Sempre achei muita graça à Lei de Murphy que reza mais ou menos o seguinte: quando uma coisa pode correr mal há-de correr mal com toda a certeza.
Pois o senhor Raimundo não era homem para graças, como o nome pode dar a entender. Mas era um optimista por natureza. Logo depois de ter fechado as contas da loja, punha-se a verificar os magros lucros que o negócio dera, e achava que assim estava bem, que diabo, não andava ali para ficar rico, se assim fosse tinha mas era emigrado para a Venezuela ou para as Bermudas, que ali é que as pessoas semeavam um vintém e nascia uma árvore das patacas, sem problemas de câmbios nem nada. O resto do tempo livre dava para ver o que ia investir quando reabrisse e, se havia caloteiros que não lhe pagavam o que deviam, pespegava com o nome deles na montra, juntamente com as dívidas, e era vê-los passarem para o passeio do outro lado da rua com um ar cabisbaixo e a olharem de esguelha mal se avizinhavam da porta, não fosse o diabo tecê-las e passarem pela vergonha de se verem de repente chamados à pedra no meio da rua.
Mas aquilo lá ia dando para as despesas e para viver, desde que não se pusesse com grandes voos, férias aqui e acolá, carros novos todos os anos, grandes comezainas nos restaurantes mais caros uma vez que, se era um homem de gostos um tanto ou quanto refinados, estes limitavam-se a uns luxozitos de quando em vez, uma fatito novo de seis em seis meses, uma ida quinzenal a restaurantes mais carotes, e pouco mais.
Na boa vida andava era o farmacêutico, que tinha a botica sempre a abarrotar de velhos engripados, a pingar do nariz e com dores por todo o lado, e se não eram as constipações eram as alergias, as diarreias, o nervoso miudinho de que esta gente nova parecia padecer cada vez mais, insónias, stress, lá o que isso fosse, que não o sabia ele, que levava a vida nas calmas, devagar devagarinho já tinha chegado aos setenta e muitos e não se queixava de grandes males para além de um reumatismo sazonal que lhe apoquentava as costas durante os meses mais húmidos. Esse, sim, andava com a mulher dependurada do braço cheia de jóias e embrulhada em casacos de peles, mais parecia uma ursa enfeitada do que uma mulher de farmacêutico, carros novos era vê-los a estacionar à porta quase todos os meses, de onde saía todo emproado com o seu bronzeado das Caraíbas, Maldivas, Malvinas, Marialvas, ou onde quer que fosse que o homem ia gastar os lucros das gripes alheias.Um dia, porém, entrou-lhe pela mercearia dentro uma jovenzita com uma mini-saia daquelas que mostram tudo até ao pescoço, este incluído, com um sorriso pepsodente de encandear os mais míopes e tudo mudou na sua vida. O raio da rapariga era atrevida, meteu-lhe na cabeça umas tantas ideias estapafúrdias e no corpo uns ardores que há já muito não sentia, o certo é que empenhou a casa, a loja, mercadoria incluída, e acabou por perder tudo, família, casa, loja, mercadorias, amigos, parentes, juízo, respeito. Vive agora no Júlio de Matos a expensas do Estado, e de quando em vez é vê-lo pelas imediações da Avenida de Roma a meter-se com as mulheres novas que por ali passam, prometendo-lhes mundos e fundos, que diga-se de passagem já não possui, os fundos, pois claro, que os mundos agora são aqueles em que o engano de alma, ledo e cego, a fortuna lhe fez durarem o que duraram.