Ter vizinhos famosos tem os seus inconvenientes. Eu que o diga, que passei uma boa parte do fim de semana, entre os meus outros afazeres, a que já me referi antes, a atender uma data de gente que me batia à porta a perguntar-me onde é que morava o tal senhor Precision, que eu nisto de precisões só quando estou aflito para ir à casa de banho, o pior é quando nos dá a vontade e vamos a meio de uma viagem, por exemplo, ou nos encontramos a meio de uma reunião importante, e nisto vai-se ficando verde, amarelo, azul, as cores que se dá a uma pessoa quando queremos dizer qualquer coisa acerca dela, verde de inveja, azul de ciúme, vermelho de raiva, roxo de morto, então nesta coisa de aflições nem vos digo nem vos conto.
Pois esse tal senhor em vez de dizer às pessoas que não estava em casa, que tinha o jornal para ler ou que não lhe apetecia mesmo nada aturar aquela gente toda que lhe andou a rondar a porta, não senhor, veio aqui meio mundo enfiar-me o dedo na campainha, salvo seja, se o tal senhor das precisões ficava no terceiro ou no quarto, aqui é que não era, não senhora, lá tive que andar armado em balcão das informações o dia inteiro, nem de noite a coisa amainou, e ainda por cima começou logo de manhã, eu que gosto de me levantar tarde, bimba, bimba na campainha, precisões não é comigo, já estou servido, obrigado, veja lá para onde é que toca que aqui mora gente séria que não anda enfiada a mexer no lixo dos ordenados dos outros, do meu sei eu, das precisões dos outros não sei nada e se têm dúvidas façam queixa na polícia que não tenho nada para esconder.
Parece que foram para acima de duas mil. Um rodopio. Espero que para a próxima o meu vizinho ponha os pontos nos is e esclareça logo que os aditamentos hão-de surgir lá mais para a frente, noutro dia da semana ou coisa assim, senão compro uma caçadeira e é um ver-se-te-avias a fazer pontaria aos chatos, que raio de palavra esta, os franceses têm uma mais gira, «émmerdeurs», está visto que é mesmo desta substância com que se fazem os excrementos lá para as terras da França, por cá é mais bichinhos pequeninos que se metem onde não se deviam meter, temos a mania dos bichinhos pequeninos, embora já tenha passado a dos micróbios, era micróbio para aqui, micróbio para acolá, não querem lá ver o micróbio que já quer parecer que é gente, mais outra palavra que entrou em desuso, até dá a ideia de que a língua portuguesa é assim tão rica que manda às urtigas uma data de palavras todos os anos, dia 25 entras tu em desuso, já estás no calendário, tem lá paciência, pode ser que um dia destes um picuinhas qualquer se lembre de ti e voltes ao activo.
Se não fosse isto da Internet e dos blogues, que uma pessoa pode ir coscuvilhar na vida dos outros mesmo estando sentada na sua casinha, era o que me tinha acontecido. Mas que mania a deste vizinho de meter o bedelho em todo o lado. Deve ser uma mania abichanada, sei lá, pelo menos é o que tenho lido de vez em quando lá nos comentários dos outros. E alguma razão terão. Pode bem ser que sim. E se for não é uma injustiça, não é uma injustiça, não é, não, está bem visto que não.