Nascer, nascer-nascer, nasceu como os outros, pelo menos ao que se saiba. O pior foi mais tarde, quando lhe disseram que tinha mais que fazer na vida do que andar a carpinteirar para cá e para lá quem nem um mouro de trabalho, que tinha era que ir contar às pessoas que as coisas não eram bem como elas pensavam que eram, que o melhor era dizer-lhes que isto de atirar pedras às mulheres não era coisa que se fizesse, que se podia pensar mais um bocadinho nesta vida e na outra, afinal esta que aqui temos são só dois dias, e depois como é que é?, e se queremos andar de cara levantada não há nada melhor do que levar umas bofetadas de um lado e do outro também.
Dizem que lhe deram um beijo e ainda receberam dinheiro por cima, afinal será que um homem precisa de ser pago para dar um beijo noutro, onde é que já se viu isto?
Mas depois vieram uns senhores de saias compridas, de cores variadas, que nisto de modas não há como variar um bocadinho, senão torna-se tudo muito monótono, e disseram que essa coisa de andar a queimar troncos no pino do inverno e a bailarem que nem doidos pelas ruas estava mal, comportamentos destes eram do pior que há, afinal quem investe no progresso social, quem tem dinheiro para investir no progresso social, não gosta nada, mesmo nada, de ficar a olhar para trás do ombro a ver quando é que é insultado nas ruas ou em casa, nem no verão quanto mais no inverno, pespegaram com o dia vinte e cinco no calendário do Júlio e toma lá, nasceste foi neste dia e pronto, não se fala mais nisso, agora que se avenham com o resto, que nós já fizemos o nosso papel.
E foi uma bela desculpa para toda a gente andar a comer guloseimas e a estoirar dinheiro durante duas semanas, não é todos os dias que se apanha uma barrigada de perus, bacalhaus, fritos desta ou daquela espécie, e que se fica mais passado do que os figos com nozes, o pior é quando se faz um balanço do deve e haver depois deste tempo todo e se vê que no fim de contas o resto do ano vai ser o rame-rame do diz-que-disse e do bate-e-foge-que-se-faz-tarde.