Chamava-se Amaral dos Santos. Tal e qual. Sem mais. Nomes próprios não havia, na escola chamavam-lhe Amaral, tal como em casa os pais, que pelos vistos nada mais pretendiam do que economizar, afinal os nomes são uma economia de palavras, quando queremos chamar este ou aquela sai mais em conta dizer um nome do que trocar por miúdos o que a pessoa nos é a nós ou então descrevê-la dos pés à cabeça para que o referido sujeito ou a mulher em causa saiba que nos referimos a ele ou a ela e não a nenhum outro ou outra – isto de negações múltiplas numa mesma frase só na língua portuguesa, não a nenhum, passamos a vida a negar seja o que for, mas quando se trata de afirmar também gostamos de reforçar, afinal isto de falar não é só para pessimistas, além do mais convém deixar aqui bem claro que nos tempos que correm já não se pode usar o masculino como referência a alguém indeterminado, ainda vêm de lá as mulheres todas de pistolas na mão como a Maria da Fonte e lá vai disto, é no que dão estes tempos modernos que até a própria gramática já não respeitam.
Como o nome passou no cartório é que é outra conversa, devia o empregado estar distraído, que a lei não dá assim licença do pé para a mão para uma pessoa se chamar como quiser, senão onde é que ia parar a onomástica com o génio inventivo dos portugueses, lá para os brasis é que há gente com nomes mesmos estapafúrdios, cafeaspirina de melo, dezecência feverência de oitenta e cinco, joão cara de josé, nacional futuro da pátria, himeneu casamentício das dores conjugais, maria panela e outros no género, já apareceram até nos jornais pelo inusitado da coisa.
Pois o dito Amaral dos Santos sempre sofreu na pele chamar-se simplesmente Amaral dos Santos, desde os tempos de escola, que as crianças sabem ser cruéis quando lhes dá na gana, por dá cá aquela palha fazem a vida negra a um desgraçado só porque é mais gordo do que os outros, ou mais magrinho, ou tem um olho torto, ou a cabeça desta ou daquela forma, ou porque não tem nome próprio a não ser Amaral, nunca percebi lá muito bem o que é isto da vida negra, será que há vidas brancas, ou alvas, ou transparentes, esta última não deve ser lá muito cómoda porque se calhar passamos despercebidos e ninguém dá por nós, o que diga-se de passagem pode ter as suas vantagens.
Quando entrou na maioridade lá foi tratar de meter um nome próprio no bilhete de identidade, mas trataram logo de o pôr com dono, que era difícil, metia papéis para a direita e papéis para a esquerda, carimbos daqui e dacolá, porque aqui no nosso paiszinho não se faz nada sem uma data de carimbos, vai-se à caixa pedir um cheque para enviar para a estranja e metem-lhe a folha do pedido três vezes na impressora, depois de dobrada e redobrada, deve ser porque têm que justificar o facto de terem impressoras nos bancos embora ainda se continue a fazer quase tudo à mão, parece que estas novas tecnologias ainda não se adaptaram aos portugueses e aos carimbos, que agora são impressoras em vez de carimbos, ele há maneiras de dar a volta a tudo, o que é preciso é criatividade.
Fez o desgraçado todas as diligências e mais alguma mas nada, deram-lhe um prazo de oito semanas, dois meses menos uns dias, quando andava de herodes para pilatos à procura dos tais papéis e carimbos foi atropelado e morreu com o nome incompleto. Como nunca apareceu com a papelada, ao fim das tais semanas o processo foi arquivado por falta de documentação.