P
ara acompanhar o défice das contas públicas que, apesar do que tem sobrado - ou faltado, que será mais correcto - para quem trabalha para o Estado, não há maneira de endireitarem e de ficarem ao gosto do compadrio europeu, agora vem por aí fora o défice democrático, que é o que acontece a quem se vê de súbito alcandorado a um qualquer poleiro e detesta que o contradigam, porque acha que a razão está toda do seu lado e em mais parte nenhuma, os sindicatos são do contra, são conservadores, e mais isto e mais aquilo, eles não sabem, não, eu é que sei e pronto, está dito o que está dito e eu é que sei o que digo e mais ninguém, não, digo eu, assim não vamos lá, não vamos a lado nenhum, a não ser a caminho do antigamente, quando havia um que dizia e os outros que calavam e faziam o que o iluminado dizia, um dia destes acorda-se e já nem é preciso votar, para quê, se há quem saiba tudo e do que o país precisa para isto ir para qualquer lado, mesmo que não se veja muito bem para onde, só se for para o lixo, que é onde se põe aquilo que já não tem préstimo e nem merece ser reciclado, além do mais poupa-se o papel dos votos e aproveita-se os domingos, que é quando se vota neste país, se bem que ainda não tenha percebido porquê, deve ser o hábito de desperdiçar os domingos nas voltinhas à senhora da asneira, no passeio dos tristes, que é o que sinto quando lá vou, que não há maneira de sairmos da cepa torta, mudam estes e vêm aqueles e é sempre a mesma cantiga, como acontecia aos discos antigos quando se virava e dava a mesma música, pelo menos era o que se dizia, vira o disco e toca o mesmo, agora essa história do défice democrático ouvia-se que havia lá para a Madeira, só que parece que já chegámos todos à Madeira, vai tudo mal quando não se aceita as regras do jogo, quando, ao que se diz e ouve e lê por aí, nunca houve tanta intimidação como a que agora há, quando se tenta tapar a boca de quem quer falar, quando se remenda asneiras com outras asneiras, quando se altera as regras do jogo sem avisar sequer os jogadores, quando, quando, quando, que era o que cantava o Marino Marini e mais uns quantos, mas cá para mim acabaram-se as cantigas, que já nem isso nos deixam, nem isso.