Umas vezes as frases saem assim, mais longas, que há quem prefira vê-las curtinhas, com pouca conversa, para não dar demasiado trabalho a ler, o que não é bem o que se passa com esta minha maneira de escrever, que o meu caso, como diria o Régio, está mais vocacionado para uma data de palavras enfileiradas sem pontos finais nem pontos de outras espécies, se bem que de quando em vez lá uso um ponto e vírgula, que é uma maneira de se dizer atenção, o tom da conversa vai mudar ligeiramente, mas cuidado que a conversa ainda é a mesma, porventura com um ligeiro desvio em relação à toada original, para os desatentos não perderem o norte, com algumas reticências, fica desde já a chamada de atenção, que os desatentos não ligam a miudezas dessas, ou é ponto ou não é, isto de meias-tintas não convence ninguém, nem é vírgula nem é ponto, as coisas que os calígrafos inventam para dar trabalho a quem lê, e ensinar regras dessas então é que são elas, os mais reticentes então não as aceitam nem por nada, como é que se pode engolir uma coisa assim meio insossa, diriam, eu cá acho que é também questão de sensibilidade, e ensinar a ser sensível dá uma trabalheira dos diabos, ai não que não dá, e além do mais pode correr-se o risco de cair em exageros, também não vale a pena entrar em desarmonias por causa de um sinal de pontuação, aquele ponto e vírgula fez-me ir às lágrimas, francamente, é demais, é excessivo, ignorá-lo é que também não, olha ali aquele ponto e vírgula a dar-se ares de importante, está mesmo a pedir para ser ignorado, desprezado, espezinhado, isso não, que se ele lá está é porque o puseram, se calhar nem tinha pedido que o metessem ali, para ser aviltado desta maneira pelos leitores mais indolentes, já com as vírgulas é outra coisa, sem elas é que nada feito, não vou a lado nenhum, fazem-me muita falta, meto-as a torto e a direito, tentando embora cumprir as regras, que nisso elas são bastante exigentes, olá se são, é uma pessoa metê-las à toa e põem-se a olhar para a gente de sobrolho franzido, a ferver de indignação, meterem-me ali entre um sujeito e um predicado, que vergonha, que falta de consideração, por mim, pelo sujeito e pelo predicado, isto para já nem falar do resto da frase, de quem vai ler uma coisa dessas, que ignomínia, cortar assim o fôlego a uma pessoa sem dar cá aquela palha, o ponto que se avenha lá no fim que entretanto vou aqui mandando eu, a vírgula, e se quiserem saber como é então que enfiem um ponto de interrogação ou de exclamação, mas sem exageros, um chega e sobra, que já se sabe que é interrogação e exclamação, ou será que não sabem?, pois é, lá está a virgulazita da ordem, a dar alguma sequência à conversa, a fazer com que isto não vá por aqui fora sem método nem disciplina, afinal de contas se juntamos uma letra a outra porque é assim que fazem sentido também as vírgulas são indispensáveis, que isto sem elas não ficava nada claro, mesmo nada, confundia-se tudo e depois quem pagava as favas, quem era?, o mais provável era sobrar para mim, e as favas hoje já não estão nada baratas, ainda por cima já não se pode pô-las nos bolos-rei nem nada, que a Europa não está para brincadeiras nem quer ver as pessoas com dentes partidos, para grande desgosto dos dentistas, que só à conta das favas dos bolos-rei lá iam engrossando a clientela, e como não há favas para ninguém já não há quem pague os bolos-rei do ano seguinte, por isso eu cá recuso-me a pagá-lo, não pago as favas, se quiserem vão aldrabar para outro lado, que as favas nos bolos acabaram-se.