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epois de ler numa das revistas da especialidade noticiosa, dessas que aparecem todas as semanas nas bancas e que, ao que parece, conseguem ainda algum sucesso numa sociedade pouco dada a comprar jornais e revistas, coisa estranha quando o que mais enche as ditas bancas são revistas de todos os tipos e espécies, que há cada vez mais gente a utilizar aviões de luxo para as suas viagens de negócios e de recreio, convenço-me de que os portugueses, na sua maioria, o mais que conhecem de aviões privados são aqueles feitos de papel, e mesmo esses qualquer dia já nem se podem dar ao luxo de conhecer, que com os ambientalistas a baterem-lhes de um lado por causa das árvores que se abatem para fabricar papel e os economistas do outro, a cortar nos gastos e a dizerem que o que é preciso é produzir mais e melhor, e já que os aviões de papel não têm grande efeito na produtividade nacional, a não ser que se ponham para aí a inventar um qualquer modelo que dê lucro e apareça alguma empresa interessada em investir no negócio, ao que se vêm juntar os aumentos de impostos e a obrigação de poupar e evitar desperdícios, para já nem falar do facto de a União Europeia deixar de autorizar os aviões de papel que não sejam de tamanho normalizados e não apresentem o símbolo CE, um dia destes acaba-se-lhes mesmo a mania, ai não que não acaba, que aviões privados só para os realmente endinheirados, nem à boleia um desgraçado poderá andar, que mais tarde ou mais cedo é preciso cartão para estender o polegar, e se este também não possuir a dimensão estipulada e o gesto não estiver de acordo com o parametrizado, nem pensar, vem logo um fiscal perguntar se o indivíduo está devidamente registado como pedidor de boleias, se está inscrito no sindicato ou na ordem, saca da régua para medir o polegar, digitaliza-o e compara-o com a base de dados, em caso negativo lavra logo um auto para uma operação plástica obrigatória de substituição do referido dedo, com apresentação regular nas autoridades após a intervenção para verificação do tamanho e da regularidade do gesto, e se lá foi devidamente tatuado o simbolozito CE, sem lá estar é que nada feito, acho que já faltou menos para que tais avarias não passem pela cabeça dos engendradores de normas europeias, que a criatividade que por lá vai é mais do que muita, sempre há que justificar o dinheiro que ganham e o tempo que lá passam, a parte do orçamento que nisso se gasta é que fica bem calada, eu, pelo menos, ainda não vi para aí escarrapachadas nos jornais tais contabilidades, diga-se de passagem que as páginas de economia não são as minhas preferidas, pois não são, mas também não faço com elas aviões de papel, vão é para a reciclagem, juntamente com as outras todas, senão ainda me vêm mas é acusar de não estar a contribuir para o desenvolvimento sustentado, de poluidor inveterado, Deus me livre, que é maneira de dizer nem pensar.