Há dias em que os silêncios nos atacam de surpresa, deixam-nos um gosto amargo na boca, como se nada mais houvesse do que uma terra vazia, sem gente, sem árvores, e acabamos sentados a um canto do mundo, como se nos tivessem ali deixado a carpir culpas que nem sabemos que tínhamos, encostaram-nos a uma esquina da vida, de repente deixámos de prestar para alguma coisa, se é que alguma vez prestámos para alguma coisa, fica apenas um silêncio que nada mais tem do que um vazio de palavras, que num repente cessaram como se nunca devessem ter existido, um nada ainda mais que nada, e então os olhos fecham-se para tudo o que está lá fora e ficamos subitamente transformados em personagens de uma fita de outros tempos, onde a tristeza era mais do que tristeza, era um retrato de família onde nem sequer estávamos, nem poderíamos estar porque nos tinham afastado como a uns olhos a quem se recusa um único sorriso, como a alguém a quem se interdita uma só palavra, longe de tudo o que poderia estar perto.
Os sentimentos são assim mesmo, coisas que vão e vêm, que apenas estão de passagem, ou que de quando em vez ali ficam, à espera sem saber bem de quê, quem sabe se apenas de saber que o são, e à distância observam os que chegam e os que partem, os passageiros desse comboio que vão a caminho de um outro lugar qualquer onde possam continuar a sorrir, mas também aqueles que perderam a viagem, aqueles que não conseguiram sequer uma passagem, e que para ali ficaram sem nada já que esperar. Uma vez por outra as pessoas esquecem, e permitem que fique apenas uma ténue memória do nada que foi muito, que foi pelo menos alguma coisa, uma meia dúzia de palavras soltas que nunca chegaram a ser uma frase, mas que deixaram um sabor adocicado nos lábios, irrepetível, sem mais dor do que a de ter sido um dia a única voz que então queríamos ouvir.