toupeiras gostam de fingir por tudo e por nada, fazem de conta que não é com elas.
- Ah, era comigo, não sabia, pensava que estavam a falar ali com o cachorro do vizinho, que é mal educado e ladra a toda a gente, no outro dia até ameaçou que me dava uma dentada se pusesse a cabeça de fora do buraco. Estão a ver o descaramento do bicho?
- Não senhora, era consigo, era, e não faça de conta que estava distraída ou qualquer coisa no género. Eu cá não acredito nesses seus ares superiores, de que não é da sua conta. É, sim, senhora.
Mas sem óculos uma toupeira sai de casa e depois já não consegue dar com o buraco, mete-se no dos vizinhos, que lhe atiram com um molho de rabanetes à cabeça, podres, está claro, qual era a toupeira que ia atirar comida fresca pela porta fora? Nem pensar! São umas unhas de fome. Está reconhecido. E internacionalmente. Ainda no outro dia as Nações Unidas fizeram uma declaração a condenarem precisamente as toupeiras por causa de serem forretas. Por isso não é de admirar que não tenham um par de óculos de reserva para as emergências. Qual quê. Gastar dinheiro em dois pares de óculos? Um chega, e é uma sorte.
Meu dito, meu feito. O pior foram as consequências. Para além de ter levado com uma data de legumes podres em cima por se ter enganado no buraco uma data de vezes, ainda teve que dormir ao relento, porque não houve uma vizinha que fosse que lhe indicasse o caminho de casa. É que, tudo somado, as toupeiras são tidas por muito pouco simpáticas umas para as outras. Quais ajudas, qual carapuça. Nada. Nem sequer uma palavrinha amiga.
- Cá se fazem, cá se pagam -, diziam as vizinhas. - Quem te manda andares para aí a vadiar e ainda por cima perderes os óculos?
É para se ver no que dá ter a mania de ser toupeira. E distraída, ainda por cima. Toupeira que se preze não perde os óculos em lado nenhum.
