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entia com quantos dentes tinha na boca, e até levava de empréstimo mais alguns, postiços se preciso fosse, que isto de petas às vezes torna-se um vício, pior ainda que o de roer as unhas, nem o tabaco e a bebida juntos levam a tanto, se calhar até levam, que por culpa de um ou de outro se acaba por dizer que sim quando na verdade se devia era dizer que não, ou vice-versa, que vai dar ao mesmo, afinal de contas uma pessoa habitua-se, faz disso modo de vida, profissão, porventura até é capaz de transformar a mentira numa fé, e por isso sobe na vida, começa a mandar nos outros, aqueles a quem tanta cegueira junta não permite já distinguir isto daquilo, preto do branco, encarnado de cor de rosa, o punho estendido no ar de uma flor, que até pode nem ser flor que se cheire, isso que importa, qual quê, quem acha que sabe, sabe e pronto, mesmo que não saiba nada, desde que se convenceu de que sabia pôs-se a dar ordens a torto e a direito, tu fazes isto, tu fazes aqueleoutro, vou pôr isto tudo na ordem, der por onde der, e os outros lá vão engolindo as petas umas atrás das outras sem sequer darem conta que afinal está tudo na mesma, se não pior ainda, depois há os basbaques que batem palmas, mas esses também já estão habituados a bater palmas por tudo e por nada, que alguém lhes diz para saltarem e é vê-los aos pulos que nem os cangurus, já antigamente era assim, tornou-se um hábito, porque é que agora havia de ser diferente, o que mudou foi o tipo de conversa, a mentira que de anos a anos se vê transformada num papelinho cheio de cruzes. Livra! Cruzes canhoto.