Para começar este discurso do ano, é importante que se diga que nem tudo correu bem e que nem tudo correu mal, que de positivo merece destaque o facto de termos um governo de maioria, se bem que noutros tempos também tivemos governos de maioria e as coisas, pelo menos ao que se diz agora por aí, não correram por aí além, de facto até se chega a sugerir que correram mesmo mal, daí que as expectativas actuais sejam completamente negativas, isto se tivermos em conta a experiência do passado, havendo a acrescer a este facto a síndroma de crise de que hoje se fala acima de tudo o mais, e que há-de assumir os custos dos desaires presentes e futuros, que isto de mencionar desaires é uma forma airosa de alguém fugir com o rabo à seringa da asneira, como é aliás habitual quando se trata de atribuir causalidades nefastas e responsabilidades anónimas, que tanto na moda têm estado de há umas décadas a esta parte, as sociedades anónimas de responsabilidade limitada, bastante limitada, diga-se, ao ponto de se tornar praticamente inexistente, a tal de responsabilidade, claro, porque sociedades é o que por aí mais abunda, felizmente para o associativismo, um dos magníficos pilares desta nossa saudável democracia, mas é já costumeiro a culpa morrer solteira, por mais que se diga o contrário, coitada, se calhar é por ser antipática, mas também quem lhe manda, ora essa, bastava tornar-se mais sorridente, fazer uns elogios de quando em vez, afirmar-se claramente e em público, atestar preto no branco que fulano e fulana a tinham realmente ajudado, que haviam sido óptimos colaboradores, quem sabe se assim não se tornava um tanto ou quanto mais agradável a quem dela já nem quer ouvir falar porque nunca se sabe quem com ela dorme na cama, se calhar é por ser demasiado discreta, nem gosta de aparecer nas revistas da moda, nunca dá a cara, vai-se a ver e ninguém sabe onde mora, que bens possui, se paga os impostos ou se nem sequer declara às finanças os seus proventos, nem um só para amostra, e pelos vistos para o próximo ano vai ser a mesma dança de sempre, há quem não tenha conseguido lugar nas cadeiras e ficou de fora porque candidatos ao assento é coisa que não falta, podia-se dizer poleiro, mas não os vemos a comer alpista, por isso é melhor dizer mesmo assento, cadeira, ou cadeirão, se lhe atribuirmos maior relevo, poltrona se contextualizarmos a coisa em termos de conforto e ócio, em resumo, o que há a esperar é que nem tudo corra bem e nem tudo corra mal, voltamos a ficar no assim-assim, mas também já estamos habituados, e isso não é de estranhar, o que era mesmo fora do vulgar é que corresse tudo bem, mas se fosse assim já tínhamos todos ganho alguma maratona e que se saiba os que conseguiram tal proeza podem-se contar pelos dedos.
terça-feira, dezembro 27, 2005
Depois dos gatos e dos estofos, os outros tipos
À maior parte das pessoas que conhecemos temos por hábito catalogá-las por isto ou por aquilo, ou porque são amigos, ou porque se trata de colegas de trabalho ou de profissão, ou apenas porque as conhecemos devido aos nossos hábitos regulares de gente sedentária, do café onde tomamos o pequeno-almoço ou o lanche, do restaurante onde almoçamos ou jantamos todos os dias ou uma vez por outra, da papelaria onde compramos o jornal, as revistas, o tabaco, para além de outras bugigangas com que enchemos a casa e que na maior parte dos casos não são precisas para nada, depois há os conhecimentos do supermercado, da frutaria, da drogaria, da farmácia, do consultório médico, daqui e dacolá, e ainda os vizinhos, os cães dos vizinhos, a família dos vizinhos, os aparentados e os companheiros ou companheiras dos vizinhos, aqueles por quem se nutre alguma espécie de ódio de estimação, os que nos são indiferentes, que tanto-se-nos-dá-como-se-nos-tira, nem-carne-nem-peixe, e para além dessa gente toda há que ter em conta os que nunca vimos nem mais gordos nem mais magros mas que aparecem todos os dias na televisão, nos jornais, nas revistas, os que-estão-em-todo-o-lado, que parecem ter o dom da ominipresença, para além da capacidade de nos moerem o juízo a toda a hora com a mesma conversa de sempre, que eles é que sabem, que eles é que são, que a verdade está ali, dentro do bolso, disponível para a distribuírem como quem semeia trocos sempre que lhes der na gana e que os outros não sabem nada (deve ser o tal do dom da omnisciência), que a única coisa que fazem é presentear-nos com falsidades, meias-verdades, meias-mentiras, bafos de vento, sem verem bem que no fim de contas são todos iguais uns aos outros, podiam juntar-se todos no mesmo clube que ninguém se incomodava, ou melhor, que não incomodavam mais ninguém, o pior era que se acabava a conversa aos comentadores, aos que nem sequer têm ideias próprias a não ser as que se limitam a arranjar controvérsias acerca do que dizem os outros, os tais, os que se fartam de aparecer aqui e acolá e em toda a parte, dava-se cabo do arranjinho a muitos jornais e revistas e noticiários da rádio e televisão, a programas de conversa fiada nas mesmas rádio e televisão, para já nem falar do rombo que levavam as finanças dessa gente, habituadas que estão a alimentar-se do que chove daqui e dali em vez de fazerem coisa que se veja, e depois ainda falam mal de quem faz, o que não é nada para admirar, porque é disso que vivem, da falar mal, está-se mesmo a ver quando é que nos aparece alguém que, em vez da fala, faça, o que é bem diferente, apesar de na escrita haver uma única letra de diferença, a estes outros tipos é mesmo preciso ter estofo para os aturar, olá se é.
sexta-feira, dezembro 23, 2005
Boas Festas