Aquilo que sinto nos últimos tempos é francamente desânimo, frustração, e uma boa dose de ira, pecado que figura na lista dos mortais e que tanto se me dá que lá esteja ou não, mas que não é mesmo nada bom de sentir, porque nos retira a paz de espírito e nos coloca numa situação em que nada apetece fazer para além de cumprir, pelo menos a nível profissional, aquilo que temos que fazer com um mínimo de envolvimento e desgaste emocional, no fundo ser o que de mim esperam, ou seja, que exerça a minha profissão de professor com assiduidade e que dê a matéria que tenho para dar, que esta seja assimilada e compreendida e que no fim avalie os alunos por aquilo que aprenderam ou não, por aquilo que fizeram ao longo de todo um ano, e é aqui que as coisas mudam de figura, quando se percebe que esses alunos afinal necessitam de muito mais do que apenas que lhes ensinem a matéria relativa à disciplina xis ou zê, precisam de quem lhes transmita valores, noções básicas de civismo, para já nem falar de alguma - por vezes bastante acrescida - dose de afectividade.
Se de mim esperam afinal que cumpra um determinado horário, e parece que é isso que nos últimos tempos vem apoquentando algumas almas infelizes que não se percebe bem como é que continuam a ter confiança na escola oficial e em que lá ensina, e ali mantêm os seus filhos, na esperança de que aprendam o que nem sei bem que esperam que a escola lhes ensine, porventura os valores e atitudes que em casa se eximem de lhes transmitir, que apenas ensine o que os alunos devem aprender na disciplina que me cabe leccionar, estarão desde já a colocar de parte tudo o resto, que pelos vistos de pouco vale, para além do mero cumprimento de um horário, como se ensinar crianças e adolescentes e apontar-lhes um caminho para que venham a usufruir dos seus direitos e que venham a cumprir os seus deveres fosse a mesma coisa que colocar carimbos num documento, ou ver se está em conformidade com o que alguém estipulou dever ser o modelo pelo qual se devem reger tais papeladas, como se as pessoas que frequentam as escolas mais não fossem do que papéis ou números alinhados numa qualquer parcela, um mero exercício de álgebra ou um simples alinhamento de palavras sem alma numa folha de papel.
Nem sei porque aqui faço eco do que vou sentindo nestes dias, talvez porque o que afinal apetece é cumprir o tal horariozito e olhar para essas pessoas como parcelas, já que parece ser essa a finalidade de quem julga a profissão de professor, de quem pensa que educar é afinal estar num local das tantas às tantas a cumprir calendário, porque talvez seja isso que no fundo fazem nas suas actividades profissionais, olhando para quem lhes passa pela frente como fontes do seu bem-estar financeiro e da sua prosperidade social, aguardando apenas pelo momento de lhes apresentar a conta pelos serviços que prestam, sem muitas vezes tomarem em consideração que se trata de pessoas, de gente com problemas que é mais fácil ignorar do que ajudar a ultrapassar, mantendo uma despreocupação que lhes será mais salutar do que levar tais ralações consigo para casa e ficar a matutar dia e noite qual a melhor maneira de os solucionar, ou pelo menos de contribuir para os suavizar.
Também nem sei que razão me leva a manter este blogue - e os outros -, porque não desisto de aqui persistir na escrita ou no que quer que seja, afinal que finalidade pretendo atingir, certamente que não a da promoção pessoal, nem disto tiro dividendos para a minha profissão, nem faço alarde do pouco que vou conseguindo todos os dias, quando observo que alguém que me surge cheio de dificuldades num determinado aspecto afinal acaba por ultrapassá-las, não tenho medida para isso, nem sequer um produto final que não seja daqui a uns meses deparar com mais dificuldades que tenho que uma vez mais ajudar a ultrapassar, com problemas que vou ajudando a resolver, com maior ou menor sucesso, porque não dependem inteiramente da minha vontade, mas sim de vontades que me são alheias, que têm uma força tantas e tantas vezes muito maior do que a minha, com obstáculos que surgem dia após dia e que é necessário vencer, com silêncios frequentes que escondem dúvidas, complicações, problemas sociais e pessoais graves, todo o tipo de emoções e, algumas vezes até, doenças, que familiares desatentos e despreocupados nem sequer se dão ao trabalho de perceber e de diagnosticar, nem mesmo delas suspeitar, porque ser professor é tudo isto.
E afinal para quê escrever palavras como estas, para quê escrever seja o que for, para que línguas maldizentes, para que obstinadas cegueiras, para quê escrever, para quê?