...as mulheres falam, falam muito, falam pela boca, pelos cotovelos, alto, muito alto, porque não deve ser fácil, mesmo nada fácil, fazer-se ouvir num grupo onde todas falam...
Quando vários homens se juntam em grupo está instalada a confusão, e o mesmo se poderá dizer das mulheres, se bem que destes casos não tenho propriamente o que se pode chamar experiência, que nunca andei por aí infiltrado em nenhum bando de mulheres, mas, sobretudo por obrigação profissional, mais do que uma vez fui o único elemento masculino em assembleias femininas, e para dizer a verdade nunca me senti lá muito à vontade, pelo menos o suficiente para não abrir a boca mais do que uma meia dúzia de vezes, se tanto, antes que levasse alguma que andasse de roda e a ver estrelas, que sempre fui mais de prevenir do que remediar, hábitos ancestrais, decerto, já que não tenho memória de nenhum homem na família que tivesse sucumbido repentinamente debaixo de algum ataque de fúria feminil, ou se o houve pelo menos a história foi bem abafada, a ponto de nunca ter transpirado nada, nem uma palavra que seja, nem sequer uma leve insinuação, porque as mulheres falam, falam muito, falam pela boca, pelos cotovelos, alto, muito alto, porque não deve ser fácil, mesmo nada fácil, fazer-se ouvir num grupo onde todas falam, de preferência ao mesmo tempo, se bem que terei algumas dúvidas se realmente pretendem fazer-se ouvir, ou se, na verdade, o que as move é apenas o gosto pela fala, um dos passatempos que considero estar entre os seus preferidos, para além do de comprar sapatos.
Vem isto a propósito de, mais uma vez, me ter visto numa alhada destas, de ficar mais ou menos a ouvir conversas cruzadas de um lado e de outro, e ficar mais mudo que um penedo, ou quase, e desligar de quando em vez o interruptor para preservar a sanidade mental, o que é hábito já enraizado e que não consigo evitar, às tantas por tantas dou por mim a levar com uma pergunta daquelas inconvenientes do tipo e tu, o que é que achas, e eu sem achar nada, nada de nada, nem a ponta do fio da meada da conversa, coisa que por norma acontece naqueles momentos em que tinha acabado de desligar-me por uns minutos para recarregar as baterias que normalmente trago dentro dos ouvidos para ver se não se me avaria de repente a cachimónia, zás, a pontaria é mais do que certeira, a pergunta ataca mais uma vez de repente, nem sei de onde é que veio, fico a olhar para um lado e para outro a ver se a conversa avança, estratégia que resulta quase sempre, se bem que há vezes que vai pelo cano abaixo, não é mesmo nada fácil uma pessoa acordar arrelampada com dois ou três – ou mais – pares de olhos a mirarem-nos fixamente à espera de não sei o quê, se calhar uma opinião brilhante, assim sem mais nem menos, vinda sabe-se lá de onde, e nisso as mulheres não perdoam, nem mesmo um bocadinho, se dão pelo facto de não lhes estarmos a prestar atenção, nem mesmo quando dela não precisavam por estarem entretidas umas com as outras, ficam piores que baratas, põem-se a olhar uma pessoa de lado e deixam de lhe dirigir palavra até sei lá quando, fica-se para ali mais transparente do que sei lá o quê, afundado num desprezo e numa ignorância suprema, não respondeste, ah, então deixaste de existir, pronto, nem sei quem és, não te conheço, caso arrumado, e a conversa segue alegremente em frente como se nada se tivesse passado, mas aquele que ali estava deixou de estar, se não sabes ouvir, para nós é como se não estivesses cá, que pecados é que um homem afinal traz às costas para sofrer semelhantes vilipêndios é o que eu gostava que me dissessem. Sorte, sorte, é que isso só acontece de quando em longe, que mais vale ficar com cara de parvo do que ser ignorado, pelo menos é o que eu acho, e também tenho direito a ter opinião, se bem que sozinho num grupo de mulheres o melhor é nunca ter opinião nenhuma, não vá a coisa dar para o torto e acabar por levar-se tanta tareia que nos deixe a alma mesmo negra de tanta pancada.