Uma das melhores memórias gastronómicas da minha infância, se não for a melhor de todas elas, data aí dos meus dois ou três anos de idade, quando, depois do banho e embrulhado numa toalha turca, a minha mãe me servia bife raspado, que me sabia melhor do que ginjas, que era coisa que eu desconhecia por completo nesses tempos, e se houvesse se calhar achava que o bife raspado era bem melhor do que as ditas ginjas, já que não me recordo de coisa que me agradasse mais do que isso, daqueles pequeninos pedacinhos de carne frita em molho de manteiga que eu me deliciava a mastigar e engolir, mais tarde substituídos por uma coisa sem graça nenhuma que se chama carne moída, ou hambúrgueres, em detrimento da raspada, hoje praticamente desconhecida e que dá algum trabalho a preparar, certamente mais do que moer carne, mas cujo sabor nem se compara, e da carne moída, que me lembre, faziam-se empadões, croquetes e pouco mais, depois de crescido vim a encontrar bife raspado num restaurante já desaparecido, bem simpático e fora de moda, o Monte Carlo, que ficava na Fontes Pereira de Melo, num dos lados do Monumental, onde actualmente há uma dessas lojas espanholas de roupa que se vêem por todo o lado e que nada trouxeram de bom àquela zona, onde também se servia um linguado delícia que era mesmo uma delícia, com um serviço daqueles à moda antiga, em que os empregados nos tiravam as espinhas enquanto serviam o peixe no prato, um serviço realmente de invejar, e pelo qual até nem se pagava nada demais, luxos que já não encontro em mais lado nenhum, por mais que se apregoem certos restaurantes e por mais escolas de hotelaria onde aprendam nem sei bem o quê, mas bife raspado já nem sei onde haja, as saudades que me deixaram, as da infância e as outras, já mais crescidinho, aprendi a armazená-las num recanto da alma onde se chora sem remédio algum, onde sei que encontro breves instantes de felicidade e de prazer que nunca mais se irão repetir e que de quando em vez me apetece deixar escritos por aqui e por ali, em lágrimas feitas palavras.