Hoje levantei-me cedo. Era ainda de noite. Apanhei com o sol matutino de chofre, coisa a que já não estava habituado, que nisto dos dias normais já o sol vai alto quando saio da cama, e aos fins de semana a maior parte das vezes já está quase noite quando meto o nariz fora de porta. Falando de Inverno, está bem de ver.
Mas quando uma pessoa se levanta cedinho parece que o mundo acordou todo ao mesmo tempo e que toda a gente está cheia de pressa de chegar a algum lado, muito embora tenha sérias dúvidas se as pessoas realmente chegam a algum lado ou se andam com a impressão de que chegam a algum lado todos os dias.
Não sei bem porque é que as pessoas se levantam de manhã cedinho para ir para esse sítio onde andam de cara grande o dia inteiro, e depois vão almoçar num pulo e voltam noutro para o mesmo sítio onde a cara grande aumenta ainda mais até quase rebentar quando chegam a casa, já de noite, e despedem as crianças para a cama com um beijo ainda mais apressado do que o almoço. Será que os dias fazem sentido nesse tempo todo que se gasta a andar para trás e para a frente, a fazer de conta que há alguma coisa de importante no vai-e-vem em que se faz de conta que se vai vivendo?
Hoje levantei-me cedo. Era ainda de noite. Apanhei com o sol matutino de chofre e não gostei. Não gostei das caras que vi pelas ruas, a fingir sorrisos que não tinham, dos carros todos alinhados à espera das luzes verdes que agora estavam vermelhas e não deixavam passar ninguém, dos lugares para estacionar que iam sumindo aos poucos e poucos, do barulho, do fumo, dos cheiros, e das caras, mais uma vez das caras. E pensar que este silêncio dura todos os dias, que esta morte vai chegando mais perto, um tudo-nada mais perto, de manhã até à noite.