...as palavras... fizeram uma revolução e mandaram os escreventes às urtigas...
A maior parte das vezes nem sabemos muito bem de onde é que veio, o certo é que chegou mesmo, e com uma força capaz de mover montanhas, escrevi montanhas?, devia ter escrito serras inteiras, e se já escrevi, aqui fica, que não faço por menos, isto das escritas é um tanto ou quanto diferente das conversas, aí pode emendar-se assim ou assado que as palavras acabam por se ir sumindo e ninguém dá por elas a não ser os mais atentos ou as mais atentas, se calhar são mais as mais atentas e menos os mais atentos, que confusão que já fiz, é para se ver que esta mania de corrigir as frases enquanto se escreve por vezes dá nisto mesmo, numa bagunça total, mas aqui é possível voltar atrás, reler, tresler, aquela linha não me apetece por isso vou saltá-la, um perído inteiro, um parágrafo, há quem leia livros assim, aos saltos pelas páginas fora, lê ao pé coxinho, é o que é, só pode resultar numa leitura coxa, que não sei bem o que será, deve ser uma daquelas que mal se aguenta sentada, quanto mais de pé, meti-me aqui nesta conversa e já nem sei onde é que quero chegar, que diabo será uma leitura sentada ou de pé, uma pessoa lê de qualquer maneira, eu pelo menos faço por isso, de pé, sentado, deitado, aos saltos é que é mais complicado, que já não tenho saúde nem vista para tanto, ao fim destas linhas todas já fiz para aqui uma mistura maior do que as confusões que costumo armar quando me meto na cozinha, que tinha começado este texto para falar de uma coisa a afinal saiu-me outra, o pior é que fui embalando, as letras e as palavras acabaram por tomar velocidade e foram por aqui fora, ainda vão, olha para elas a encarreirar-se assim todas direitinhas uma a seguir às outras da esquerda para a direita e de cima para baixo, zás, zás, cá vão elas, já não as consigo parar, tomaram conta de mim, assenhoraram-se desta fraca vontade que tenho de lhes dar ordem para parar, para se ficarem por aqui, digo-lhes que já chega, nada, não me prestam atenção nenhuma, dizem-me que isto de autores já foi chão que deu uvas, que já não deixam que mandem nelas, que se autonomizaram, fizeram uma revolução e mandaram os escreventes às urtigas, se quiserem ter a mania de achar que são criadores então que criem outra coisa qualquer, que ponham o espírito criativo a render, inventem novas maneiras de comunicar, as palavras são assim mesmo, gostam de achar que são importantes, que sem elas nada feito, não se fala, não se conversa, não há cá combinaçõezinhas de espécie alguma nem declarações de amor, acabam-se os livreiros e as boticas de livros, os escritores, os revisores, os jornalistas, os comunicadores, os críticos, os que acham que são críticos e o resto da canalha também, os secretários e os chefes de gabinete, os ministros e os presidentes, faz-se uma limpeza total, e já que o homem é tão esperto então que se avenha, mas eu cá dei-lhes com a manha, disse já chega de tanto disparate, e escrevi um ponto final.