À
s vezes a escrita vai por ali fora e, zás, uma vírgula, depois outra, outra ainda, afinal servem para quê, estes minúsculos traços que escrevemos a seguir às palavras, a separar frases, pensamentos, será que somos assim tão limitados no pensamento para necessitarmos dessas pequenas pausas que nos façam organizar o raciocínio acerca do que lemos, do que escrevemos, do que nos passa pela cabeça, será que pensamos com vírgulas, com pontos, com interrogações e exclamações, afinal há quem pense com imagens e não só com palavras, e será que as imagens precisam de vírgulas ou porventura usamo-las na nossa vida, levanto-me, acendo a luz, vou à casa de banho, abro a torneira, ligo o esquentador, entro na banheira, pego no sabonete, no champô, passo após passo uma vida separada por vírgulas, de quando em vez um ponto final, um parágrafo, mudo de ideias, penso noutra coisa qualquer, esqueço o que tinha pensado antes, fico ensimesmado, sem nada que me passe pela cabeça, com reticências, acordo de repente deste estado de meia sonolência, exclamo, no que estava eu a pensar, ponto de interrogação, estava mas era a perder tempo, que os minutos estão mais do que contados, irrito-me comigo mesmo, uso outro ponto de exclamação, apresso-me a vestir-me, a comer qualquer coisa para não sair para a rua em jejum, tudo pequenos actos em sucessão, entrecortados por vírgulas, lá estão elas outra vez, será que é assim que organizo as minhas ideias, com vírgulas, ponto de interrogação, um ponto final semeado aqui e ali para separar melhor, um parágrafo se encerro um assunto, se já deu o que tinha a dar, se acabo uma sequência antes de passar a outra, até por fim adormecer e começar tudo de novo.