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empos houve em que se podia mandar alguém à outra parte sem que daí viesse problema de maior, porventura quando de lá voltasse até traria novidades, e das grandes, passava-se à história por ter sido mandado para lá, coisa que hoje em dia dificilmente acontecerá, basta experimentar, ó fulano de tal, vai mas é à Taprobana, e logo de volta se recebe um vai tu, sendo isto já considerado um tratamento de delicadeza face à capacidade inventiva que por aí grassa de utilização de um léxico ainda mais vernáculo, e se considerarmos juntar algum esforço a tal requisito então é que nem pensar, não queriam lá ver, assim como assim este povo de São Valente já deu o que tinha a dar, de borla nem mai' nada, isso é que era bom, sopas e descanso é que é, heróis do mar só no hino, e do nobre povo nem amostra, deve ter havido algum equívoco quando escreveram tal coisa, estariam porventura a pensar nalgum outro país que não neste, acontece com alguma frequência, uma pessoa engana-se e depois já não vai a tempo de voltar atrás, está escrito e pronto, não há nada que se possa fazer, apesar de tudo cá vamos durando, ano após ano, mesmo com os barões de hoje em dia, que de assinalados têm muito pouco, para dizer a verdade nem um bocadinho que se veja, que aquilo que anda à vista o melhor seria que andasse mas era escondido, tal como tantas e tantas vezes anda a inteligência, a sensibilidade, a boa educação, o bom gosto, embora mais pareçam ausentes do que ocultos, mas isso são opiniões, enfim, mais valia que fosse a falta de vergonha a ter tais pruridos, mas essa é que não há maneira, pavoneia-se de um lado para o outro como não se não fosse nada consigo, desfila por tudo quanto é lugar, é vê-la nas revistas, nos jornais, na televisão, sempre que pode, e mesmo quando não pode, desde que ande de barriga cheia fica satisfeita da vida, quanto mais ingénua na sua ignorância melhor, afinal a sabedoria serve para quê, para conhecer o caminho até ao supermercado, para comprar uns mariscos e fazer uma patuscada, para contar umas anedotas ordinárias, se calhar já chega, não vá uma pessoa gastar a inteligência que tem a preocupar-se com uns livros e uns quadros e uns filmes e umas fotografias e umas casas (velhas ou novas, tanto faz) e umas esculturas e uns concertos, que o que é preciso é reservá-la para as anedotas e os jogos da bola e as férias no Algarve e as missas de domingo e o telemóvel que faz isto e aquilo e o resto das coisas que afinal são mais importantes, nem que seja só para mostrar às visitas.