U
ltimamente tenho andado desanimado, desmotivado, farto, abatido, cansado, triste, irritado, desgostoso, quebrantado, deprimido, sorumbático, amargo, taciturno, e outros adjectivos mais que agora não me vêm à memória, tudo estados de espírito que pouco ou nada abonam a favor de quem, por motivos profissionais, deveria sentir exactamente o oposto, é no que dá ter-me metido nestas coisas do ensino, devia ter tido mais juízo e optado por coisa mais lucrativa e onde se possa aldrabar à vontade, que é o que toda a gente faz, muito embora depois venham passar por santinhos e digam o contrário, que não senhor, que o que querem é o bem do país, e depois vão metendo dinheiro ao bolso às mãos cheias e nem se ralam com quem dele precisa, está bem de ver que é uma atitude perfeitamente solidária, digna destas democracias globais que agora se diz que temos e que queremos impingir a toda a gente, depois é ver as casas que têm, os carros à porta ou na garagem, as fortunas gastas em viagens aqui e acolá, ao que dizem a acompanhar a bola, que isto tudo agora gira à volta de uma bexiga cheia de ar à qual se dá pontapés a torto e a direito, mais aqueles do que estes últimos, uma pessoa até podia pensar que cá andava porque a Terra girava à volta do Sol, mas qual quê nem meio quê, se por cá nos vamos arrastando é porque há por aí quem ponha a tal bexiga às voltas à força de pontapés, e depois há essa gente toda que quer que se ensine, que valorize quem se mostra disposto a aprender, o esforço, a vontade, a aquisição de conhecimentos, o raciocínio, a capacidade de trabalho, de aprendizagem, de adaptação a novas situações, para quê, se o que se pretende é mostrar alguns resultados, custe o que custar, lá aos estrangeiros que andam não se sabe bem por onde nem a fazer o quê, dar uma boa imagem estatística, quer-se lá saber de comportamentos cívicos de quem os não tem nem provavelmente terá nunca, que a mensagem que mais se transmite é a do egoísmo mais radical, do enriquecimento fácil, do prémio a troco de nada, para compensar o alheamento, se calhar assim é que deve ser e estive enganado até agora, pelos vistos andar assim pela vida compensa, e até dá para pôr uma bandeira à janela e achar que a pátria é assim, pintada de encarnado e verde, com uma esfera armilar ao meio que é para consolar este nada que somos de qualquer império que nunca fomos nem soubemos ser.