Pese embora a minha formação, sempre considerei que os ingleses eram mais esquisitos do que eu sou com a comida, para além do historial de pirataria que se empenham em esconder dos manuais de história, ou que pintam com as cores mais suaves das cartas de corso, que nada tem que ver com o Carnaval tal como o conhecemos e que a tais gentes nada diz, uma pessoa tem a ideia de que do norte da Europa só vêm bons exemplos, é preciso não exagerar, olha se de repente desatássemos todos a conduzir pela esquerda, havia de ser o bom e o bonito, quando pela direita já é o que é, se de um momento para o outro o Presidente da República se tornasse o chefe da igreja nacional, isso é que ia ser lindo, quer-me parecer que eram cá chinesices a mais para a nossa maneira de ser, que é mais pão-pão-queijo-queijo, lá se iam os nossos mais ou menos, assim-assim, que aquilo é gente cheia de certezas, que não têm dúvidas, que sabem sempre a quantas andam, horários certinhos alinhados pelo Big-Ben, onde é que já se viu a Morte ser um homem, um barco uma coisa feminina, francamente, até hoje não tenho memória que alguém tenha visto um barco de saias, mas pelos vistos lá para as Inglaterras é coisa habitual, tal como as sobremesas de ruibarbo, coisa intragável para quem já experimentou, um doce que não passa de umas couves cheias de açúcar, com talos e tudo, leite creme por cima, um autêntico nojo, mas também quem é capaz de comer batatas fritas cheias de cebola embrulhadas em papel de jornal e ainda chorar por mais está por tudo, aquilo é mas é um país de canhotos, e a religião católica sempre ensinou que a mão esquerda é a mão do diabo, cruzes canhoto, lá diz o ditado, isto sem desprimor para os esquerdinos, que cá na nossa terra eram educados desde pequeninos a utilizar à força a mão direita para o que lhes era natural usarem a esquerda, se calhar estamos a tornarmo-nos anglófilos, é o que é, não tarda muito em vez de bom dia é gude morningue, que a moda pegou, e parece que a querem fazer chegar às crianças desde os primeiros anos da escola, que já nem português aprendem quando mais as línguas dos outros, passam a vida nos picotados, recorta daqui e recorta dali, hoje vamos fazer uma tartaruga, toca tudo a escortanhar papel colorido para fazer as tais tartarugas, depois é muito bom para aqui muito bom para ali por causa das auto-estimas, a Joana sabe recortar muito bem, o Chiquinho já domina as cores na perfeição, precisa no entanto de trabalhar a tesoura com mais acerto, a Leninha consegue diferenciar os bichos após cinco anos de escolaridade, parabéns à Leninha, vamos dar-lhe um prémio, hoje é dia de prémios, e a Leninha vai ter um prémio especial, todos vão ter, nada de tristezas, mas para a Leninha é especial, amanhã é para os outros, hão-de ter todos prémios especiais, Salvador, não chores, amanhã na aula desenhas um gatinho e recebes um prémio especial também, e se não te lembrares não faz mal, eu digo-te, também não é preciso lembrar tudo, não é, se não souberes como é que se desenha um gatinho eu ensino, nem todos os meninos e meninas do terceiro ano sabem como é um gatinho, não é verdade, é, sim, senhora professora.
Chinesices destas já as temos por cá, é coisa que não falta, mas pelos vistos ainda vamos importar mais algumas, está visto que não conseguimos ser auto-suficientes em nada de nada, nem sequer nas chinesices.