Às vezes mais valia, nesses centros comerciais que para aí abundam, abrirem umas lojecas de coisas que dão muito jeito, mesmo muito jeito, como a paciência, é que por tudo e por nada o que mais se ouve é tenha paciência quando uma pessoa já não tem nenhuma e está mas é desesperada de esperar e lhe dizem que nada feito, que naquele dia não pode ser, que passou o prazo, que falta ainda o papel tal e tal, mais o impresso xis-ípsilon-zê, quando se chega à bicha e se tira o papelinho e se repara que o número que temos é o vinte e três mil, quatrocentos e sessenta e sete e a ordem de chamada vai ainda no trinta e dois, pois na minha modesta opinião as lojas de paciência davam mesmo uma jeitaça, uma pessoa ia lá e comprava cento e cinquenta gramas de paciência, que dariam para o resto do dia, para os mais aflitos a dose poderia chegar ao meio quilo, ou então haver, nessas lojas do cidadão que agora estão na moda, uma secção específica onde se forneça paciência, assim ia-se ao guichet ali do lado e pedia-se uma dose, simples ou dupla consoante a estimativa do desespero, que podia ir à tripla para os casos mais agudos, e os maníaco-depressivos, tal com os hipocondríacos, até deviam ter direito a fornecimentos gratuitos, vitalícios, devia estar escrito no bilhete de identidade, logo abaixo da data de nascimento e da naturalidade, este senhor ou esta senhora tem direito a fornecimento vitalício de paciência, bastando para tal apresentar este documento aos respectivos fornecedores, assim acabavam-se as brigas, atenuava-se logo à nascença a tendência de muita gente para ir aos arames por-dá-cá-aquela-palha, haveria coisas mais interessantes para se tornarem motivo de discussão, por exemplo a Constituição Europeia ou as limitações dos mandatos de cargos políticos executivos, ou a identidade do próximo líder do Partido Social Democrata e qual a duração do presente, enfim, assuntos importantes, de Estado, as relações económicas com a China e os Estados Unidos, a desvalorização da moeda, a modernização das estruturas empresariais, nada de somenos como o tempo de demora da bicha até ser-se atendido, a cor do cabelo do último penteado da fulana de tal, as próximas contratações do clube de futebol da nossa preferência, a quantidade de golos marcados em situação de fora-de-jogo do clube da nossa antipatia ou de vítimas do processo de pedofilia, bem como a duração do julgamento do referido caso, nem muito menos a paciência que nos falta para ouvir uma vez mais as conversas do costume e para aturar as caras que aturamos todos os dias, era só ir à tal botica, esperar a nossa vez de sermos aviados, cem gramas, duzentas, meio quilo, fosse quanto fosse de paciência para nos conseguirmos ir aguentando, que nesta coisa de paciências há as das cartas e pouco mais.