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  • sábado, dezembro 03, 2005

    O homem que deixou de falar


    Q

    uando as horas se lhe tornaram sombrias, quando de súbito fechou a porta de casa e nela se viu sozinho, as palavras faladas foram-se sumindo a pouco e pouco, primeiro ainda lhe saíam pragas rogadas ao pouco jeito para lides domésticas, logo depois meras caretas, até alcançar uma quase indiferença e a mudez se lhe instalar de forma definitiva nos lábios e na garganta, afinal se já nem tinha quem lhe ouvisse carícias para quê e para quem iria lançar rogos ou conversas sem sentido?, é uma questão de economia, porventura de bom senso, mesmo que não seja de bom gosto, ou talvez sim, que ele há quem aprecie coisas estranhas, pelo menos para uns serão estranhas, enquanto que para outros nem por isso, certo é que resolveu deixar de falar, de emitir palavras, nos supermercados era coisa por demais desnecessária, que uma pessoa entra, serve-se e pronto, depois é só pagar na caixa, ali a conversa não é precisa para nada, nem bom dia nem boa tarde, de nada valem dias internacionais da saudação, estas pequenas delicadezas vão-se mesmo sumindo a pouco e pouco e a troco de nada, para o resto levava pequenas fichas de cartolina com escritos que apresentava caso a necessidade assaltasse o seu dia a dia, que deixar de falar não é o mesmo que deixar de escrever, são coisas completamente diferentes, olá se são, e se uma delas deixa de ser precisa então para que é que se continua a praticá-la?, foi assim que pensou e o que levou à prática, foi amontoando fichas atrás de fichas, das mais diversas cores de acordo com as categorias das circunstâncias em que as utilizava, umas para isto, outras para aquilo, iam-se amontoando um pouco por todos os lados, depois viu-se na contingência de ter que organizar aquilo tudo para além da divisão por cores, porque eram já para cima de mil e quinhentas fichas, começara a tergiversar na redacção daqueles rectângulozitos de cartão, a imaginar situações em que poderiam vir a ser úteis, muito embora a maior parte fosse desnecessária, supérflua, se bem que achasse que não, que numa emergência, em que não tivesse tempo de preparar uma ficha, ela já lá estaria pronta, à espera de ser utilizada, e por isso pôs de parte as que usava com frequência e catalogou-as por situações, depois as que ainda não tinham tido qualquer préstimo mas que, sabe-se lá, podiam vir de um momento para o outro a tornar-se indispenáveis, que as coisas são assim mesmo, parece que não servem para nada e, de súbito, são a única hipótese, a salvação, o único e último recurso, sem que haja outro qualquer em que se possa pensar, a que se possa deitar a mão, com as pessoas também pode acontecer isso mesmo, são desprezadas e ignoradas dia após dia e, de um momento para o outro, não há mais ninguém a quem se possa recorrer, vá lá que afinal ainda há préstimo para elas, mesmo depois de passarem dias e dias a darem a ideia de que servem para coisa nenhuma, assim era este homem que tomara uma opção definitiva, radical, daquelas que se pensa serem por demais absurdas, como é que alguém pode achar que deixar de falar é solução para resolver os seus problemas, muito menos os deste mundo, que se toda a gente deixasse de falar de um dia para o outro então como é que as pessoas se entendiam, que mesmo assim, com a quantidade de conversa fiada que vai por aí é o que se sabe e o que se vê, mos cada um é como cada qual, é isto aquilo a que chamam de liberdade, ou se não é devia ser, pelo menos era o que ele achava, que não tinha gato nem cão a quem pudesse chamar pelo nome, vivia assim mesmo, sem vivalma a quem pudesse dizer palavras de carinho, de ódio, fosse do que fosse, escrevia então em pequenos rectângulozitos de cartolina, de cores vivas, para que pudesse distinguir uns de outros, o pior era se ficasse cego, que uma pessoa nunca está livre de uma coisa dessas, num dia está-se a ver tudo muito bem, ou quanto muito mais ou menos, e no outro dia nada, nem sombra nem luz, mas por enquanto estava livre de tais apuros, e então ia amontoando fichas, acolá as amarelas, no outro lado as azuis, as verdes numa caixa verde, as brancas, que eram as mais vulgares, inteiramente dedicadas às situações do quotidiano, mais à mão de semear, algumas enfiadas nos bolsos do casaco, quem com ele lidava achava tudo aquilo estranho, mas cada um tem as suas manias, tinham-no por mudo, coitado, se calhar até seria surdo, por isso falavam-lhe em voz alta, quase aos gritos, mas ele não se incomodava com isso, achava natural, as mais das vezes quando se depara com um mudo pensa-se que também deve sofrer de problemas de audição, que uma desgraça nunca vem só, pelo menos aparecem aos pares, às duas ou três, as desgraças são assim mesmo, vêm umas atrás das outras, é o mesmo quando se avaria qualquer aparelhómetro, pouco depois dá a travadinha em mais um segundo ou terceiro, o que vale é que uma pessoa já fica prevenida, depois do primeiro problema fica logo de pé atrás, que é para não se perder o equilíbrio, se bem que de equilibrado achavam que o homem que não falava tinha muito pouco, com aquelas fichas atrás de fichas que lhe surgiam de todas as algibeiras a pedir mais isto e mais aquilo, lá tinham que lê-las e decifrar-lhe a caligrafia, se bem que aí não havia grandes problemas, porque se esmerava na correcção ortográfica, na pontuação, que é mais do que se pode dizer deste texto, que apenas tem um ponto final, este aqui.

    Posted by: Rezendes / sábado, dezembro 03, 2005
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