À maior parte das pessoas que conhecemos temos por hábito catalogá-las por isto ou por aquilo, ou porque são amigos, ou porque se trata de colegas de trabalho ou de profissão, ou apenas porque as conhecemos devido aos nossos hábitos regulares de gente sedentária, do café onde tomamos o pequeno-almoço ou o lanche, do restaurante onde almoçamos ou jantamos todos os dias ou uma vez por outra, da papelaria onde compramos o jornal, as revistas, o tabaco, para além de outras bugigangas com que enchemos a casa e que na maior parte dos casos não são precisas para nada, depois há os conhecimentos do supermercado, da frutaria, da drogaria, da farmácia, do consultório médico, daqui e dacolá, e ainda os vizinhos, os cães dos vizinhos, a família dos vizinhos, os aparentados e os companheiros ou companheiras dos vizinhos, aqueles por quem se nutre alguma espécie de ódio de estimação, os que nos são indiferentes, que tanto-se-nos-dá-como-se-nos-tira, nem-carne-nem-peixe, e para além dessa gente toda há que ter em conta os que nunca vimos nem mais gordos nem mais magros mas que aparecem todos os dias na televisão, nos jornais, nas revistas, os que-estão-em-todo-o-lado, que parecem ter o dom da ominipresença, para além da capacidade de nos moerem o juízo a toda a hora com a mesma conversa de sempre, que eles é que sabem, que eles é que são, que a verdade está ali, dentro do bolso, disponível para a distribuírem como quem semeia trocos sempre que lhes der na gana e que os outros não sabem nada (deve ser o tal do dom da omnisciência), que a única coisa que fazem é presentear-nos com falsidades, meias-verdades, meias-mentiras, bafos de vento, sem verem bem que no fim de contas são todos iguais uns aos outros, podiam juntar-se todos no mesmo clube que ninguém se incomodava, ou melhor, que não incomodavam mais ninguém, o pior era que se acabava a conversa aos comentadores, aos que nem sequer têm ideias próprias a não ser as que se limitam a arranjar controvérsias acerca do que dizem os outros, os tais, os que se fartam de aparecer aqui e acolá e em toda a parte, dava-se cabo do arranjinho a muitos jornais e revistas e noticiários da rádio e televisão, a programas de conversa fiada nas mesmas rádio e televisão, para já nem falar do rombo que levavam as finanças dessa gente, habituadas que estão a alimentar-se do que chove daqui e dali em vez de fazerem coisa que se veja, e depois ainda falam mal de quem faz, o que não é nada para admirar, porque é disso que vivem, da falar mal, está-se mesmo a ver quando é que nos aparece alguém que, em vez da fala, faça, o que é bem diferente, apesar de na escrita haver uma única letra de diferença, a estes outros tipos é mesmo preciso ter estofo para os aturar, olá se é.