...qualquer dia ainda abrem para aí um restaurante medieval e uma pessoa vai lá para comer com as mãos...
Jantar com gente famosa não é coisa que recomende. Francamente que não. Vai-se pela rua a meio de uma conversa e zás, estás bom, pá, já sei que andas todo inchado, com o nome nos jornais e tudo, pois é, não é que me gabe, mas é verdade, está uma pessoa para entrar no restaurante e pimba, sai de lá mais um rol de conhecidos, conversa daqui, conversa dali, e uma pessoa a olhar para outro lado e a assobiar para o alto, que é como quem diz, que assobiar em público é má educação, pelo menos foi o que me ensinaram, por isso este assobio veio assim a jeito de bucha de escrita, salvo seja, que não queria aqui o bucha para nada, e muito menos o estica, a menina que estava à porta a encaminhar os clientes até levou com um arigatô, está-se mesmo a ver que era um restaurante japonês, se não fosse não tinha vindo a propósito o arigatô, ficou-se a rir para ele, e ainda mais se riu quando não havia maneira de nos sentarmos e ele se pôs a apontar para o estômago dilatado que já pedia maior dilatação e não havia maneira de isso acontecer, como nos partos complicados, não é que seja especialista em partos complicados, mas imagino que os partos, se são complicados, é porque a coisa se torna demorada, nem sei bem porque é que me lembrei aqui dos partos, deve ter sido de falar em dilatações, se calhar um dia que me ponha a escrever sobre as propriedades dos metais também me vou lembrar de partos, que raio de coisa, que associações mais parvas é que me dá para fazer, enfim, adiante, lá nos sentámos e começámos a comer, comer propriamente não foi bem o caso, que a comida ia e vinha, ia e vinha, e os comensais que estavam antes de nós levavam quase tudo, comensais não é bem o termo, comilões será mas exacto, ou antes comilonas, que também as havia e deitavam-lhe bem o garfo, aqui espalhei-me também porque não havia garfos, eram só pauzinhos, lá nos ajeitamos todos a comer com aquilo que nos dão, que remédio, qualquer dia ainda abrem para aí um restaurante medieval e uma pessoa vai lá para comer com as mãos e limpá-las ao pêlo dos cães em vez dos guardanapos, olhem que se isto dá na moda não sei onde é que vamos parar, anda uma civilização a evoluir, a inventar guardanapos, facas, garfos, e depois metem-nos a comer com pauzinhos, mas uma pessoa lá se vai ajeitando, e pãozinho, então nem vê-lo, é mania dos orientais, dizem que o pão deles é o arroz, que diabo, para mim pão é pão e arroz é arroz, que ainda se diz para aí eu dou-te o arroz, que o mesmo é dizer castigar, que eu saiba não se diz eu dou-te o pão, também era melhor, que um pãozinho vem sempre a calhar enquanto que um arroz nem por isso, dá mais jeito quando estamos com a tripa um nadinha para o avariado, se bem que nessas alturas um pãozinho torrado também não calha nada mal.
Já me perdi outra vez, mas também não faz mal, ah, já sei, falava de ir jantar com pessoas famosas, pois é, mas o jantar acabou e fomos todos para casa, o que é outra história.