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  • terça-feira, março 28, 2006

    666:2=333

    J

    á cá cantam 333, que é metade de 666, ou seja, meia-besta, isto deve querer dizer que já vamos a meio da desgraça completa, do apocalipse, pelo menos se fizermos fé em tais teorias cabalísticas, já não falta tudo, portanto, a metade do caminho já chegámos, apesar do endémico atraso a que já nos habituámos nestas nossas andanças pelo mundo, que agora é global, como se até agora tivéssemos vivido em meia-laranja, como o bairro, que não tinha lá muito boa fama, mas isso são outras histórias que não vêm ao caso, pois lá vamos indo, a cantar e a rir, que é para não parafrasear em cheio a antiga cantoria de que já poucos se lembram, estou mesmo a ver os velhotes agarrados ao computador a preencherem os formulários de reforma, os desempregados, especialistas na Internet (e por isso mesmo é que estão desempregados, porque isso não dá emprego a ninguém), a candidatarem-se a empregos por meios electrónicos, as viúvas idosas encantadas da vida nos sites da caixa virtual de pensões, ou lá o que será de futuro, e a enviarem mails atrás de mails umas às outras a relatarem os mexericos, a engrossarem os ficheiros de receitas de culinária, a comentarem nos blogues umas das outras, um país assim é um regalo para a vista, para já nem falar do ego, de quem é que eu não sei, o pior é o resto, que uma pessoa tem que inscrever-se nesses sites e depois mandam as senhas pelo correio, à moda antiga, não queriam lá ver uma pessoa agora livrar-se por completo e de uma penada só dos carimbos, dos selos fiscais, das cartas registadas e do resto da papelada, está-se mesmo a ver aí por essa província as conversas a mudarem radicalmente de conteúdo, «a comadre ainda não recebeu a sua senha, pois eu já, fui ao site da caixa, meti os dados no formulário num ápice, cliquei no rato e lá foi ele, direitinho para casa do senhor ministro, isto assim é uma maravilha, não vê a comadre», «pois eu ainda estou à espera da senha, aquele maldito carteiro coxo não há maneira de ma levar a casa, depois é rápido, já fui ver ao site, aquilo é mesmo simples, a gente mete lá o nome, os rendimentos, os nossos dados pessoais todos e pronto, também só se fosse tola é que não sabia, ora essa».

    Posted by: Rezendes / terça-feira, março 28, 2006
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    sexta-feira, março 24, 2006

    Lisboa, inverno, noite, avenidas novas

    D

    a cabina telefónica situada a meio da avenida conseguia ver a janela iluminada do escritório, tinha sido por isso mesmo que a escolhera, e quando discou o número sabia de antemão que já lá havia gente, que o outro já lá estava, uma rotina nocturna estudada há já algum tempo, para que se cumprisse a sequência de acontecimentos prevista ao pormenor, para que nada falhasse, para que o plano se cumprisse rigorosamente, como se o cronometrasse uma entidade superior, distante, omnisciente, numa precisão matemática, quando todos os termos confluem para um inequívoco resultado, uma inexorável equação recheada de incógnitas que acabam por se ir revelando aos poucos e poucos e de onde o mistério se vai desvanecendo até nada restar senão um resultado perfeito, incontestável, a beleza de tudo reside no processo, que vai deixando atrás de si os resquícios de um raciocínio lógico cruel, frio, impiedoso.
    Marcou a sucessão de algarismos há muito decorada e esperou até que a voz lhe surgisse no auscultador antes de começar a enumerar os nomes:
    - Estou? – ouviu.
    - Margarida Freire, Lúcia Freire, José Manuel Liberato.
    - Quem fala? – Repetiu a voz.
    - Margarida Freire, Lúcia Freire, José Manuel Liberato – repetiu.
    - Mas quem é? O que deseja? – A voz hesitava.
    - Lembras-te destes nomes? – Perguntou.
    - Que nomes? Quem fala?
    - Os nomes daqueles que mataste – sentenciou friamente.
    - Mas quem fala? Quem é o senhor? Não conheço essas pessoas. Nunca ouvi esses nomes. Vou desligar.
    Mas o clique habitual de fim de ligação não se fez ouvir, pairando no ar a respiração entrecortada de ambos os interlocutores, numa sede de palavras, as que se poderiam suceder, as que teriam que vir a seguir.
    - Ana Maria Araújo Cunha, José Raposo Cunha.
    - Esses são os nomes do meu filho e da minha neta. Como é que os conhece? Mas quem é o senhor? O que é que quer? – A voz tornara-se ansiosa.
    - Esses nomes que acabaste de ouvir, agora mesmo, o do teu filho e o da tua neta, podes riscá-los. Já não existem.
    - Como? O que é que quer dizer com isso? Já não existem como? – A voz tremia na outra extremidade do fio.
    - Morreram. Foram mortos. Tal como tu fizeste aos primeiros nomes que ouviste.
    - O quê? O que é que está a dizer? Não percebo.
    - Percebes, sim. – O tom era gélido, como o são todos os marcados pela vingança.
    - Mataste-os há 35 anos, na tua cadeia, pide de merda.
    Um soluço surgiu através do auscultador.
    - Agora sou eu que te faço pagar as vidas que tiraste. Agora sou eu que mato. Que te matei um filho e uma neta. Que te irei matar a tua filha, e os teus outros netos. Até não restar nada do teu sangue nesta terra.
    - Mas o que diz? O meu filho? A minha filha? Os meus netos? Mas quem fala? O que é que lhes fez? – Era um tom de desespero que gemia pelo telefone.
    - Matei-os. Não sofreram muito. Ao contrário daqueles que assassinaste.
    - O que diz? Eu não matei ninguém.
    - Claro que não, claro que não. Mais inocente do que tu não pode haver. Nunca fizeste mal a uma mosca, pois não? Nem nunca foste inspector da PIDE. Nem torturaste ninguém. Foste um santinho a vida inteira. Mas eu sei. Conheci-te aqui há uns anos. Foste-me apresentado. Tu e os teus aparelhos de tortura.
    - Não é verdade. Eu nunca torturei ninguém.
    - Pois não. – A frieza da sua voz era agora irónica, quase metálica. – Nem deste cabo da vida a uma data de gente.
    - Eu? E quem é o senhor? De onde é que me conhece? O que fez à minha neta? E ao meu filho?
    - Já te disse: matei-os. E nunca hás-de descobrir onde os pus. Vais procurá-los o resto da tua vida miserável, como me fizeste procurar aquelas que eu amava. E o meu filho, que nunca chegou a nascer. Matar uma grávida! Só mesmo um filho da puta como tu.
    - Isso não é verdade. Eu nunca matei ninguém. Muito menos mulheres grávidas.
    - Claro que não. Apenas lhes deste sumiço. E a mim, grande sacana? Já nem te lembras do que me fizeste, pois não? Deste cabo de tantos que já nem te lembras de quem.

    Este post é, afinal, apenas uma ideia, um apontamento para uma história mais longa que talvez o tempo, que me falta agora, possa vir a permitir-me desenvolver mais tarde.

    Posted by: Rezendes / sexta-feira, março 24, 2006
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    segunda-feira, março 20, 2006

    A Maria Carriça

    J

    á vem de há anos a esta parte, e não tão poucos como isso, a mania inglesa de cobiçarem tudo quanto vêem neste país dos pequeninos, primeiro eram as terras no Norte de África, depois lá para os lados das Índias, para já nem falar nas princesas e nos dotes, em dinheiro e em espécie, que gente daquela não tem nada de seu que não tenha levado de qualquer lado, emprestado, a título definitivo ou quase, oferecido de mão-beijada, e nisso os portugueses sempre foram assim, amigos de darem tudo e ficarem com quase nada, é uma gente modesta, a quem para viver basta um pedacinho de terra, umas couvitas, umas galinhas e pouco mais, aproveitadores é o que são, essa gente que até bem há pouco tempo não se entendia sequer no seu próprio país porque não percebia o que uns e outros diziam, basta ver que ainda por lá andam à bulha, mas isso também aqui ao lado os nossos vizinhos sofrem do mesmo, é no que dá a mania das grandezas, e nos tempos mais recentes o que se viu foi mais do mesmo, que uma pessoa já nem pode ter um pedacito de terra lá para os suis com praias, água morna e um tempo assim-assim, que lá vêm suas excelências instalar-se no que não é deles nem nunca foi e fazem daquilo propriedade sua, levam os jogadores da bola, depois os treinadores, que é dos poucos produtos que ainda valem alguma coisa para exportação, isto nem falando nos vinhos licorosos, são mesmo doentes da cobiça, ai-não-que-não-são, e ainda por cima uma pessoa nem se pode fiar neles, senão ainda vêm por aí fora pôr-nos a barcaria toda na barra do Douro ou do Tejo e depois nem saímos nem entramos, ficamos a ver navios, é o que é.

    Posted by: Rezendes / segunda-feira, março 20, 2006
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    sexta-feira, março 17, 2006

    Nomes de gente

    H

    á quem tenha a mania de dar aos filhos os nomes mais estranhos que se pode ouvir à face da terra, habitualmente são os brasileiros quem dá cartas nesta arte, com uma capacidade inventiva que causa inveja às almas mais criativas deste mundo, mas nestes últimos tempos é possível assistir às mais estapafúrdias lembranças em matéria de nomes que não passariam pela cabeça de ninguém, quer dizer, pelos vistos passam pelas de uns quantos, a julgar pela amostra que vai aparecendo nos registos de nascimento e que, de uma maneira ou de outra, acabam por chegar a público e de entrar no rol das estranhezas, como é o caso de uma criatura a quem os progenitores tiveram a ideia de chamar Lenina, coitada da rapariga que provavelmente nem sabe a quem deve o nome, que hoje em dia juventude mais politizada é coisa algo rara, e mesmo assim nem sempre as tendências caminham no mesmo sentido dos respectivos antecessores, que nisto de gerações sempre se ouviu falar de conflitos, ainda assim vá-lá-vá-lá que não optaram por Estalina, que aí é que seria a desgraça completa, imagino a galhofa dos colegas desde os primeiros anos de escola, a Estalina estala, estala lá, ó Estalina, e coisas no género, para Lenina sempre é mais complicado desencantar tão óbvias graçolas, mas a pobre da criatura bem que podia chamar-se Trotsquina, ou outra preciosidade no género, recorda-me agora um amigo meu que tinha uma tia chamada Portugal, mas a quem, por ser muito gorda, chamavam tia Península Ibérica, um dia destes aparece uma Bolchevica, se calhar até já anda por aí e eu é que não sei, o que é feito dos nomes de antigamente é que é um mistério, já se sabe que nisto de ter filhos e de ter que encontrar uma nomenclatura não é mesmo nada fácil, é obra, há quem vá pelos nomes dos santos, pelas letras do alfabeto, conheci uns irmãos cujos nomes começavam todos pela letra dê, Dione, Délia, Dídio, enfim, são manias como outras quaisquer, agora nomes sonantes como os de outrora é que tomaram sumiço, acabaram-se os Honoratos e as Brancas, quem é que se atreve a chamar Branca à filha nos dias que correm, só se for doido, isto para já nem falar das Urracas, das Brígias e outras que tais, que essas há séculos que desapareceram dos tombos, e isto já nem é bem Portugal, é outra coisa qualquer, mas Portugal não é, pode ser a Europa, ou a União, ou lá que nome lhe dão, que rima com globalização, agora vem aí Bolonha e é um vê-se-te-avias de cursos, que o que é preciso é ter aí um ror de licenciados à pressão para ver se ficamos iguais aos outros todos que já nem vale a pena sermos diferentes, para quê, fica tudo igual e pronto, arruma-se a questão, daqui para a frente começo a escrever in english, porque o Portuguese está a morrer inch by inch e já não vale a pena lutar against it, mais vale irmo-nos adaptando às inches e esquecermo-nos dos metros e os centímetros, deve ser por isso que uma data de gente já começa a conduzir pela esquerda, é um notável esforço de adaptação, não tenhamos dúvidas, os outros todos é que vão pelo lado errado, ora essa.

    Posted by: Rezendes / sexta-feira, março 17, 2006
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    terça-feira, março 14, 2006

    Os computadores dão puns?

    É

    facto por demais conhecido que de vez em quando os computadores fazem puf e vão-se, apagam-se, recusam-se terminantemente a acender luzes e a fazer seja o que for, entram de fim de semana, de férias, em greve, de zelo ou lá o que é, permanecem assim apagadinhos, sossegados lá no seu canto, nem tugem nem mugem, nem um arzinho da sua graça dão para amostra, ficam-se, perseveram no seu mutismo, bem se pode instá-los a que reajam, despejar uma caterva de insultos para cima deles, passar-lhes a mão pelo pêlo, desfiar um rosário de termos carinhosos, que a coisa não pega, de jeito nenhum, a coisa só vai lá com consulta marcada e despesa na farmácia, que é como quem diz no hospital dos computadores, e depois são os dias a olhar para ontem, à espera do SMS ou do telefonema a dizer que ele já está bom, pronto para outra, vem de semblante contente e tudo, ou não nos tivesse feito gastar uma pipa de massa com os tratamentos de beleza, tudo isto é mais do que certo e sabido, agora que o computador fizesse, sem mais nem menos, PUM, PUM mesmo, e fosse desta para a melhor é que é mais inusual, nunca tal me tinha acontecido, que podia ser um espirro a prenunciar outras desgraças, uma daquelas tosses de catarro que levam discos e tudo, mais o que lá está dentro, e nos põem a tremer que nem varas verdes, afinal de contas até nem era doença rara nem contagiosa, nem sequer gripe dos computadores, a tal de fonte de alimentação é que se recusou a continuar a alimentar-se, tornou-se bulímica, sei lá, deve ser mania das fontes de alimentação, fecham a boca e recusam o resto da sopa, mas que me deixou a ver navios, lá isso ninguém lhe tira, se calhar achou-me com cara de descendente de algum navegador de quinhentos, que por pouco ia sendo isso mesmo o que me ia custanto a brincadeira, não querem lá ver?

    Posted by: Rezendes / terça-feira, março 14, 2006
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    segunda-feira, março 06, 2006

    Sobre a gripe das aves

    A

    gata Renata batia-lhe desalmadamente com a colher de pau na cabeça:
    - Não querem lá ver esta galinha estúpida, que anda que nem uma doida de um lado para o outro a sujar-nos o quintal todo de porcaria, e ainda por cima se põe ali à cata de qualquer passaroco que lhe apareça vindo sabe-se lá de onde para lhe dar conversa e sabe-se lá o que mais?
    E continuava a dar-lhe com a madeira no alto da cabeça, com uma pontaria de fazer inveja aos melhores atletas olímpicos do desporto de bater-com-a-colher-de-pau-na-cabeça-seja-lá-de-que-for.
    - E de quem são os ovos que ela põe aí pelos cantos, hem? Se calhar de algum galdério de algum ganso desses que só cá metem os pés na Primavera, ou no Inverno, ou quando calha... Grande parva.
    Seguiam-se mais duas ou três valentes colheradas na crista.
    - É uma sem-vergonha, é o que é. Ainda nos há-de dar cabo da vida a todos, pegar-nos uma doença qualquer, o pato Anselmo já anda por aí a tossir pelos cantos, o Chico cachorro tem a voz rouca que ninguém percebe nada do que ele diz, se bem que nunca se percebeu lá muito bem a conversa dele, mas isso é outra história, as outras galinhas andam num desassossego que ninguém as atura, o galo já deu baixa de psiquiatria e há nove semanas e meia que o têm para lá trancado numa cela com uma data de maluquinhos, e tudo por culpa de sua excelência.
    Zás, lá caíam mais duas ou três colheradas.
    - Gosta de falar línguas estrangeiras, a menina, é? De conhecer passarinhos de outras terras? E se tivesse mas era juízo, hem?
    E pimba, choviam mais umas paulitadas, que a desgraçada da galinha Rosinha já tinha a crista toda negra.
    - Um dia destes ficamos todos para aqui cheios de febre, dão-nos cabo do canastro, fazem-nos um funeral colectivo, e acaba tudo na vala comum. Que bonito, não é? - E trás, trás, trás, a colher subia e descia na cabeça da pobrezita.
    - E ainda não aprendeu a lição. Agora anda por aí a dizer que está à espera do regresso do ganso Lino, que lhe prometeu umas espigas de milho lá dos países do sul. Ainda por cima é gulosa. Grande parva.
    E deu-lhe tantas e tão poucas que a galinha Rosinha ficou de cabeça meio à banda, a dona achou aquilo tudo estranho, chamou o veterinário, houve quarentena, internamento, extermínio colectivo, desinfecção, e acabou por não sobrar nem um bicho para amostra. Nem sequer a gata Renata. Veio tudo escaparrachado nos jornais, que a gripe já cá estava, que era o tal de vírus dos agás énes, fizeram uma limpeza geral nos aviários de norte a sul, nem as criações domésticas escaparam, sumiram-se os ovos, as omoletes, os bolos e bolinhos, encerraram os Chicken não sei das quantas, as pastelarias deixaram de vender pastéis, sobreveio a crise, a bancarrota, a miséria, conflitos generalizados, donde se pode concluir que uma galinha doida pode trazer muita desgraça junta.

    Posted by: Rezendes / segunda-feira, março 06, 2006
    |

    sábado, março 04, 2006

    Emprestado do Álvaro de Campos



    ANIVERSÁRIO

    No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
    Eu era feliz e ninguém estava morto.
    Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
    E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

    No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
    Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
    De ser inteligente para entre a família,
    E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
    Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
    Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

    Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
    O que fui de coração e parentesco.
    O que fui de serões de meia-província,
    O que fui de amarem-me e eu ser menino,
    O que fui --- ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
    A que distância!...
    (Nem o acho...)
    O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

    O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
    Pondo grelado nas paredes...
    O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
    O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
    É terem morrido todos,
    É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

    No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
    Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
    Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
    Por uma viagem metafísica e carnal,
    Com uma dualidade de eu para mim...
    Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

    Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
    A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça,
    com mais copos,
    O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado---,
    As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa, No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

    Pára, meu coração!
    Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
    Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
    Hoje já não faço anos.
    Duro.
    Somam-se-me dias.
    Serei velho quando o for.
    Mais nada.
    Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

    O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

    Álvaro de Campos, 15-10-1929
    Posted by: Rezendes / sábado, março 04, 2006
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    sexta-feira, março 03, 2006

    Manias

    A

    batata quente foi-me passada pela Trilby, possui um Regulamento e tudo, que deve ser letra de lei, embora confesse que não leio todos os dias o Diário da República como devia, eu sei, é um grave pecado, nem devia dizer aqui tal coisa, ainda me insultam para aí sem apelo nem agravo. Aqui fica:

    «Cada bloguista participante tem de enumerar cinco manias suas, hábitos muito pessoais que o diferenciem do comum dos mortais. E, além de dar ao público conhecimento dessas particularidades, tem de escolher cinco outros bloguistas para entrarem, igualmente, no jogo, não se esquecendo de deixar nos respectivos blogues aviso do "recrutamento". Ademais, cada participante deve reproduzir este "regulamento" no seu blogue.»

    Cinco manias:

    1. Roer as unhas por tudo e por nada, sim, sei muito bem que não devia, mas o que é que se há-se fazer, é mania, mesmo, e remédio, remédio, bom, só se for porem-me algum veneno nas unhas e pronto, quando der por ela já fui desta para a melhor, e há lá nada mais bonito do que um cadáver com as unhas todas bem aparadinhas?

    2. Quando conduzo insulto tudo e todos - e todas - os que me aparecem pela frente, de burro para cima vale tudo, vá lá que não me ouvem senão era uma vergonha, e ainda passava por malcriado, que é coisa que não sou, a não ser quando me vejo atrás de um volante e os outros se metem constantemente à minha frente, mas acabo por ter a pachorra suficiente para não me meter em avarias nem acelerar que nem um doido.

    3. A mania dos quadradinhos não me passa nem por nada, e com esta idade já nem deve passar, vou deitando mãos àquilo que me interessa, agora a mania é dos originais, podia dar-me para pior, as finanças é que são uma desgraça, que não há maneira de me dedicar à tão propagada e elogiada poupança.

    4. Sou um guardador compulsivo, o que talvez seja exagero, mas tenho por hábito guardar coisas, documentos, folhetos, bilhetes de cinema, de teatro, de espectáculos musicais (aqui não sou o único, não sou, não), de autocarro, de metropolitano, raspadinhas, impressos de totobola e totoloto, postais, revistas, livros então nem se fala, cassetes de vídeo, dvd, discos compactos, é mais outra renda, fora ainda as bugigangas que vão surgindo daqui e dali, os armários já rebentam por todos os lados, pelo menos não sou dado a porta-chaves nem a esferográficas ou lápis ou porquinhos de loiça, a poeirada é tanta que há livros que já nem saem do lugar há anos, nos últimos tempos dei por mim a desfazer-me de algumas cassetes de vídeo, que as de áudio há muito que lhes dei sumiço, ficaram apenas algumas para amostra, mas ainda tenho filmes em super 8 e a tralha toda que vem por atacado, isto para além de algumas peças de mobiliário de família, se fosse por aqui fora já nem parava, por isso o melhor é pôr um ponto final nesta questão.

    5. A preguiça é mesmo descarada para se meter comigo da maneira como se mete, que me faz dormir até tarde sempre que posso, e ler tudo aquilo a que deito as mãos, é mesmo mania, essa da leitura, que me leva a deixar a escrita de um livro nas cento e cinquenta e tal páginas de há anos a esta parte, e mais uns quantos começados e nunca retomados, isto é mesmo para descobrir a careca às pessoas e quem inventou tais perguntas deve ser mesmo cusco e ter mais vergonha na cara, para não dizer pundonor, que já não se usa e que muita gente já nem sabe o que quer dizer, ele há mesmo quem não tenha mais nada para fazer na vida a não ser inventar parvoíces.

    Como não conheço muita gente nestas coisas da esfera dos blogues e os que conheço já foram «atacados», vou ver se consigo reenviar esta cusquice pegada ao senhor Random Precision e à minha amiga LolaViola.

    Posted by: Rezendes / sexta-feira, março 03, 2006
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    quarta-feira, março 01, 2006

    Paranóias

    O

    lhou para os sapatos antes sequer de se ver ao espelho, e notou que havia uma diferença entre eles, muito pequena, quase subtil, mas ainda assim uma diferença, um ligeiramente mais claro do que o outro, o que o levou a estranhar tal disparidade, como é que tal podia ser possível se sempre prestara a mesma, a mesmíssima atenção e os mesmos desvelos a ambos os elementos do par, estava-se mesmo a ver que ia ser apontado na rua, «olha, vai ali um com dois sapatos diferentes», «aquele vestiu-se a dormir», «não querem lá ver que o homem é anormal», «mais um daltónico para a banda», «desmazelado, é o que ele é», no emprego então o melhor é nem falar, «'tavas ceguinho quando acordaste hoje ou quê?», «pediste um sapato ao vizinho?», e outras piadas no género, assim é que não podia ser, ainda que saísse à rua despenteado vá lá que não vá, agora com sapatos diferentes é que não, ainda que fossem do mesmo par e quase não se notasse, mas ele notava, e é certo e sabido que muita gente se põe a olhar para os sapatos que se leva nos pés, como se tivessem alguma coisa que ver com isso, criticam a cor das meias, apreciam se dão com a camisa, com a gravata, com a cor dos olhos, do cabelo, até com o tom da pele, bolas, bolas, bolas, não lhe apetecia nada descalçar-se outra vez, agora ia ter que mudar de meias, de camisa, de gravata, vestir outro fato, apertar as calças com outro cinto, se calhar até tinha que levar outro relógio, que há gente que nota tudo, tudo e mais alguma coisa, se calhar não têm mais nada que fazer na vida senão pôr-se a observar o que os outros levam vestido, ou calçado, ou enfiado no pulso, ou seja lá onde for, desde que esteja à vista, mas a que diabo é que se devia aquela mínima diferença entre os dois pés, se bem que mínima era até exagero, da última vez que engraxara os sapatos usara a pomada da mesma bisnaga, escovara-os a ambos as mesmas trinta vezes, da esquerda para a direita e da direita para a esquerda, de cima para baixo e de baixo para cima, para trás e para a frente, dos lados e em toda a volta, por mais que pensasse não conseguia chegar a nenhuma conclusão, isto era grave, muito grave, podia custar-lhe um dia de trabalho, uma semana, um mês, uma data de clientes, arriscava-se a perder o emprego, tudo por causa de uma quase imperceptível dissemelhança entre um sapato do pé direito e um sapato do pé esquerdo, que se danassem os pés, os sapatos, o chefe, o emprego, os clientes, hoje dava parte de doente e ficava de cama e pronto.

    Posted by: Rezendes / quarta-feira, março 01, 2006
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