O que mais temos para aí são Leis, Decretos-lei, Portarias, Despachos, Despachos Conjuntos, Ofícios, Circulares, Ofícios-Circulares, Comunicações, Ordens de Serviço, para já nem falar de Projectos de Lei, e outras algaraviads projectadas que mais não servem do que para alimentar uma série de gente que vive destas coisas de juntar dois mais dois para fazerem cinco, que há sempre quem apareça a mais sem ter sido convidado, os brasileiros é que lhes arranjaram um belo epíteto, o de penetras, e esse exército organiza-se bem, protege-se mutuamente, e vive e respira para inventar doses maciças e contínuas de Leis, Decretos-lei, Portarias, Despachos, Despachos Conjuntos, Ofícios, Circulares, Ofícios-Circulares, Comunicações, Ordens de Serviço, e Projectos de Lei e quejandos, trocando as voltas às mais aplicadas das pessoas, que, cheias de boas intenções, tentam encontrar alguma ordem onde se insiste em criar desordem, e depois ainda levam nas orelhas porque não fazem outra coisa senão mudar papéis de um lado para o outro, e mais isto e mais aquilo, além de que os primeiros a criticar são precisamente os que têm como passatempo, para já nem dizer profissão, legislar, despachar, oficiar, comunicar, e isto sem falar de projectar uma vida infernal a quem quer que seja que não se tenha especializado na mesma área de influência, criando um estreito círculo de vícios que se vão alimentando uns aos outros e sugando o que podem e não podem de um enorme grupo de vítimas alheias a este incomensurável espírito criativo, ou seja, todos quantos não são gente das leis, particularmente os advogados, que são pessoas honestas, certamente que são, sem qualquer dúvida, pelo menos na sua grande maioria, aliás nem se conhece gente mais honesta e francamente cumpridora dos seus deveres sociais e cívicos, o que pode facilmente ser verificado pela linguagem nada obscura que utilizam quando redigem os tais pedaços de prosa atrás mencionados ou na altura de os interpretarem, o que não é de somenos, já que disso depende o futuro do país, bem como seu presente, alicerçado, é bom de ver, numa legião de antecessores da mesma classe, cuja acção sempre se pautou por idênticos e exemplares valores atitudinais, trabalhando sempre em prol do próximo, com sacrifício pessoal e familiar, de que estará ausente qualquer preocupação monetária ou de enriquecimento à custa das dificuldades alheias, não sendo difícil encontrar um pouco por todo o lado uma estatuária dedicada a celebrar tais benfeitorias, sendo a sua capacidade de falar sempre a verdade e agir em conformidade tido como exemplo para a Humanidade, surgindo as suas declarações de impostos nas repartições públicas como modelos exemplares para serem estudados e copiados pelos cidadãos que se pretende venham a ser igualmente cumpridores dos seus deveres para com o país, estimulando desta maneira a solidariedade social e o bem-estar comum e são por isso pessoas incapazes de se aproveitarem de eventuais buracos ou vazios legais em seu proveito, ou, colocando melhor a questão, daqueles cujos direitos reclamam defender, que o mesmo é dizer os desgraçados que se vêem metidos em palpos de aranha porque simplemente se esqueceram de ler o código de processo cível ou outra inefável obra literária do género, mas o pior de tudo, o pior mesmo, é que se torna cada vez mais improvável vermo-nos livres deles alguma vez, que é o mesmo que dizer que a esperança afinal já morreu, fizeram-lhe um funeral sem que ninguém desse por nada, às tantas pela calada da noite, e se calhar até foi incinerada que é para nem se lhe poder fazer uma autópsia e descobrir os autores de tamanhos tratos de polé.