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omprei um disco porque o li num livro, que é o que às vezes acontece quando se lê livros, coisa que algumas pessoas fazem muito, outras assim-assim e muitas outras nem por isso, quase nada ou mesmo nadinha de nada, também não vale a pena insistir, ou se calhar vale, que malhar em ferro frio pode ser que faça com que ele entorte, ou pelo menos dê de si, o que já é alguma coisa, melhor que nada, de tanto se tentar às vezes chega-se a algum lado, se bem que há casos em que uma pessoa às tantas se descobre perdida, mas isso até pode ser bom, há quem ache que sim e quem teime que não, pois bem, o disco já sabia que existia, até já tinha ouvido falar dele, mas não o tinha nem nunca o havia ouvido, Les Voix Humaines, em viola da gamba, por Jordi Savall, com trechos de Karl Friedrich Abel, Bach, Marais, Sainte-Colombe e outros, que nessas vozes de homens ditas pela mestria de um violoncelista soam ainda melhor do que aquilo que tinha lido, e quando acabei de o ouvir soube-me a pouco e ouvi-o ainda uma vez mais, e outra ainda, a pouco e pouco fui conseguindo descortinar de que vozes afinal se tratava, que confissões ali se escondiam, que desesperos, solidões, euforias, desconcertos, a que mal pude juntar os meus, que nada são ao lado destes.