A reviravolta deu-se quando o director deu um murro na mesa e se saiu com um
- Mas o que é esta merda? Aqui mando eu e mais ninguém.
O que fez com que toda a gente se calasse, e houve até duas senhoras que simularam um desmaio, para ver se a coisa pegava e as culpas não sobravam para elas, que a confusão há muito que se tinha instalado na reunião, e um dos culpados já corava da careca quando o director voltou a falar.
- O que eu quero é sugestões, não quero cá coisas do género eu digo que ele disse que ela disse, porra, disso estamos fartos até às orelhas, e assim não vamos longe, não vamos é a lado nenhum. Por isso deixem-se lá de mariquices e de conversas pelas costas. Se têm alguma coisa para dizer é aqui e agora. Ou então calem-se de uma vez por todas.
Está mais do que visto que não houve quem abrisse a boca, que perante tais ultimatos a esperteza desaparece mais depressa do que o álcool de uma garrafa sem tampa, e ninguém lhe mete mais a vista em cima, e já havia quem começasse a indignar-se com as asneiras, que linguagem daquela nem no mercado do Bulhão, quanto mais numa reunião de direcção de uma fábrica com pergaminhos na indústria têxtil nacional.
- Nem uma? - volveu o director. - Nem uma para amostra? Mas que raio é que estão aqui a fazer? Para que é que recebem o ordenado ao fim do mês? Para que é que eu vos pago? Se pretendem tornar-se uma cambada de inúteis, meto-vos no olho da rua. Meto-vos a todos no olho da rua. E nem penso duas vezes. Se estão para aí a imaginar que fico com remorsos, podem ir tirando o cavalinho da chuva. Nenhum. Nem um para amostra.
A sala mergulhara num silêncio ensurdecedor, quase se ouvia os corações a baterem desordenadamente, alguns já à beira do colapso, e havia dentes cerrados, um desespero interior, crescente, até que uma vozinha trémula soou como se de um grito de alarme se tratasse fazendo por ganhar o seu lugar num ruído infernal que mais não era do que o que todos os ouvidos pensavam que de súbito os tinha ensurdecido. E aquela voz sumida pareceu-lhes um trovão que se sobrepunha a tudo o resto, um tremendo esgar de agonia da natureza, um prenúncio de novas e mais terríveis desgraças.
- Eu tenho uma ideia - avançou uma garganta ainda enrouquecida de tanto obstinar-se naquela tentativa quase suicida. - Acho que tenho uma ideia, senhor director - soou novamente a voz, agora um pouco mais clara.
- Sim, doutora? Vamos lá ver a sua ideia. Sempre quero saber o que tem para me dizer. Desde que não seja mais alguma coisa sem pés nem cabeça, como as que aqui tenho ouvido ultimamente - sentenciou o director.
- Podíamos contratar uma equipa de designers, senhor director. Os estudos de mercado que o meu departamento fez nos últimos meses indicam que...
- O quê? - disparou o deus ex-machina. - Contratar mais gente? Para ter que pagar ainda mais ordenados a gente que não quer trabalhar? É esta a sua ideia? Olha que bela ideia! Dar trabalho a uma súcia de malandros que não sabe nada de nada, só porque andaram na Universidade... Eu nunca precisei de Universidade nenhuma, senhora doutora, nunca. Ando aqui desde os meus onze anos e não andei a esfregar o traseiro nos bancos das escolas durante uma data de tempo à custa dos papás. Não precisei disso para nada e cheguei onde cheguei.
Os olhares que se trocavam na sala estavam completamente aterrorizados. A vozinha sumiu-se por completo, abafada pelo trovejar da voz do dono.
- É esta a bela ideia que têm para me oferecer? Mais nada? Esta fábrica trabalhou durante anos e anos sempre na mesma linha. E aguentou-se. Aquilo que tenho, devo-o a esta fábrica, que comprei com o suor do meu trabalho desde que entrei para cá, deve-se à porcaria que pelos vistos os senhores e as senhoras dizem que fazemos. E se não dizem, pelo menos pensam. Devia era correr com vocês todos. E se calhar é mesmo isso que está a fazer falta. Menos gente a mamar nas tetas desta empresa. Pelo menos poupa-se o dinheiro que vos pago. E aquela gente lá em baixo, nas máquinas, também quer o quê? Ficar a beber cervejas e a tomar cafés no bar o dia inteiro? Cambada de malandros. Ninguém quer trabalhar. Querem todos ficar ricos de um dia para o outro sem fazer nada.
O homem estava possesso, irritado, prestes a entrar em ebulição, a enveredar por um caminho sem retorno.
- E é isso mesmo que vou fazer. Fechar esta merda e declarar prejuízo às finanças. Vai tudo para o desemprego. O que é que me dizem a isto? Hem? Vão ter um fim de semana que nunca mais acaba.
O director de pessoal levantou-se calmamente, dirigiu-se ao director, que olhava para ele com ar de surpresa e ao mesmo tempo de curiosidade, e a cerca de dois metros levou a mão ao bolso, tirou um revólver e desfechou-lhe dois tiros na cabeça enquanto todos os presentes congelavam finalmente no silêncio em que já tinham mergulhado.
- Aí tens a minha resposta, cabrão. E bom fim de semana também para ti - declarou.