Pessimista, pessimista, era a Cláudia, que imaginava sempre coisas piores do que as que lhe aconteciam, se alguém a olhava de esguelha era mau olhado, com certeza, estava para se ver se até ao fim do dia não lhe preparavam alguma, escadas nem vê-las, quanto mais passar-lhes por baixo, gatos pretos nem sequer falar neles, quanto mais deixar que se lhe atravessassem à frente, quando vinha cá a casa lá ficava o desgraçado do gato trancado na varanda, não fosse o diabo tecê-las, e aquela de tocar o branco, encarnado e negro era quase a toda a hora, pois achava coincidências em tudo quanto era sítio ou conversa, se por acidente alguém pronunciava a mesma palavra que ela na mesma altura aí é que então estava o caldo entornado, convidá-la para jantar era um tormento, que tinha que ter sempre um saleiro à mão por causa das coisas, é certo e sabido que o pessimismo já vem aliado de nascença com a superstição, são amigos de longa data, é daquelas uniões que nem o Supremo Tribunal é capaz de desfazer, quanto mais o Papa ou a Santíssima Trindade, nem o Espírito Santo, com as suas penas brancas a espalharem-se por toda a parte e a fazer pontaria à careca do desgraçado que vai entretido com a sua vidinha cá em baixo seria capaz de se meter numa tal união de facto, que essa do careca levar com a porcaria da pomba na cabeça lembra-me é a história da toupeira, mas isso só se a Cláudia não fosse a passar ali ao lado, que ao dar-se tal casualidade era ela quem acabava baptizada, pelo menos achava que sim, que esse lado do destino era inexorável, se alguma coisa havia de cair do céu aterraria com toda a certeza em cima da cabeça dela, nem que fosse um avião, um frigorífico, nos dias em que tais apetrechos domésticos começassem a tombar lá de cima lá estaria ela cá em baixo para apanhar com eles, que isto de ir de mal a pior para ela já foi, que agora só vai é de pior para péssimo, e daí sabe-se lá para onde, emigrar nem pensar, dava-lhe logo alguma desgraça daquelas antigas que nem o melhor serviço de saúde havia de querer alguma coisa com ela, tratariam logo de roubar-lhe o dinheiro, a casa, o emprego, se algum surgisse, o que era de todo improvável, depois teria que voltar à boleia para casa e isso envolveria com toda a certeza algum acidente de viação ou coisa pior ainda, e para cicatrizes psicológicas ela acha que já tem que chegue e sobre, qualquer dia, diz ela, abre mas é uma loja para as vender, um site na Internet para onde possa recambiar os azares, esconjurar malapatas, transferir para outras vítimas a desgraceira toda, por enquanto vai é dando passos de formiga e tentanto passar despercebida sempre que vira uma esquina, não vá mas é o azar dar por ela e pôr-se à coca para a apanhar desprevenida e cair-lhe em cima com mais isto e mais aquilo, qualquer dia aparece é nos jornais e nas televisões como a culpada de todos os males do país e tema de fundo de campanhas eleitorais, e então é que nunca mais a deixam por o nariz de fora. Livra!