Os serviços de urgência dos hospitais lisboetas têm que se lhes diga, que o que vale a quem os frequenta é ir doente, mas não demasiado, caso contrário a hora e tal de espera apenas para que lhe façam um primeiro diagnóstico pode dar pano para mangas, até para bater a bota sem dizer nem ai nem ui a qualquer espécie de médico que lhe ponha a vista em cima, ou melhor, que não lhe tenha posto a vista em cima, nem em baixo nem em parte nenhuma, vai-se esperando e mais nada, já nem é nada mau ter um lugarzito para esperar sentado e uma máquina de cafés e outras bebidas em tamanho minúsculo servidas em copos de plástico, o que vale é que os médicos são, regra geral, simpáticos, embora um tanto ou quanto impacientes, eu cá não tenho razão de queixa, que quando uma médica já de saída, penso eu, que podia estar a entrar, também não lhe perguntei nem me ia meter na sua vida, me viu para ali perdido nos corredores perguntou-me se precisava de ajuda e até me levou ao sítio para onde tinha que ir, facto pelo qual lhe fiquei agradecido, as indicações internas, pelo menos por ali, escasseiam e deixam uma pessoa pior do que estrangeira em terra de estranhos, até ali ia tudo mais ou menos bem, e digo mais ou menos porque estes hospitais estão para ali plantados no meio de ruelas de sentido único, se a urgência é muita fica-se às voltas no trânsito até dar com a porta de entrada, se é que se chega a fazê-lo, e depois é um vê-se-te-avias para lá deixar quem está aflito, mas o pior, sem dúvida nenhuma, é a espera, que nunca mais acaba, deu para ler o jornal de ponta a ponta, ficha técnica e tudo, o que não é desvantagem, fica-se a saber quem é que lá trabalha, quem escreve aquelas palavras que tomamos por verdades e que vamos engolindo dia sim, dia sim, aproveita-se para ver chegarem e partirem as ambulâncias, para os mais curiosos até pode ser que lhes calhe daquelas emergências mais aparatosas, nesse caso será dia de sorte, que depois levam assunto que chegue para contar à família e aos amigos, e por ali passa todo o tipo de pessoas, com aspecto de quem tem dinheiro, com ar de quem não tem onde cair morto, as que falam e não se calam, as que vão desfiando o rol das doenças todas, desde a tenra infância até ao tempo presente, com pormenores de fazer inveja ao mais aprofundado dos diagnósticos e com uma capacidade mnemónica que me deixa de cara à banda, há ainda os que só tentam meter conversa, e os que falam sozinhos, os que passam a vida a dar troco aos funcionários das informações, os que apreciam da cabeça aos pés quem quer que lhes passe à frente dos olhos, os que ficam pespegados de pé no meio dos corredores durante mais de uma hora, quase sem se mexerem, que não sabia haver nos hospitais concursos de homens-estátua, mas fiquei a saber que há, sim senhor, e até são bem bons naquela actividade, como se pode ver pela conversa também andei na observação, mas ao fim de umas quantas horas para ali sentado o que mais se pode fazer senão dar em mirone?