Ao fim de uns quantos anos, as palavras acabam por cair em desuso, e desaparecem aos poucos e poucos até que delas fica apenas uma ténue e breve memória nos que ainda, com alguma casmurrice à mistura, persistem em não deixar esquecer expressões como olha, vai ali a flausina da filha do farmacêutico, essa gente não faz nada de nada, são mas é uma corja, aquele já foi para o maneta, chove, chove, galinha a nove, o bestial, que era coisa dos anos sessenta e por essa altura considerado grande asneira pelos mais velhos, que afinfavam logo com um bestial vem de besta, não é?, agora já mal se ouve, substituído que foi por uma miscigenação cultural como o bué da fixe, que o baril dos anos oitenta e noventa está em vias de extinção, e assim vai a língua portuguesa de geração em geração, cada qual tentando deixar a sua marca e empurrando para um canto obscuro as que outros, antes dela, haviam porfiado por deixar instaladas na memória linguística como algo de seu.
Não é que seja grande adepto dos bordões de fala na escrita, da utilização obsessiva de expressões populares, adagiários incluídos, se bem que de quando em vez me sai uma ou outra, com grande frequência mais a despropósito do que outra coisa, mas parece-me que a memória das pessoas encurtou de há uns anos para cá, que a informação que recebem de todo o lado é tanta que por certo levará a uma selecção e a uma catalogação quiçá prática no arquivo das inutilidades de grande parte de expressões hoje em dia consideradas vetustas e por isso inúteis ou pelo menos despiciendas, fruto de um natural empobrecimento do léxico e de influências exteriores ao próprio acto de linguagem, como é o caso da uma boa parte da mensagem televisiva actual, dando maior relevância ao transitório do que à riqueza vocabular, a uma simplificação do acto de comunicação, menos atenta a exactidões do que a imediatismos simplificados que rapidamente conduzam a relacionamentos ocasionais e a impressionismos que se ficam, na maior parte das vezes, à flor da pele, sem uma penetração a um nível mais profundo.
Este texto acabou por sair-me assim, com algum pedantismo, o que não era de todo a minha intenção, para ser franco não era nada disto que tinha em mente quando comecei a escrevê-lo, mas uma vez mais as palavras levaram a melhor sobre mim, deve ser fraca esta minha vontade, para me opor a que me preguem rasteiras destas, a que me levem por aqui em vez de ir por ali, acabo mas é por subir ladeiras íngremes e chegar lá cima já sem fôlego, com os bofes de fora, como se diz por aí, ou pelo menos dizia, a transpirar por todos os lados, e sem vontade nenhuma de fazer mais nada a não ser sentar-me à sombra e descansar, que é o que vou fazer já de seguida, acabar estas linhas, encontrar um cantinho mais ou menos tranquilo e confortável, de preferência fresco, que o calor começa a apertar, mas não demasiado, que não vale a pena apanhar uma constipação só por descuido, daquelas que às tantas descambam em pneumonia e era uma vez.