...há maples que têm orelhas mas não têm ouvidos, se tivessem é que havia de ser o bom e o bonito...
Com conversa se desconversa, é um dos hábitos que reinam cá nesta terra, que nos leva a inventar palavras para as colocarmos onde à partida não deviam estar, quer por uma questão de lógica quer simplesmente situando-as num contexto de todo em todo diferente do original, ou então apenas porque apetece, vai uma pessoa muito bem a meio da uma simples tergiversação quando alguém pergunta e depois, e a tendência é logo para desatinar, depois?, depois morreram as vacas e ficaram os bois, que é uma antiga tradição das historietas infantis, que deixam as crianças de cara à banda, a pensar mas que raio é que fizeram às vacas para morrerem todas de uma assentada, foram todas para bifes?, e o que é que ficam para ali a fazer os bois abandonados à sua sorte, vão à procura de outras vacas ou pura e simplesmente resignam-se e pronto, ficam contentes com a sua sorte, desatam às marradas uns aos outros ou ficam para ali a jogar às cartas e a dizer asneiras, que é o que os machos costumam fazer quando ficam sozinhos, sem alguém que lhes infunda respeito e lhes meta pimenta na língua, o que é um desperdício de pimenta, diga-se de passagem, mas as soluções são muitas e variadas, por exemplo quando sai um então leva logo a um antão era pastor, e guardava ovelhas, e tinha carrapatos atrás das orelhas, o que não é muito digno, diga-se, nem higiénico, francamente, essa de ter carrapatos atrás das orelhas só de quem não pode dar lições de higiene pessoal, não querem lá ver uma pessoa a dar lições de moral cheia de bicharada e de porcaria, e logo num sítio escondido e que até nem é assim tão difícil de limpar, embora incómodo, que o digam as crianças, que uma pessoa fala em lavar-lhes as orelhas e põem-se logo aos berros, o que levanta a necessidade de uma campanha mediática nacional a este propósito, como a que foi feita para a higiene oral, para mal dos dentistas, com palavras de ordem e tudo, carrapatos atrás das orelhas, não, lave bem as pavilhões auriculares de forma regular, qualquer coisa neste género mas mais incisiva, com rima, que é para ficar no ouvido, a orelha no ouvido, essa é boa, desde que o tempo é tempo, pelo menos que eu saiba, que a orelha e o ouvido estão intimamente ligados, ficam no mesmo sítio, mais milímetro menos milímetro, nunca ouvi falar de orelhas que não ficassem por ali, com algumas excepções dignas de menção, como as orelhas dos livros, dos maples, que há maples que têm orelhas mas não têm ouvidos, se tivessem é que havia de ser o bom e o bonito, punham-se a contar histórias e a desenrolar inconfidências com os sofás, os tapetes, e sabe-se lá com que mais coisas acolchoadas, é bom nem sequer pensar nisso, para já nem falar dos ácaros, que esses se metessem a boca no trombone é que caía o Carmo e a Trindade, ou talvez nem fosse caso para tanto, arranjavam-lhes logo um programa televisivo e ficavam com a vidinha arranjada, e também é bom que os livros não tenham ouvidos, coitados, já lhes basta o que contam para ainda por cima terem que ouvir, então é que emigravam todos para algum lugar longínquo e ninguém lhes punha mais a vista em cima, que assim como assim há cada vez menos gente a pôr-lhes a vista em cima, mas isso são contas de outro rosário, e aqui não me vou meter em religião, já há quem o faça com bastante insistência e dispensa-se mais um, está bem?, ou em forma mais abreviada ‘tá bem, que é preciso ter alguma cautela com estas abreviações, uma pessoa vai descuidada numa conversa e responde, com a maior das simpatias e à-vontades ‘tá, ‘tá, e saem-lhe logo com o tá-tá é uma corneta, fica-se de repente assim a modos como que arrelampado, o que se pode responder perante um tão elevado exemplo de coloquialidade?, embrulha-se e pronto, leva-se para casa para o almoço, quem sabe se a tal corneta não serve para chatear os vizinhos que nos moem o juízo com pianadas sem jeito nenhum, música a altas rotações, concertos de berbequins, martelos e picaretas, pode ser que sim, que até sirva. Se calhar até vale a pena tentar. Pelo menos não se perde tudo.