...O que para aí há são regras: onde colocar pontos, onde colocar vírgulas...
D izem-me alguns amigos que escrevo com muitas vírgulas. Por isso decido escrever um texto com muitos pontos. Assim, arrumadinho. Para permitir a quem lê assentar melhor as ideias. Cá para mim é preguiça, mas o que se há-de dizer? O ponto final é o pai da preguiça mental. É, sim senhor. Faz com que as frases se tornem mais fáceis de interpretar. Deixa descansar o intelecto. Mas lá que é preguiçoso, isso é.
Antigamente não havia pontos. Escrevia-se tudo de seguida, e que percebesse quem quisesse. Também não havia muitos que percebessem, por isso não fazia grande diferença. Não há muita literatura sobre estas coisas da pontuação. Nem no Serafim Neto, nem no José Joaquim Nunes, nem no José Pedro Machado. Diga-se de passagem que estas são referências culturais. Uma pessoa tem que fazer alarde dos seus conhecimentos. O que para aí há são regras: onde colocar pontos, onde colocar vírgulas. Nisto toda a gente dá sentenças. Mas pouco mais.
A Internet também não é famosa, neste assunto. Procura-se em ponto final, em páginas em português, e obtêm-se alguns resultados interessantes: nomes de jornais, viagens e turismo, artigos diversos, ponto final à corrupção, vinhos ponto final. Eis um interessante, este último. Bebes este vinho e ponto final. Acabou-se. Dá-te uma cirrose das antigas e finas-te. Olha que raio de publicidade. Deve ser esperto, quem inventou este nome para vinhos. Eu se visse um vinho destes no supermercado fugia dele a sete pés. Além dos dois que tenho cresciam-me mais cinco. Só para fugir dele. Se calhar se fossem oito equilibrava-me melhor. Também não se pode ter tudo. Usa-se uma bengala e já está. Se fosse polvo nem precisava dela. Mas também se fosse polvo não estava para aqui a escrever disparates. Largava a tinta e quem quisesse que fosse encher canetas. Ou então já tinha servido para fazer um arrozito.
Os pontos só começaram lá para o século catorze, as vírgulas ainda mais tarde, lá para mil quinhentos e vinte. Os pontos e vírgulas apareceram lá para os fins desse século. Travessões e aspas só para os mil setecentos e tal. Romanos e gregos que escrevessem, pelo menos os primeiros, escreviam tudo de seguida. Sem espaços. Portanto não nos podemos queixar.
Passando por cima desta lição de história da grafia, aqui sempre está mais fácil de ler. Eu acho que sim. Mas sou suspeito. Se fui eu que escrevi, posso sempre ser suspeito. Aliás já nos filmes do Hithcock eu aparecia sempre como suspeito. Quem cometeu o crime? Ali o Rezendes parece-me suspeito. Nem posso pôr o pé numa agência bancária que me olham logo de lado. Olh’ali aquele parece-me suspeito. Se calhar sou mesmo. A propósito de pontos, já está. Ponto final.