Os professores não precisam de férias, porque:
1º Podem dar aulas em qualquer altura do ano.
Nota: É perfeitamente compreensível que limitem as suas deslocações aos períodos de época alta, uma vez que toda a gente sabe que a sua profissão é das mais bem pagas, facto perfeitamente visível pelos sinais exteriores de riqueza que ostentam, observáveis nomeadamente pelos veículos que utilizam para se deslocarem para o seu trabalho ou em fins de semana.
2º São resistentes por natureza a todo o cansaço.
Nota: É certo e sabido que é da classe docente que são oriundos os super-heróis, e que não haverá classe mais medalhada por altura das comemorações de dias nacionais precisamente por esse facto, sendo numerosos os comendadores e oficiais das ordens militares e civis, em detrimento de gente do desporto, das leis, da economia, e outras produtivas áreas da sociedade. Devido a esta capacidade de trabalho, sugere-se ainda que os professores possam ser utilizados em trabalhos pesados, podendo a sua inesgotável força vir a ser aproveitada em produção de energia renovável, sendo de ignorar as possíveis baixas, já que se trata de uma profissão em que qualquer elemento será facilmente substituível, devido à sua abundância.
3º Não necessitam de ter tempo de refeição.
Nota: O subsídio de refeição é algo inusitado e perfeitamente despiciendo quando aplicado aos professores, que se alimentam do saber e da pedagogia, não precisando por isso de ter tempo nas suas actividades diárias para refeições, que poderão perfeitamente ser substituídas por mais aulas, actividades de substituição, recepção a encarregados de educação, preenchimento de fichas, reuniões de planificação, ou actividades de formação.
4º O descanso nocturno pode ser aproveitado para preparação de aulas, correcções de testes ou trabalhos.
Nota: O professor não pode dormir em serviço, nem muito menos fora dele. Estando cientificamente comprovado que o trabalho domiciliário nocturno dos docentes é algo frequente, sugere-se ainda o aproveitamento dessas instalações para mais aulas de apoio, tal como das horas nocturnas, que facilmente se transformarão em tempos passíveis de serem utilizados pelos alunos que, devido à necessidade de se distraírem durante o tempo de aulas, possam compreensivelmente não ter escutado o que lhes tenha sido transmitido durante as aulas diurnas.
5º Não existe para esta classe a noção privada de família.
Nota: Fazendo parte de uma enorme comunidade educativa, à qual por inerência de funções estão ligados por laços familiares, todo este tempo é já considerado suficiente para dedicação à família, sendo por isso de desconsiderar alguma necessidade residual de privacidade.
6º Podem exercer as suas funções em qualquer espaço, por menores que sejam as condições.
Nota: Desde há longos anos que os professores se têm vindo a habituar a utilizar qualquer espaço, por mais reduzido e inóspito que seja, para exercer o seu trabalho, não sendo por isso de desaproveitar casas de banho, corredores, salas de aula, mesmo enquanto se encontrem a dar aulas aos seus alunos ou estando ocupadas por outras classes, refeitórios, já que é do conhecimento comum a facilidade com que aguentam inúmeras horas de pé, e o aproveitamento de um qualquer vão para aí exercerem as funções que lhes estão confiadas.
7º As necessidades de formação podem ser supridas a qualquer hora do dia ou da noite.
Nota: Muito mais do que outros funcioários ou trabalhadores, cujas horas de formação são integradas no seu horário de trabalho, é prática comum que a formação possa ser frequentada em qualquer altura, sendo de considerar o disposto no artigo 4º, muito embora seja de considerar que um docente com necessidades de formação possa vir a ser excluído do sistema, já que esta teria que fazer parte da sua formação inicial, a qual deveria, logo à partida, considerar todas as áreas do saber.
8º É facilmente substituível em caso de morte ou doença.
Nota: De acordo com o já estipulado no artigo 2º, o mercado de trabalho poderá, sem qualquer tipo de constrangimento, substituir um docente em caso de falecimento ou doença, tratando-se de uma função pouco especializada e com grande oferta. A direcções das escolas terão, assim, facilidade na reposição no caso de eventuais descompensações.
terça-feira, outubro 17, 2006
O Figueiredo
O
Figueiredo era assim uma espécie de pau-para-toda-a-obra lá em casa, muito embora nem tivesse direito e tratamento pelo nome próprio, que ninguém sabia qual era, porque até a mulher se lhe referia assim, o Figueiredo para cá, o Figueiredo para lá, este fim de semana fui passear com o Figueiredo, vejam lá que o Figueiredo pôs-se com a mania que era capaz de arranjar o ferro de engomar, andou de volta dele até às tantas da manhã, depois foi ligá-lo e lá se foram os fusíveis, o Figueiredo é assim mesmo, quando se lhe mete uma ideia na cabeça não há quem seja capaz de o convencer do contrário, muito menos eu, que já sou casada com ele há trinta e quatro anos e que lhe aturo as teimosias todas, uma vez eu e o Figueiredo fomos de carro até à Figueira da Foz e às tantas o carro avariou-se, pois em vez de mandar chamar um reboque abriu o capô e pôs-se para lá a escarafunchar, nem sei que voltas deu que às tantas por tantas lá conseguiu pôr o carro a funcionar, depois meteu-se ao volante todo cheio de graxa que até hoje ainda não saíram as marcas, ele não se rala, eu sei que não, o Figueiredo é assim mesmo, eu é que não gosto nada de ver aquilo tudo negro, cheio de dedadas, podia lá ir a polícia tirar as impressões digitais que aquilo era uma mina, se fosse de diamantes é que eu não me importava, que ele nunca me deu nem um anel para amostra, tirando as alianças, mas isso não conta, era o que dizia a mulher, que acabara por se esquecer do nome próprio do Figueiredo, José de sua graça, por força de tanto apelido para cá e para lá, os nomes são assim mesmo, deixamos de usá-los e depois caem no vazio, esquecemo-nos deles, que só servem as pessoas quando delas retemos algum afecto, e isso era coisa que há muito se sumira daquelas vidas, ficara apenas o hábito das horas passadas a dormir na cama ao lado um do outro, dos almoços e jantares sentados à mesa em frente um do outro, mais dos últimos que dos primeiros, que uma vida de trabalho nem sempre se compadece das refeições, tantas e tantas vezes até dá pena os filhos dizerem que passam mais tempo com os professores na escola do que com os pais em casa, nem sequer chegando a dez minutos por dia, e o que é isso na vida de uma criança, de um adolescente, que diabo de carinhos se pode fazer em dez minutos, praticamente nada, nem um beijo, nem um palavra, ainda menos uma conversa, assim vão sobrevivendo as famílias por aí.
quarta-feira, outubro 04, 2006
Os feriados
O
s feriados são dias em que nos convencemos que vamos pôr em dia as coisas que andam atrasadas há que tempos, que são aquelas coisas que vamos deixando para quando houver ocasião, acabando por se acumularem sem que lhes demos despacho, ficando por isso mesmo despachadas indefinida e irremediavelmente, esquecidas a um qualquer canto do nosso quotidiano, como trastes velhos, abandonados às teias de aranha que se vão formando na memória, até um dia darmos com eles e nem lhes conhecermos o préstimo que aparentavam ter quando os adiámos para o dia-de-são-nunca, daí que decisões semelhantes não sejam de maneira alguma recomendáveis, o melhor é convencermo-nos a sério que os feriados foram criados para ficarmos na lazeira até que esta se farte de nós, muito embora haja quem prefira engalfinhar-se com multidões nos centros comerciais e se ponha a mirar as montras a abarrotar de coisas que nunca irá comprar, por falta de dinheiro, de oportunidade, por isto ou por aquilo, uma miríade de razões que não vale a pena estar para aqui a escalpelizar, algumas com consequência e outras nem por isso, mais vale a pena ficar a dormir até às tantas, quando se pode, pelo menos, e depois ir ao cinema, ao teatro, visitar uma livraria, um museu, uma exposição, isto se as portas não se apresentarem fechadas na nossa cara, que a cultura também tem manias, há dias em que lhe apetece acordar mal disposta e mandar-nos às urtigas, que picam e não é pouco, só sabe quem alguma vez experimentou, por exemplo acorda sempre de péssimo humor às segundas-feiras, se bem que não conheço ninguém que acorde bem disposto às segundas-feiras, se calhar até há quem mas acontece não ser ninguém das minhas relações, também não me dou assim com tanta gente como isso, porventura ainda menos aos feriados.
