...ao verdadeiro ateu... nem lhe passa pela cabeça travar conhecimento...
com gente
de apelido
Santos...
O verdadeiro ateu recusa-se teimosamente a deixar de trabalhar ao domingo, e mesmo ao sábado, porque isso contradiz o seu reconhecimento de que haja dias diferentes dos outros por motivos religiosos, desconhece por completo - ou ignora-o sobranceiramente - que possa sequer ser considerado um tipo de arte chamada sacra, e nas suas viagens passa de largo por tudo o que sejam templos dedicados à adoração divina, olhando-os apenas como potenciais locais de construção de centros comerciais ou condomínios privados, a não ser que a sua consciência social o leve a colocar a hipótese de aí se edificar habitação social, não reconhece o Estado do Vaticano nem muito menos os países cujas normas de comportamento ou leis se baseiem em quaisquer manuais de cariz religioso, é completamente alérgico às notas de dólar por causa da confiança desbragada na divindade que lá vem escarrapachada e nem sequer pensa em meter uma na carteira e muito menos usá-la seja lá onde for, que para ele é o mesmo que dizer que aceita um disparate daqueles, qual quê nem meio quê, evita passar de automóvel pelas ruas que passem junto a igrejas ou outros templos similares, e morar perto de uma isso nem morto, que prefere ser enterrado num descampado qualquer ou nas fundações de um centro comercial em construção do que estar para ali rodeado de cruzes, canhoto, e este verdadeiro ateu é de ideias fixas, prefere de longe as auto-estradas às estraditas e ruazitas que passam pelo meio das povoações, não vá de repente surgir-lhe uma qualquer ermida à esquina surgida inesperadamente sabe-se lá de onde, que as ermidas têm uma estranha tendência para aparecerem assim sem mais nem menos quando uma pessoa menos espera, vai-se assim distraído a olhar a paisagem e de repente zás, lá aparece uma, pimba, lá surge outra, abradacabram os lugares todos de forma espontânea, e sempre que pode faz pontaria aos religiosos que se atrevem a meter-se-lhe à frente do carro, não para lhes dar cabo da saúde, que isso seria contra os seus valores, em que o respeito pela vida humana vem acima de tudo o resto, mas antes para poder passar a rasar e lançar-lhes um qualquer impropério imbuído do mais profundo ateísmo, pois este verdadeiro ateu dá-se ao trabalho de eliminar todos os termos que de alguma forma façam alusão aos deuses de tudo o que é obra literária, para já nem falar de jornais e revistas, edita as músicas que ouve de forma a que nem uma dessas palavras lhe surja assim como quem não quer a coisa, de mansinho, pé-ante-pé, porque está farto de saber que elas são mais subreptícias do que os agentes das secretas, vai-se desprevenido pelas linhas fora ou a cantarolar uma toadazita dessas que ficam no ouvido e toma-lá-que-já-almoçaste, lá aparece o deus destes ou daqueloutros, ao verdadeiro ateu nem lhe passa pela cabeça ser cliente de bancos como o Espírito Santo, ou sequer travar conhecimento com gente com apelido Santos ou com nomes como Conceição, Maria, Dores, e outros que tais, que perante tais ameaças vira costas e pronto, e quando anda não dá passos, que isso lhe lembra um tal senhor dos mesmos, prefere andar aos saltos, que pelo menos não têm conotações desta espécie, embora possa parecer estranho a quem o observe ver alguém aos pulos pela rua fora, mas isso são contingências do ofício.