Das pessoas que conheço, o Miguel é sem dúvida uma das mais azarentas, não sofrendo daqueles grandes azares que dão cabo da vida de alguém de forma irremediável, mas antes de pequenos azares, que estes também se servem em doses de diferentes dimensões, suficientemente incisivos, no entanto, para deixar uma pessoa de cara à banda, ou pelo menos para a levar pela vida fora aos trambolhões, ainda no outro dia ia pela rua a caminho do emprego quando deu uma topada e se espalhou ao comprido no passeio, esfolando um joelho e um braço, só que decidiu aterrar precisamente em cima de um razoável amontoado de dejectos caninos, uma dessas invulgares obras de arte que os donos mais civilizados resolvem deixar ali expostos à admiração dos transeuntes, só que foi precisamente aí que o braço esfolado acabou por aterrar, o que lhe provocou uma valente infecção que o deixou de cama durante duas semanas, altura em que tinha que pagar a conta da luz, de que compreensivelmente se esqueceu, o que lhe valeu ficar às escuras e sem aquecimento em casa durante uns dias, até ter arranjado quem lhe fosse pagar a conta e telefonar para a empresa para que lhe voltassem a ligar a corrente, e há não muito tempo atrás havia-lhe sucedido contrariedade semelhante, só que com a água, e quando lha ligaram não estava em casa, só que se tinha esquecido de uma torneira aberta, de maneira que quando regressou tinha involuntariamente proporcionado uma belíssima cascata pelas escadas do prédio aos restantes moradores, que volta meia volta lhe conferem umas boas amolgadelas no carro, dessa vez foram ainda em maior número, por vingança ou não é que nunca chegou a saber, de maneira que costuma ter uma conta calada na oficina de mecânica e bate-chapas, baterias então é um ver-se-te-avias, que além de azarado o Miguel é distraído q.b. para se esquecer de apagar algumas daquelas luzinhas que existem no interior dos automóveis e que nunca se sabe lá muito bem para é que servem, por isso liga-as e nem lhe passa pela cabeça desligá-las a seguir, também já é cliente assíduo das Chaves do Areeiro, que uma vez por outra lá se esquece das chaves dentro de casa e é preciso chamar um técnico que lhe arrombe a porta e meta uma fechadura nova, às tantas resolveu deixar uma cópia da chave com uma vizinha, a quem assaltaram a casa e, por terem dado com a cópia da chave da sua porta, os larápios fizeram umas horas extraordinárias no seu domicílio, foi uma confusão com a seguradora, que não queria aceitar por nada a explicação da chave emprestada, mas também é certo e sabido que as seguradoras têm como finalidade receber o dinheiro dos seguros e tentar pagar o mínimo dos mínimos, afinal de contas, ao que se diz, o seguro morreu de velho, e não deve ter sido por andar a dar dinheiro a torto e a direito.