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or alturas de finais dos anos vinte ou princípios dos anos trinta, andava uma senhora Chiado abaixo ou Chiado acima, que se andava a subir ou a descer agora não vem ao caso, quando deu por si a ser observada por um cavalheiro, que além do mais a seguiu durante um bom bocado, até finalmente meter conversa, convidando-a para um lanche numa qualquer pastelaria da Baixa, etapa que ficou adiada para dali a uns dias por recato da dita senhora, que nesses tempos ir assim de qualquer maneira lanchar com um desconhecido, e para mais sozinha, dava azo a más línguas e a indeléveis consequências sociais, daí que o encontro tivesse ficado aprazado para um dia combinado, em que lá se arranjaria uma companhia para que a senhora tivesse um pau de cabeleira que, pelo menos, disfarçasse um pouco aquela audácia de se ver envolvida com um homem que nunca tinha visto nem mais gordo nem mais magro, e assim foi, no dia estipulado lá meteu pés a caminho na companhia de uma sua prima, ainda novita, e empanturraram-se de torradas e bolos a expensas do cavalheiro, que depois disto lá arranjou mais uns encontros, até que, por fim, se resolveram a dar por finda a amizade que, na maneira de ver da senhora, não levava a lado nenhum, já que ele não atava nem desatava, e ela não pretendia ficar eternamente solteira nem andar naqueles encontros subreptícios até ao juízo final, tendo porém ficado bastante surpreendida uns anos mais tarde, quando tais arroubos tinham já ficado esquecidos, ao ler nos jornais a notícia de que o homem tinha morrido, e que não era nem mais nem menos do que o Fernando Pessoa, e isto soube-o eu da uma testemunha directa de tais sucessos.