É
certo e sabido que quem percorre a estrada de Sintra, ali por volta de Queluz de Baixo, a meia dúzia de passos da via rápida, se estiver com menos atenção à estrada do que às reduzidas faixas de terra que ainda conseguem sobreviver no meio do betão, pode dar com um indivíduo aí pelos seus setenta anos a cavar uma minúscula horta um tanto ou quanto abafada pela poluição, e nesse homem curvado sobre a enxada entrever não o Colimério, mas alguém que saberá com certeza explicar-lhe de quem se trata a figura a que se refere este título, conhecido que é nas redondezas de quem possui memórias de tempos idos por aqui há uns bons cinquenta anos ter estado na origem de um mistério que nem nos dias de hoje encontrou explicação cabal para o que aconteceu durante cerca de duas semanas, quando diversos corpos esventrados de galinhas surgiram espalhados ao longo de cerca de quinhentos metros da estrada que hoje em dia todos conhecem como o icê dezanove e que, na altura, era muito menos calcorreada a todas as horas e minutos do dia, fenómeno que se repetiu três vezes, o que, como toda a gente sabe, é um algarismo com uma história cabalística de se lhe tirar o chapéu, isto para quem ainda se atreve a ostentar um tal adereço, tendo na altura mobilizado diversos meios militarizados, daqueles que noutros tempos eram mais conhecidos como capicuas, que patrulharam para a frente e para trás o já mencionado troço de estrada sem descobrir fosse o que fosse nem muito menos impedir que a coisa se repetisse ainda outras três vezes, para vergonha das polícias e embaraço das restantes autoridades, para já nem falar do reforço da cabalística do número, que se apressaram a censurar tais ocorrências nos meios jornalísticos da altura, muito embora obtivessem muito menos sucesso com as notícias que circularam de boca em boca, que é algo que acontece quando se pretende à viva força impedir que qualquer acontecimento seja do conhecimento geral, constituindo muitas vezes emenda pior que o soneto, porque o mistério dá origem a distorções, aumentos, lendas, para já nem falar do anedotário nacional, que era muito mais imaginativo e interessante do que o que por aí agora se ouve, que é falho em piada e abundante em brejeirice gratuita, e que, de mais a mais, nesses tempos recuados, originava uma literatura mais ou menos clandestina, que constitui raridade bibliográfica, largamente disputada por quem se especializa em tais áreas da actividade e do conhecimento humanos, e em cuja origem se diz que o próprio autor das proezas terá metido a sua colherada, em proveito do próprio bolso, diga-se de passagem, sem que mesmo agora se saiba se o que terá estado na origem dos factos terá sido um mero aproveitamento financeiro, algo que as más línguas logo se apressaram em aventar, posto um súbito e inexplicável enriquecimento aparente de um figurão que não se livrava da fama de Fantasma da Porcalhota, e de quem se dizia ter sido praticante de luta livre, mercenário, pirata, angariador de prostitutas, e mais uma boa quantidade de profissões do mesmo calibre, tendo dado origem a investigações que duraram meses e meses sem que se chegasse à obtenção de meios de prova, de testemunhos dos actos praticados, provocando até uma boa quantidade de álibis que tanto poderiam ter sido forjados ou não, e que chegaram até à descoberta de um cadáver do sexo masculino que logo deu origem ao boato de se tratar de alguém que se aprestava a denunciar o perpetrador do estripanço dos galináceos, fosse ele o misterioso Colimério ou não.