Antonino Formiga Coxinho, de alcunha o Mexicano, era finalmente Chefe de Gabinete de um Secretário de Estado. A alcunha vinha-lhe dos tempos da juventude, em que passava horas atrás de horas sentado na pastelaria do mesmo nome, saltando de mesa em mesa a cravar bicas a tudo quanto fosse gente conhecida. Às vezes tinha a sorte de lhe pagarem alguma coisinha melhor, quando alguma dama já entradota de vida solitária lhe fazia um discreto sinal para convidá-lo a fazer-lhe companhia. Claro que uma coisa levava a outra e Antonino dava por si na manhã seguinte a sair para uma rua assim-assim desconhecida a tresandar a perfume de velha. Um ou outro verão chegara até a passar férias em Paris, Genève ou Veneza graças ao estratagema. O pai era filho de um casal de rendeiros de Soure, e tivera uma infância difícil, trabalhando aos 10 anos como marçano para o tendeiro da terra; porém, e talvez devido a essas experiências de mocidade do progenitor, era hoje um incorruptível defensor da necessidade de legislar contra a exploração da mão-de-obra infantil.
Tinha uma fisionomia de toupeira, com influências judaizantes, uma daquelas caras que irritam e convidam à desconfiança. O ar de manga-de-alpaca, desconfiado e antipático por excelência, herdara-o de um avô materno, que tinha tido fama de onzeneiro e de cobrar juros de 200% ao mês para os empréstimos que fazia às gentes desesperadas que a ele recorriam em última instância, quando viam esgotados todos os caminhos que a imaginação e as limitações de então colocavam à sua disposição. Este avô materno, o Mão de Gancho, como era conhecido na aldeia, tinha aliás casado aos 42 anos com uma moça vinte e quatro anos mais nova por motivos que se prendiam com uma cobrança de juros que a família dela não podia pagar, tendo-se servido da pobre moça como último recurso para liquidar a dívida, facto que não lhe servira de grande coisa, porque a mulher, que possuía um feitio que não era para brincadeiras, logo tratou de o meter com dono e enfiar-se debaixo de quantos ela quis que lhe passassem por cima, que aliás foi a aldeia quase em peso. Contava-se aliás à boca pequena que as duas filhas do casamento nada teriam que ver com as diligências matrimonias do tal de Gancho, de tal maneira que todos os homens da aldeia as tratavam por filhas e desconfiavam da paternidade lhes pertencer a ponto de lhes terem recusado pretendentes com os respectivos filhos quando atingiram a idade casadoira por temerem vir dali relação incestuosa, o que obrigou as pequenas a terem de encontrar a sua sorte fora dos limites territoriais, coisa em que, diga-se de passagem, toda a aldeia se esforçou diligentemente. A mais velha acabou por ir parar a Porto de Mós, atracada ao filho de um comerciante de tecidos por atacado que andava de terra em terra e que pareceu a toda a gente moço respeitável e com futuro no negócio paterno; à mais moça, a mãe do nosso Antonino, fora encontrado um pretendente num dos primos afastados do padrinho de baptismo, que na altura se encontrava já lançado num pequeno comércio na vila mais próxima, com boas perspectivas de prosperidade. Este aspecto fora aliás ponto de honra de toda a aldeia, pelo menos dos seus elementos masculinos, que haviam acabado por convencer as respectivas mulheres a envolverem-se no bom sucesso do empreendimento.
Foi eleito cabeça de lista pelo partido no distrito de Évora, e então resolveu enviar uma carta aos eleitores. Qual não foi porém o seu azar ao ter visto a carta escarrapachada num semanário nacional, enviada por um professor de português, em que apareciam corrigidos 17 erros ortográficos, 23 erros de acentuação e 25 de pontuação. E a encarnado, porque o jornal se deu ao trabalho de publicar a cópia da carta a cores. O que ao certo não se sabe muito bem se terá influenciado o voto dos seus correlegionários, insensíveis que por hábito säo os portugueses a estas coisas da correcção na escrita, embora por outro lado barafustem por tudo e por nada com os desgraçados dos professores e com os órgäos de comunicação social; ao que se saiba, também não foram encontradas estatísticas sobre a influência dos professores de português no resultado da votação.